Os Melhores Livros de 2023

De cantores a autores sob codinomes, os Melhores Livros de 2023 se encontram nas possibilidades (Arte: Aryadne Xavier/ Texto de Abertura: Jamily Rigonatto)

O último ano foi para a Literatura rico em experimentações. Com obras de gêneros distintos e um movimento de mais espaço para possibilidades, os resultados foram páginas cobertas por amor, descobertas, dores e muito mais do que o sentir pode proporcionar. Assim, chegamos a lista selecionada pela Editoria do Persona, que compõem as escolhas para representar Os Melhores Livros de 2023. 

É importante que lembremos que além de propícia para  novas ideias, a temporada marcou eventos importantes para a representatividade no meio literário. Em Outubro, tivemos o primeiro indígena eleito como imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL), o autor Ailton Krenak, que assina sucessos como Ideias para Adiar o Fim do Mundo e Futuro Ancestral

Outro marco foi a presença de autores negros em espaços de reconhecimento. Na Festa Literária de Paraty (Flip) do último ano, o principal nome da programação era o de uma das autoras negras mais faladas do Brasil na atualidade, Conceição Evaristo. Além de discursos essenciais e uma contribuição literária notável, a presença da escritora no evento literário inspira e carrega muito significado. 

Muitos centenários também foram comemorados no período, como o de nascimento da autora Wislawa Szymborska, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996. Além dela, Eugénio de Andrade (As Mãos e os Frutos), o poeta surrealista Mário Henrique Leiria, o ensaísta Eduardo Lourenço e Mário Cesariny fizeram parte da lista de centenários e foram celebrados. 

Entre tantos marcos, fica a esperança de um momento ainda mais doce para o mundo dos livros está por vir. Enquanto isso, você confere a lista dos textos que se destacaram para o Persona no ano de 2023 e aproveita dicas de leitura variadas. Para todas as preferências, fica o gosto de obras plurais e extremamente ricas em cultura, liberdade e a vontade de transformar cada capítulo. Boa leitura!

Capa do Livro de uma a outra ilha. Na imagem, há uma elipse esverdeada em meio a um extenso fundo azul para representar uma ilha. Na porção superior, vemos o título do livro. Na inferior há o nome da autora e da editora.
De uma a outra ilha é um poema longo de 40 páginas (Foto: Circulo de poemas)

Ana Martins Marques – De uma a outra ilha

Escrito pela poetisa brasileira Ana Martins Marques, De uma a outra ilha coloca em palavras a cartografia de um lugar: a ilha de Lesbos. A obra, que foi lançada em Julho de 2023, se comporta como um manifesto político contra a morte de imigrantes e a crueldade das fronteiras estabelecidas entre os territórios. O escrito é sensível, mas mantém a força de suas afirmações e posicionamentos a cada linha, estabelecendo uma relação entre o que é autoral e o que é retomado do conjunto de Poemas e fragmentos, de Safo. 

Lesbos é um ambiente conhecido pelo alto fluxo de imigração européia de pessoas que estão tentando passar pela Grécia. No entanto, diante da política indiferente quanto a essa população, o espaço se tornou uma espécie de purgatório de vivos, além de testemunhar mortes recorrentes das pessoas tentando se deslocar pelo oceano. Assim, a literatura de Marques se coloca a repreender o cenário lamentável através de escolhas lexicais delicadas e bem marcadas. Nas linhas suaves de um poema extenso, o livro sangra em águas turbulentas. – Jamily Rigonatto 


Capa do livro Paixão Simples. A capa conta com uma grande foto de Annie Ernaux com filtro sépia. Ela é uma mulher branca com cabelos grisalhos lisos e óculos de sol quadrados. Ao redor da fotografia há retângulos rosa, vermelho, preto, amarelo e lilás com o nome do livro, da autora e da editora.
Em Paixão Simples, Annie Ernaux traduz o ato de se apaixonar em seus termos (Foto: Fósforo Editora)

Annie Ernaux – Paixão Simples

Annie Ernaux se tornou uma das figuras mais influentes da Literatura nos últimos anos. Com seus textos destrincha coisas complexas em vocábulos diretos e brutos, mas Paixão simples, que chegou ao Brasil pela Fósforo em 2023, tem algo de diferente. O livro relata uma paixão que a autora teve por um homem um pouco mais jovem e casado, chamado de A.. 

