Como forma de condensar a longa e complexa cobertura do Oscar 2022, o Persona decidiu reunir os 15 curtas em um único post, enxugando as informações e entregando a seus leitores uma experiência de imersão dentre a vasta gama de alcance dos títulos reconhecidos pela 94ª edição da cerimônia. Abaixo, você confere comentários, curiosidades, opiniões e contextualização a respeito das 5 animações, 5 live actions e 5 documentários que a Academia prestigiou.
No entanto, chega a ser ridículo falar sobre o prestígio da organização que, na decisão imprudente e motivada pela emissora ABC, determinou que oito das vinte e três categorias não seriam reveladas e exibidas ao vivo. Se nem a Academia se importa com o Oscar, por que deveríamos nós? Simples: pela qualidade do Cinema, pela oportunidade de premiar profissionais talentosos e, por fim, pela esperança de dias melhores.
Ano passado, as vitórias de Se Algo Acontecer… Te Amo, Dois Estranhos e Colette mostraram a força da Arte em forma de curta-metragem. Os discursos, recheados de emoção e um senso palpável de reconhecimento e alívio, tocaram em temas como armamento, violência policial, racismo e a luta antinazista. Em 2022, ainda não se sabe como serão transmitidos os recortes de agradecimentos, privados de serem experienciados na íntegra. Por enquanto, aprecie e assista as produções concorrentes, dê valor ao que a Academia insiste em renegar como “menor”, e boa leitura.
Melhor Curta-Metragem de Animação
A Sabiá Sabiazinha (Robin Robin)
Em um belo dia, o ovo de uma sábia mãe cai do ninho e rola ladeira abaixo, indo parar no lar de ratos do campo. Lá, nasce a pequena Sabiá, ou Robin, que logo toma os jeitos da família adotiva e desata a se comportar com uma pequena roedora. Esse é o ponto de partida do curta animado dirigido por Dan Ojari e Michael Please, e escrito pela dupla ao lado de Sam Morrison. Original e disponível no catálogo da Netflix, Robin Robin chega ao Oscar 2022 como favorito, um ano depois da vitória de Se Algo Acontecer… Te Amo, representando do Tudum.
A pegada intimista do filme, que se estende para além de curtos e preciosos trinta e dois minutos, é o que encanta. Os personagens são criados como bonecos de lã e agulha, tem textura de algodão e conversam com a calma que os animais de fábula o faziam nos primórdios do Cinema. Quem dubla a protagonista é uma afetuosa Bronte Carmichael, que tem a companhia do sempre formidável Richard E. Grant e o antagonismo da barra pesada Gillian Anderson, que aqui empresta sua voz para a Gata. Com material suficiente para sustentar um longa-metragem, as desventuras da Sabiá Sabiazinha brilham inocentes na disputa pela estatueta. – Vitor Evangelista
Affairs of the Art
“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. A icônica frase inicial de Anna Kariênina (1878), de Liev Tolstói, pode muito bem diagnosticar o que acontece com a família de Beryl (Menna Trussler), embora a única personagem realmente infeliz pareça ser justamente ela, a protagonista. Indicado ao Oscar 2022 na categoria Melhor Curta-Metragem de Animação, Affairs of the Art (2021) desenrola-se, ao longo de seus 16 minutos, através da fascinante vontade de Beryl em se tornar uma artista, ofuscada por outras questões familiares. Na pequena história animada, acompanhamos o entorno da personagem principal, junto a sua narração, de forma a compreender as razões pelas quais foi obrigada a deixar de lado seu sonho e conformar-se (somente no início) com um emprego na fábrica próxima a sua casa.
