A vitória e a derrota, a vida e a guerra, Akira Kurosawa e os 70 anos de Os Sete Samurais

Mais próximo da câmera está Kikuchiyo segurando uma espada sobre o ombro e olhando para algo fora do plano. Ao fundo estão os outros seis samurais olhando na mesma direção.
“Aquele que se empenha a resolver as dificuldades resolve-as antes que elas surjam. Aquele que se ultrapassa a vencer os inimigos triunfa antes que as suas ameaças se concretizem” (Foto: Toho films)

Guilherme Moraes

Existem diretores que não precisam de muito para extrair algo interessante, fazem do simples algo profundo, seja por um movimento de câmera, pela maneira como enquadra uma cena ou até como posiciona seus atores. Esse é o caso de Akira Kurosawa, diretor japonês que, há 70 anos, lançava Os Sete Samurais, um dos seus melhores e mais influentes filmes. Na trama, lavradores descobrem que bandidos vão saquear a sua vila e decidem contratar samurais para protegê-la. No entanto, apesar da sua aparente simplicidade, Kurosawa traz profundidade ao analisar os conflitos históricos entre camponeses e guerreiros japoneses, além de meditar sobre a vida e a guerra.

O longa explora a histórica relação conflituosa causada pela estratificação social do Japão na época retratada, que, com algumas ressalvas, se baseava na suserania e vassalagem, no caso, os camponeses seriam os vassalos e os guerreiros os suseranos. No entanto, o idealizador evita o caminho fácil e moralista de colocar os personagens como representantes de suas classes. Ao invés disso, ele dá personalidade própria para cada um dos samurais e alguns dos principais lavradores, entendendo o contexto histórico e social em que que estão inseridos, mas não limitando-os a isso. A melhor maneira de ilustrar essa ideia é por meio do personagem Kikuchiyo (Toshiro Mifune), um filho de lavradores que sofreu muito nas mãos dos samurais, porém, mesmo dentro de uma sociedade estratificada, muda o seu destino e se torna um deles.

Na imagem está Kikuchiyo gritando. A câmera pega apenas a parte acima dos ombros. Ele está com capacete de proteção e parece estar em movimento de ataque.
Toshiro Mifune foi um dos atores preferidos de Akira Kurosawa, eles trabalharam juntos em 15 obras (Foto: Toho films)

Os camponeses traumatizados com os abusos dos guerreiros que passavam pela vila – principalmente as meninas mais novas que os samurais sempre se interessavam –, passam a reagir e matá-los, ficando com suas armas e armaduras. Toda essa base dos conflitos é construída por meio de diálogos ao longo do filme, fazendo com que, inicialmente, tenhamos raiva dos lavradores que não recepcionam os samurais por medo deles, mas, conforme a obra avança, uma empatia é construída ao entendermos seus traumas.

Os samurais, por outro lado, estão longe de serem o que os moradores da vila pensam, pois estes reforçam os valores do código de conduta samurai ao aceitarem o trabalho sem nenhuma pretensão gananciosa, visto que o valor ofertado – três refeições completas durante o tempo em que estiverem no vilarejo – era muito baixo para os riscos que exigia. O interessante dos guerreiros é que cada um deles tem um motivo diferente para aceitar a empreitada, combinando com a sua própria personalidade, seja por querer ajudar os indefesos, para adquirir experiência, melhorar suas técnicas de combate ou, até mesmo, provar que é um samurai, como é o caso de Kikuchiyo.

A câmera está de lado  em relação aos seis samurais da imagem. Mais próximo da câmera à direita está Kanbê, seguido por Heihachi, Kiûzô e Shichiroji respectivamente, e cada um mais ao fundo na imagem que seu antecessor. Mais próximo da câmera à esquerda está Kikuchiyo, seguido por Okamoto mais ao fundo.
O episódio 4 da primeira temporada de Mandaloriano é muito inspirado no filme de Akira Kurosawa (Foto: Toho films)

Nesse sentido, o filme passa a obedecer uma lógica própria, sem se guiar, necessariamente, pelas bases históricas, obedecendo mais à coerência dos seus personagens. Estas sete figuras, na verdade se mostram bem arquetípicas; Kanbê (Takashi Shimura) é o líder do grupo, que detém a moral, toma a frente para tudo, gere as pessoas e traça as estratégias; Shichiroji (Daisuke Katō) e Gorobê (Yoshio Inaba) são os homens de confiança do comandante. Esses três homens são a representação da coletividade e do respeito ao trabalho em equipe. Em certo momento Kanbê briga com Kikuchiyo por desrespeitar as ordens gerais, independente do resultado obtido.

 Okamoto (Isao Kimura) e Kikuchiyo refletem sobre a vida de maneiras distintas; o primeiro é jovem em busca de aprendizado e novas experiências; o outro é cheio de mágoa, raiva e busca se provar como um samurai, apesar da origem humilde. Eles são a dualidade entre o que busca conhecer a vida e o que já passou por tudo. Diferente desses, Kiûzô (Seiji Miyaguchi) é calado, independente, habilidoso em conflito e com uma postura que impõe respeito, um cowboy do faroeste por essência; Heihachi (Chiaki Minoru) soa como aquele que apenas quer se divertir matando, olhando para o todo, ele parece o mais apagado.

Ao final do filme, Akira Kurosawa volta a trabalhar o conflito, dando um final diferente do que acontecia historicamente, e reflete sobre as derrotas da guerra. Enquanto morreram mais da metade dos samurais sem ganhar nada, a não ser as refeições durante o tempo em que ficaram na vila – não continham tudo que os lavradores produziam –, os camponeses, apesar das perdas, voltam a viver suas vidas normalmente, contagiados por terem vencido a guerra. Apesar de estarem do mesmo lado, Kanbê reforça que eles, os guerreiros, não venceram a batalha, apenas os lavradores.

Mais próximo a imagem abaixo estão os samurais Kanbê, Shichiroji e Okamoto, e mais dois lavradores. Mais ao fundo e em foco, estão os túmulos dos samurais mortos, com as espadas destes cravadas onde estão seus corpos.
Apesar de ser um dos maiores nomes do Cinema japonês, Akira Kurosawa era considerado muito ‘ocidentalizado’ em sua época (Foto: Toho films)

A produção foi um marco no Cinema mundial, influenciando muito o gênero Western, que trabalhava com questões como a honra, a coragem e o sacrifício em seus heróis. Além disso, ele influencia diretamente o universo Star Wars, que é definido como um faroeste no espaço, mas com sabres de luz ao invés de armas, o que apenas realça essa semelhança com o longa. Existe, até mesmo, um episódio de Mandaloriano que repete a mesma sinopse, entretanto com outra roupagem, adaptado ao universo.

Em suma, Os Sete Samurais é uma obra com um legado extenso, que vai além do Cinema japonês, pois incita o estudo e o novo olhar para a história, cria personagens complexos com características muito cativantes e, sendo muito inspirado pelo livro A arte da Guerra de Sun Tzo, fala sobre a guerra e suas perdas. É um filme histórico de um dos diretores mais marcantes do pós-guerra no Japão, talvez, ele não fosse o melhor exemplo do que era a Sétima Arte japonesa, mas com certeza foi um dos que mais chamou a atenção do mundo para o seu Cinema.

 

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