O apaixonar-se soa obsessivo e dá origem a uma Ernaux fora das linhas, que dispensa seus livros em nome de assistir novelas junto com o homem. É como se seu cérebro funcionasse de forma completamente irracional e isso se reflete no ritmo da leitura, no qual as páginas são caóticas e mais rápidas que o habitual de seus escritos. Assim, a ganhadora do Nobel de Literatura é, mais uma vez, sensacional, quando descreve as dores, tensão, o desespero e o desejo que ultrapassam qualquer limite. A paixão continua um sentimento complexo, mas Annie Ernaux prova simples é deixá=lo pulsar. – Jamily Rigonatto


Capa do livro Irmãs do Inhame: Mulheres negras e autorrecuperação. No centro do livro temos a pintura de duas mulheres negras em tonalidades de azul escuro. Uma está colocando uma coroa na outra, como símbolo de cuidado. Na parte inferior do está escrito o nome do livro em rosa, preto e branco. Na parte superior está escrito o nome da autora na cor preta. O fundo da tela é formado por uma cor sólida de rosa.
“Irmãs, eu as saúdo no amor e na paz” (Foto: WMF Martins Fontes)

bell hooks – Irmãs do Inhame: mulheres negras e autorrecuperação 

No seu tempo como educadora em universidades norte-americanas na década de noventa, bell hooks entendeu rapidamente a necessidade de existir um grupo de apoio que acolhesse as dores e preocupações singulares de suas alunas negras, dessa maneira, surgiram as Irmãs do Inhame. Inspirada pelo romance The Salt Eaters de Toni Bambara, o nome do coletivo nasceu da importância do tubérculo nas comunidades negras, que além de atuar na alimentação e nutrição do corpo, também é um símbolo das conexões diaspóricas. 

Distanciando da terapia convencional, que em grande parte desconsidera ‘raça’ como um fator importante na autorrecuperação e no entendimento da saúde mental de pessoas negras, as Irmãs do Inhame miravam no afastamento do auto-ódio canalizado pela baixa autoestima e priorizavam o bem-estar por meio do diálogo. Em Irmãs do Inhame: mulheres negras e autorrecuperação, a autora registra que ao externalizar suas feridas com pessoas que compreendem das mesmas dores, assim como todo o ato de pessoas negras procurando ajuda sobre o seu interior pessoal, passam a fazer parte de uma prática de política libertária. 

O livro é um compilado dos ensinamentos desenvolvidos durante anos entre bell hooks e suas discentes. Interligando acontecimentos pessoais da própria autora com contextos históricos que envolvem o racismo e a pessoa mais afetada por ele: a mulher negra. Uma obra que lida com o humano, uma humanidade que possui feridas abertas nos corpos, mentes e espíritos, e que ainda não conquistou serenidade plena com o seu próprio eu. – Ludmila Henrique


Capa do livro A mulher em mim de Britney Spears. A arte de capa é uma fotografia em preto e branco de Spears, uma mulher branca de cabelos claros e olhos escuros. Ela está posicionada no canto esquerdo da arte, olhando para a câmera de lado enquanto veste uma calça e encobre os seios. O fundo é preto e ao lado de Britney Spears está escrito seu nome em letras garrafais rosa seguido do título do livro em letras garrafais brancas “A MULHER EM MIM
O audiobook em inglês de A mulher em mim é narrado por Michelle Williams (Foto: BUZZ)

Britney Spears – A mulher em mim

Após incontáveis documentários sobre a sua trajetória, inúmeras suposições em torno de sua vida particular e idas mais do que suficientes para a corte estadunidense na luta pelo fim de sua tutela, Britney Spears decidiu que estava pronta para contar a sua versão dos fatos na autobiografia A mulher em mim. Exatamente como está acostumada nos palcos, o livro é a versão mais poderosa da artista, mesmo com os seus momentos mais vulneráveis sendo revelados.

É nos registros mais desafiadores que Spears assume e liberta essa força feminina dentro dela, que lidou com tantos obstáculos que atravessam a existência das mulheres. Partindo desde as mazelas de existir em uma sociedade historicamente patriarcal, passando pelas distintas experiências com a ideia de maternidade até, em seu caso em específico, ser uma superstar em uma indústria musical que se alimenta da queda de suas estrelas.

A mulher em mim tem o essencial de uma boa autobiografia: segredos, polêmicas e uma contextualização que já atrai, logo de cara, a opinião pública para o lado de Britney Spears; invertendo um cenário de hostilização de décadas. Por vezes, a escrita é tão familiar que mais parece um compilado das legendas da Princesa do Pop no Instagram, felizmente, sem a quantidade desconcertante de emojis. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Parem de Falar Mal Da Rotina. O fundo é como uma representação do céu com nuvens. No centro superior há o nome da escritora, Elisa Lucinda, e ao lado direito há o logo da Editora Record em vermelho. Elisa Lucinda, mulher negra em torno dos 60 anos, está no centro da imagem. Utiliza uma blusa vermelha com decote e uma pulseira prateada no braço esquerdo. Seu cabelo - crespo e castanho escuro - está com um Black Power. Em suas pontas, o cabelo forma desenhos do cotidiano contado pela escritora durante o livro. No centro do cabelo está escrito, em tom claro, o título do livro “Parem de Falar Mal Da Rotina”. Ao lado de Elisa, há os dizeres em vermelho “Nova edição revista pela autora”
Elisa Lucinda e seu livro, em nova edição, nos fazem adentrar nos versos e monólogo da escritora (Foto: Editora Record)

Elisa Lucinda – Parem de Falar Mal da Rotina

Parem de Falar Mal da Rotina, em nova edição, evoca o palco de teatro e as poesias de sucesso que Elisa Lucinda faz há mais de 20 anos com o seu monólogo de mesmo nome. Nesta versão, a atriz evoca novamente o projeto da peça de tremendo sucesso: enxergar a beleza da vida – o nascer do sol, o pôr do sol – nos momentos em que, muitas vezes, a gente desdenha por ser rotineiro.

Elisa Lucinda, que tem uma destreza magnífica ao escrever – é uma autora (uma das muitas coisas que Elisa é com grande brilho) que nos emociona em um verso e no outro nos faz rir logo em seguida. Parem de Falar Mal da Rotina, é certo, comunica com todos que aqui estão presente – como a peça faz também -, entretanto, para quem ainda não teve a oportunidade de experimentar o espetáculo ao vivo, o livro nos dá um gostinho de querer mais. A narração dos fatos, do cotidiano, da rotina, sem dúvidas, não fica chato quando a maravilhosa Elisa Lucinda nos conta. – Marcela Lavorato


Capa do livro Saia da Frente do Meu Sol. A capa do livro possui o tom homogêneo azul. Há pessoas deitadas na praia, de frente para o leitor, um homem está em destaque, o personagem Tio Ricardo. Um homem branco, com cabelo preto e sem camisa. Outras pessoas estão em volta, mas tapadas pelas letras. Ao lado direito do homem, há o título do livro escrito em amarelo, e, embaixo da palavra “frente”, há o nome do autor, Felipe Charbel, escrito em branco. Também em branco há o nome da editora, Autêntica Contemporânea, no canto inferior direito da página
Felipe Charbel é professor associado de história da UFRJ (Foto: Autêntica Contemporânea)

Felipe Charbel Saia da Frente do Meu Sol 

Felipe Charbel, romancista brasileiro, imerge em mais uma história que se desenvolve entre segredos familiares no recente Saia da Frente do Meu Sol. Caracterizado pelo vazio de informações totalmente proposital, Tio Ricardo levantava diversas questões sobre sua vida misteriosa após seu falecimento e enterro, onde poucas pessoas compareceram.

Com um desenvolvimento leve e coerente, Charbel não pula etapas ao mostrar para o leitor sobre cada detalhe que descobre a respeito da vida do tio. O público é outro personagem, e se choca ao mesmo tempo que o protagonista do livro. Contagiante e madura são as palavras que definem a leitura fluida que o carioca consegue passar em suas obras, e Saia da Frente do Meu Sol é mais uma prova. – Amabile Zioli


Capa do livro Ellis Island. Na imagem, há uma elipse azul escuro em um fundo azul claro para representar a ilha. Na porção superior há o escrito "Ellis Island" em letras brancas
O poema longo de Perec é destinado, inicialmente, para a construção do roteiro de um documentário homônimo, realizado com o diretor Robert Bober, sobre a ilha (Foto: Círculo de Poemas)

Georges Perec – Ellis Island

A ausência não deixa de ser uma personagem recorrente na literatura do autor francês Georges Perec. A falta de um caractere, de um enredo sólido ou de respostas a perguntas que, além de conduzirem a construção histórica e poética de Ellis Island, existem para reconstituir os arquivos e acontecimentos de um espaço que ergue-se pela amnésia. Em uma escrita objetiva, o escritor traça a genealogia da imigração e os múltiplos sentidos dessa ilha – nas palavras de Perec um ‘‘lugar de ausência de lugar, o não lugar, o lugar nenhum’’ – onde se criou os Estados Unidos da América: um espaço de trânsito e despersonalização no qual emigrantes tornaram-se imigrantes; onde as histórias de pessoas de todos os cantos do mundo – italianos, judeus, porto riquenhos e cambojanos – eram submetidas a análise para, então, darem força e trabalho ao que viria se tornar a maior nação do mundo.

Os inquéritos de Perec – ‘‘como descrever?/ como contar?/ como olhar? (…) como ler esses rastros?’’, que mais soam como lamentos, diferentemente dos agentes de imigração que articulavam o futuro de pessoas em clausura no espaço da ilha – são, em si, formas de retratar um tema caro também a artistas como Meredith Monk e inseri-lo, a partir do poema, em um tempo não linear e constante. Ellis Island não existe mais enquanto um centro de detenção e inspeção de imigrantes a qual a Estátua da Liberdade já anunciava paradoxos e mentiras, mas na condição de um monumento histórico que ainda inquieta a quem procura respostas a uma ancestralidade pautada na diáspora, vasta em meio a dezesseis milhões de histórias individuais. O inquietante poema de Perec, no entanto, faz da ruína e do vazio uma memória potencial à pequeneza perdida e encontra sua própria identidade nessa busca. – Enzo Caramori


Enaltecendo a vida de Gil, Nós a gente é um alento para o coração (Foto: WMF Martins Fontes)

Gilberto Gil e Daniel Kondo – Nós, a gente 

Nós, a gente, livro organizado por Guilherme Gontijo Flores, é a materialização em artes visuais das poesias belíssimas compostas por Gilberto Gil. Com ilustrações de Daniel Kondo nas 40 músicas selecionadas, as canções escolhidas têm em comum a temática do amor à família. A obra foi concebida na época em que o cantor estava comemorando seus 80 anos, em 2022, e saindo pela Europa com a turnê Nós, A Gente – nome homônimo ao do escrito -, sendo tudo registrado no documentário Viajando com os Gil

Em Nós, a gente, além de ser uma ótima experiência escutar as músicas à medida em que analisa as artes das canções, também é possível ter acesso às entrevistas conduzidas por Guilherme e Daniel com Gilberto Gil e Flora Gil. Com sua calma e leveza, Gil nos mostra toda a sua bagagem – principalmente o núcleo familiar – que constituiu durante seus 80 anos de vida. Não sendo diferente, Flora também nos mostra a felicidade de ter uma família unida. 

No geral, o livro é uma grande celebração de vida de Gilberto Gil. Tudo o que foi construído e feito merece essa cerimônia literária e visual, ainda mais quando se está acompanhado de familiares. Por fim, temos acesso à grandiosa árvore genealógica do artista e também a algumas fotos, com legendas de sua neta, Flor Fil, dos bastidores da turnê europeia. É uma escrita deliciosa de se saborear. – Marcela Lavorato


Capa do livro Girls Like Girls. Na imagem, há duas meninas ilustradas de costas, uma ao lado da outra. A da esquerda tem cabelos loiro escuros, usa camiseta brancae saia vermelha. A da direita tem cabelos pretos e veste uma camisa azul. O cenário tem tonalidade rosa, árvores e uma montanha.
Inspirado na música homônima, Girls Like Girls abraça a comunidade sáfica (Foto: Intrínseca)

Hayley Kiyoko – Girls Like Girls

Hayley Kyoko marcou a juventude de uma geração de pessoas lgbtqia+ quando começou a cantar sobre o amor entre meninas, especialmente, com o lançamento de Girls Like Girls em 2015. A música, que acompanhava um clipe adorável, alimentou fanfics sáficas por anos, e agora, as teorias se concretizam nas páginas de Girls Like Girls: Uma história de amor entre garotas

O livro aprofunda a relação entre as protagonistas do videoclipe, Coley e Sonya, duas jovens em idade escolar com diferentes desafios a enfrentar, mas uma conexão inexplicável em comum. Ao passar das páginas, a história mescla os clichês que ensolaram a alma com os desafios da autodescoberta, fazendo tudo ser doce, lindo e, ainda assim, extremamente próximo dos medos da vida real. Traduzidas por Helen Pandolfi, as palavras de Hayley nos transportam de volta à adolescência e restauram o desejo de viver um amor tão sincero como o de Gilrs Like Girls. – Jamily Rigonatto 


Capa do livro Salvar o Fogo. O fundo é laranja. No centro superior há os dizeres em cinza “Do autor de Torto Arado”. Logo abaixo, em branco, há o título “Salvar o Fogo” e, mais embaixo, em preto, há o nome do escritor “Itamar Vieira Junior”. Abaixo dos dizeres há um desenho de uma mulher negra usando um vestido branco até os pés, um lenço branco nos cabelos castanhos e um chinelo branco. Ao seu lado direito está de mãos dadas com uma criança negra vestindo uma camisa branca e bermuda azul, cabelo curto castanho e descalço. Os dois estão virados de costas. Ao lado esquerdo da mulher há um cesto de roupa verde com linhas douradas. Há uma roupa branca jogada para fora do cesto. Ao lado do menino tem uma planta verde. No centro inferior há a logo em branco da Editora Todavia.
Em Salvar o Fogo, Itamar Vieira Jr. desmonta a história da sociedade brasileira em 300 páginas (Foto: Editora Todavia)

Itamar Vieira Júnior – Salvar o fogo

Em Salvar o fogo, Itamar Vieira Junior novamente nos apresenta uma história difícil de engolir e com muita verossimilhança em relação à sociedade brasileira. Contando as narrativas de uma família agricultora no interior da Bahia – que acaba sendo dividida pelas violências direcionadas aos familiares -, o autor nos oferece um processo de escrita muito arrebatador e necessário, evidenciando as inúmeras agressões da realidade brasileira. O livro, dessa maneira, acaba se tornando uma manifestação de denúncia contra as hostilidades que agridem exclusivamente às pessoas negras, indígenas, mulheres, crianças, pobres, agricultores e de religiões de matriz africana ou indígena. 

Em 320 páginas, Vieira Junior sintetiza, de forma adequada e avassaladora, a história desse Brasil invadido há 500 anos. Exaltando a natureza e seu poder, o romancista brinca com as palavras ao associar as passagens das personagens com os elementos naturais, trazendo um lirismo muito bonito e interessante de se pensar, já que a destruição da natureza reflete diretamente a destruição também da humanidade. Com isso, Moisés, Luzia, Alzira, Mundinho, entre outros, não serão as últimas personagens que denunciam essa realidade perversa e racista – assim como não foram as primeiras -, entretanto é certo que a prosa criada por Itamar traz consigo, não só dessa forma, mas uma das mais potentes no enredo, a denúncia através do resgate dos saberes ancestrais afro indígenas no combate à essa realidade da necropolítica. – Marcela Lavorato


Capa do livro Os perigos de fumar na cama. A capa tem um fundo azul claro.No topo, vemos as palavras “os perigos de fumar na cama” em uma letra cursiva estilizada em branco. Ao centro, há uma ilustração da cabeça de uma mulher com cabelos castanhos lisos e longos, pintada de vermelho, laranja e amarela, sendo segurada por uma mão com unhas longas que sai para fora do quadro. Na parte inferior central, vemos a palavra “Mariana Enriquez” em uma letra branca sem serifa. No canto inferior direito, vemos o logo da Intrínseca.
Os perigos de fumar na cama foi o tema do Clube do Livro do Persona em Outubro de 2023 (Foto: Intrínseca)

Mariana Enriquez – Os perigos de fumar na cama

Durante 12 contos de Horror, Mariana Enriquez faz de Os perigos de fumar na cama um pesadelo violento, impossível de ser digerido facilmente. Aqui, essa é justamente a intenção. Entre becos de uma Barcelona assombrada a ruas de uma Argentina que se lembra, a autora argentina trabalha o terror a partir do rotineiro, da barbaridade de pessoas contra elas e as próximas, e da memória de uma nação frente os horrores do passado.

A descritividade é bruta, o retrato pintado por Enriquez é visceral em um terror tão social quanto político. Os preconceitos são expostos com todas as palavras, sem disfarces, para mostrar que o aterrorizante acontece no dia a dia. Com uma dose de sobrenatural e fantasia, Os perigos de fumar na cama deixa a experiência ainda mais tensa com seus 12 finais em aberto, livres para a imaginação do leitor vagar solta. – Vitória Gomez


Capa do livro O Exorcista: Segredos e Devoção. A capa tem um fundo preto. Ao centro, ocupando quase toda a extensão vertical da capa, vemos o contorno de uma menina com cabelos longos. Os olhos dela estão verde, como se estivesse possúida, e um líquido verde sai de seu nariz. As mãos juntas da menina ficam em formato de um portão, onde, na parte inferior central, um homem de costas, vestindo um terno, chapéu e segurando uma maleta, entra. Ao redor dele, vemos o líquido verde. Abaixo dele, vemos as palavras “Darkside”.
Se a capa não te atrair, o interior vai (Foto: Darkside)

Mark Kermode – O Exorcista: Segredos e Devoção

Não se engane: O Exorcista: Segredos e Devoção não é uma reedição do livro original de 1971, tampouco do clássico O Exorcista, de 1973 (ou de qualquer uma de suas versões). Na verdade, a edição é uma obra comemorativa aos 50 anos do lendário filme do Horror, mostrando como a recepção do público ao lançamento e o contexto social dos Estados Unidos da década de 1970 o tornaram um fenômeno capaz de fazer pessoas desmaiarem nas salas de cinema.

No livro, Kermode, crítico cultural aficionado pelo romance de William Peter Blatty – que deu origem ao roteiro do longa-metragem homônimo -, revela os bastidores das gravações, os atritos entre Blatty e William Friedkin (diretor de O Exorcista) e como algumas das cenas mais memoráveis da Sétima Arte foram confeccionadas. Entrelaçando o imaginário popular às intenções da obra e do livro, O Exorcista: Segredos e Devoção compartilha segredos com os fãs de Horror, em uma experiência visual deslumbrante nas páginas tão famosas da Darkside. – Vitória Gomez


Capa do livro “Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível”, de Matthew Perry. A capa possui um fundo azul, e, à frente, há o ator Matthew Perry. Ele é branco, possui cabelos escuros, barba rala e olhos azuis. Veste uma camisa preta. No topo da página há o nome do autor e ator em letras brancas. Embaixo, está escrito “Best Seller N 1° do New York Times”. Ao lado do ator, há escrito “Prefácio de Lisa Kudow”, em branco, e, embaixo do ator há o título do livro, em brancas e grandes letras. Abaixo, está escrito “A autobiografia do astro de Friends”, e, ao lado, a logo da editora BestSeller
Matthew Perry foi encontrado morto no dia 28 de outubro de 2023 em sua casa, em Los Angeles (Foto: BestSeller)

Matthew Perry – Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível

A sentença “Eu devia estar morto” pode parecer muito forte para qualquer um que inicie Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível no escuro. A autobiografia do ator e escritor norte-americano conta de forma crua os altos e baixos de sua carreira e toda a sua trajetória, envolvendo momentos marcantes na infância, conquistas profissionais que um dia eram impensáveis, e o fundo do poço, onde ele se enxergou em vários momentos.

Não precisa ser fã de Friends para apreciar cada parágrafo do livro, que, ao mesmo tempo que parece uma confissão do artista, também soa como um diário extremamente íntimo. É claro que para quem viu Matthew crescer e evoluir com a sitcom, tudo se torna ainda mais pessoal: após seu trágico falecimento, Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível eterniza o legado inesquecível de Matthew Perry. – Amabile Zioli


Milly Lamcombe prova que nos resgatar é o ato mais poderoso que existe (Foto: Editora Planeta)

Milly Lamcobe – O ano em que morri em Nova York

Romance autobiográfico de Milly Lacombe, O Ano em que Morri em Nova York: Um romance sobre amar a si próprio trabalha com o conceito de morte em vida. No texto, a protagonista termina um relacionamento de mais de dez anos com sua esposa por conta de uma traição, descobre que a melhor amiga está com câncer de mama e retorna a uma versão que há muito não encarava em seu país de origem, o Brasil. Rodeada pelas migalhas deixadas por tudo que já foi inteiro, a jornada se torna ressuscitar em si. 

Batendo de frente com dores não vistas antes, o momento é doloroso e cheio de dúvidas, mas essenciais para que a personagem, que representa a própria Lacombe, adentre o seu interior e redescubra quem ela é, independente de suas relações, trabalho ou demais definições. As 256 páginas são um verdadeiro liquidificador emocional, tudo gira o tempo todo e não dá espaço para monotonia, afinal, se trata de uma trajetória linear. Assim, a obra deixa reflexões sobre nós mesmos e como deixamos nossa principal prioridade de lado: o eu. – Jamily Rigonatto


“Sobretudo no início, Regan por vezes tentava identificar o momento em que as trajetórias deles se encaminharam para uma colisão inevitável.” (Foto: Intrínseca)

Olivie Blake – Nós dois sozinhos no éter

Sob o pseudônimo de Olivie Blake, Alexene Farol Follmuth presenteia o público jovem adulto com Nós dois sozinhos no Éter. O texto conta a história de Aldo Damiani e Charlotte Regan, duas personalidades opostas que no magnetismo de sentir não conseguem mais se afastar. Apesar de, à primeira vista, soar como um grande clichê enemies to lovers, a obra é muito mais que isso. 

Em 336 páginas, Blake se dispõe a uma missão: desenvolver cada faceta dos personagens. Assim, conseguimos entender seus bastidores para nos apaixonarmos pelo relacionamento. Trabalhando com traumas, questões psicológicas e familiares, a obra traduzida por Carlos César da Silva mostra tudo em corações desarmados. O doce de Nós dois sozinhos no Éter vive na complexidade de testemunhar ruínas individuais compartilhando uma mesma construção. – Jamily Rigonatto


 Capa do livro O que sobra de Príncipe Harry. A arte de capa é uma fotografia de Harry, um homem branco de cabelos ruivos e olhos claros. A câmera o captura a partir dos ombros enquanto ele olha diretamente para a lente. O fundo é branco e pouco aparece, já que a face dele ocupa o maior espaço. Na parte superior está escrito em letras garrafais brancas “PRÍNCIPE HARRY” e, na parte inferior, da mesma forma está o título do livro “O QUE SOBRA”.
O que sobra foi traduzido para o português por Cássio de Arantes Leite, Débora Landsberg, Denise Bottmann e Renato Marques (Foto: Objetiva)

Príncipe Harry – O que sobra

Vazamentos e declarações polêmicas frente a um contexto nada favorável para a monarquia britânica culminam em O que sobra, a autobiografia do Príncipe Harry. Acostumado a estampar os tabloides mais sensacionalistas no começo do século, o livro que traz a perspectiva do ‘patinho feio’ é, possivelmente, o último ato culturalmente relevante de algum membro da Família Real; fadada ao enfraquecimento gradual devido a perda de apoio popular a cada ano. 

Não há nada tão humano quanto simpatizar com aquele que consideramos ser o injustiçado da história e, na mesma medida, a satisfação em assisti-lo fazer a sua justiça é extremamente prazerosa. A narrativa de O que sobra se encaixa perfeitamente nesse cenário, afinal, ainda que Príncipe Harry não seja, de fato, um pobre menino largado à sorte pelo mundo, até as passagens mais fúteis de sua trajetória são escritas muito bem, facilmente transitando pelo gênero de autoajuda. 

A autobiografia chegou às livrarias já com um certo cansaço por parte do público, irritado com as centenas de declarações espalhadas pelas redes sociais ou que já não aguentava mais ouvir falar sobre Harry e Meghan Markle, dado que a série documental do casal havia estreado há poucas semanas. Embora falhe em alguns sentidos, O que sobra apresenta uma linha de raciocínio que cativa fácil, sendo um dos retratos mais importantes dos últimos anos. – Nathalia Tetzner


“Minha Pollyana se antena e joga o jogo do Contente, pois sempre existe um lado bom” (Foto: Globo Livros)

Rita Lee – Outra Autobiografia

Perder Rita Lee em Maio de 2023 foi doloroso e deixou para os fãs a saudade de alguém insubstituível para a Música e para o mundo. No entanto, o lançamento de Rita Lee: Outra autobiografia alguns dias depois, na comemoração de Santa Rita de Cássia, chegou como um abraço caloroso. O texto trabalha os seus dois últimos anos de vida, mas não é nada melancólico. Cruel, irônico e verdadeiro seriam adjetivos melhores para definir, afinal, a Rainha do Rock nunca foi de chorar pitangas. 

Os desafios enfrentados pela cantora não ficam de lado do relato, são bastante fortes e cheios de detalhes. Ainda assim, somos capazes de sentir como a mulher que pelo amor roubaria os anéis de saturno estava pronta para lutar e lidar com tudo, consciente como alguém que teve uma vida extensa e muito bem resolvida. Rita não tinha autopiedade no coração e nos faz acreditar que realmente estava com sua missão cumprida quando partiu, e é claro, tudo isso com a personalidade única marcada a cada trecho. Ler Rita Lee: Outra autobiografia coloca o luto em segundo plano mesmo com a inevitável companhia da morte. – Jamily Rigonatto 


“Por que ele queria tomar um drink comigo?” (Foto: Companhia das Letras)

Tobias Carvalho – Quarto Aberto

Em lentes almodovarianas, talvez o primeiro romance do premiado Tobias Carvalho daria centro ao fato de seus personagens poderem ser descritos como gays a beira de um ataque nervos ou até mesmo ao labirinto da lei do desejo que, em suas diversas complexidades individuais e uns com os outros, são desafiados a atravessar. Mas longe de qualquer uma dessas descrições melodramáticas, Quarto Aberto partilha do um realismo que marca a escrita do autor e que, diferentemente dos contos de seu antecessor Visão Noturna e mais próximo do vencedor do prêmio Sesc de Literatura As Coisas, parte do ímpeto da ficcionalização de um determinado recorte da realidade de experiências de homens gays, sem que tal exercício comprometa a maestria literária de sua escrita.

Em um universo muito próprio da realidade íntima de seus personagens – homens gays que lidam com suas interioridades e suas próprias trajetórias ao mesmo tempo que habitam a cidade afora em aplicativos de sexo ou como drag queens – Carvalho constrói uma análise dos relacionamentos que distancia-se do usual em algo que poderia ser chamado de uma gay-lit; sem colocar como centro apenas a relação de seu protagonista com indecisões e triângulos e quadriláteros amorosos. – Enzo Caramori


Um traço até você abraça quem só quer amar (Foto: Intrínseca)

Olivia Pilar – Um traço até você

Apaixonante, Um traço até você de Olívia Pilar, trouxe para as jovens negras sáficas o que elas precisavam para se sentir representadas em um clichê que não ignora os desafios do contexto social. Protagonizada por Lina, a narrativa detalha os choques de uma menina que sempre viveu com privilégios financeiros ao se deparar com um contexto racista que a impede de ocupar todos os lugares em nome da discrimação.

Em meio a autodescoberta, que já seria suficiente para construir uma obra completa, surge Elza. O relacionamento entre as personagens é doce e inspirador, mas, principalmente, essencial para a evolução e crescimento das duas, que se ensinam, compreendem e crescem juntas. O ritmo gradual faz com que tudo se encaixe e, ao final, tenhamos uma Lina mais forte e rodeada por maturidade. Em suma, a cumplicidade de amar em Um traço até você é muito maior que as borboletas no estômago. – Jamily Rigonatto


Capa do livro Amêndoas, de Won-pyung Sohn. Nela, vemos uma ilustração em tons pastéis de um menino em frente a uma loja. A loja, que é azul, se encontra no primeiro andar de um sobrado, e possui um grande letreiro rosa com uma palavra escrita em coreano. Em cima do letreiro tem uma espécie de tenda nas cores vermelho e branco em listras verticais e, acima, uma unidade externa cinza de um ar-condicionado. As paredes do sobrado parecem ser de azulejo marrom e, do lado esquerdo, há uma escada com degraus cor-de-rosa que permitem o acesso ao segundo andar. Na frente da loja, há uma planta em um vaso marrom. O menino veste uma camiseta de manga comprida preta e uma calça marrom. Na parte inferior da capa, há uma faixa rosa onde encontra-se o título do livro do lado direito, com o nome da autora em baixo, ambos na cor azul turquesa, e o nome da editora do lado inferior esquerdo, na cor branca
Lançado em Março de 2023 no Brasil, Amêndoas se popularizou graças à indicação de um dos membros da banda coreana BTS (Foto: Rocco)

Won-pyung Sohn – Amêndoas

Amêndoas, livro de estreia da diretora e romancista sul-coreana Won-pyung Sohn, conta a história de Yunjae, um jovem que possui uma condição neurológica chamada alexitimia. Suas amígdalas cerebelosas – chamadas de ‘amêndoas’ pelo protagonista por conta da semelhança física entre elas – são subdesenvolvidas e, por isso, ele é incapaz de identificar e expressar sentimentos.

Com capítulos curtos, uma história diferente daquelas que geralmente são oferecidas e uma linguagem simples, é difícil deixar a leitura de lado. A obra explora a adolescência, o significado das emoções, a diversidade da vida e da trajetória de cada um, mas seu foco principal é a importância de criar laços. Amêndoas é um coming of age extremamente sensível, que destaca como o amor é capaz de fazer “de alguém um ser humano, assim como o que faz de alguém um monstro”, como descreve a autora. – Raquel Freire

 

 

 

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