No mundo real, a personagem é antiga, e sua história vem sendo retratada pela ilustradora e diretora Joanna Quinn há mais de 30 anos; Girls Night Out, Body Beautiful (1987) é o primeiro filme em que Beryl foi apresentada ao público. À época, foi o trabalho de conclusão de curso de Quinn. Posteriormente, outros 3 pequenos filmes deram vida à personagem; todos – incluindo este Affairs of the Art – foram ilustrados à mão e animados em 2D. Mas a graça do curta consiste na relação forte que a personagem principal, uma mulher da classe trabalhadora britânica, estabelece com a arte, pois, enquanto nos narra a história da sua família e rememora o passado, cria ilustrações – às vezes está desenhando o marido, às vezes pintando a si mesma.
É interessante lembrar que o contexto em que a personagem surgiu, no fim dos anos 1980 na Inglaterra – sob o governo de Margaret Thatcher –, representa muito sobre suas incertezas, visto que ela deriva da classe operária cujas possibilidades de futuro foram anuladas pelo slogan T.I.N.A. (There Is No Alternative; em português, Não Há Alternativa). Em 2022, a diretora Joanna Quinn concorre pela primeira vez a um Oscar, mas as histórias anteriores sobre Beryl venceram o BAFTA 4 vezes. O curta também recebeu o Prêmio de Distinção do Júri no Festival de Cinema de Animação de Annecy (considerado o mais prestigioso prêmio de animações do mundo), em 2021. – Bruno Andrade
Bestia
Inquietante e perturbador são as palavras que definem Bestia. O curta-metragem, dirigido por Hugo Covarrubias, e roteirizado por ele junto de Martín Erazo, inspira-se em eventos reais de uma agente secreta da ditadura militar chilena. A agente em questão é Íngrid Olderöck, que, durante o regime de Pinochet, foi responsável por torturas e violações de direitos humanos dos presos políticos, inclusive usando seu cachorro para tal. O curta, um dos favoritos para levar o Oscar 2022 de Melhor Curta-Metragem de Animação, retrata a memória coletiva do período e a figura da agente através de um suspense.
A técnica stop-motion, com a personagem animada na aparência de uma bizarra boneca de porcelana, soma-se à trilha sonora tensa, responsabilidade de Ángela Acuña, e tornam os 16 minutos de A Fera ainda mais sombrios e intensos. O filme, ao invés de se ater a fatos históricos tirados de relatórios oficiais da ditadura, opta por construir o cotidiano monótono da torturadora, com destaque para sua vida pacata, suas assombrações e medos, e sua relação com seu cachorro. As atrocidades cometidas pela personagem aparecem em vislumbres e tornam Bestia enigmático, ao mesmo tempo que, dada sua devida contextualização, pesado. – Vitória Lopes Gomez
Boxballet
Quão brutal é o balé? Qual doce é o boxe? Qual a intersecção dessas manifestações corporais? O russo Boxballet não responde nenhuma dessas questões, mas ao longo de quinze minutos desprovidos de falas mas recheados de deleite visual, o filme passeia pela linha-fina entre as dores de cada modalidade. Na história, um lutador chamado Evgeny, brutamontes metido a mal-humorado, salva o gato da bailarina Oly, uma mulher esguia e timidamente adorável.
Eles sentem uma atração quase que instantânea um pelo outro, ao passo em que a direção de Anton Dyakov cria paralelos em câmera e em texto a respeito da proximidade desses dois personagens tão distantes no papel. A graça de Boxballet é observar o traço cartunesco e geométrico digladiar-se em nossa frente, seja nos socos levados pelo homem, seja nas piruetas rodadas pela mulher. – Vitor Evangelista
The Windshield Wiper
“O que é o amor?”, pergunta-se a Arte há milhares de anos. Dentre todos os estudos que surgem no Cinema, na Música, na Literatura e em todas as outras expressões artísticas, a questão se encaixa de maneira contundente no Oscar 2022 através de The Windshield Wiper, o trabalho mais recente do diretor espanhol Alberto Mielgo. Com estreia na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2021, a produção hispano-americana tem como único objetivo analisar uma das perguntas mais antigas da humanidade através de fragmentos de histórias cotidianas em apenas 15 minutos.
E a palavra é realmente observar, já que o curta não se preocupa em perseguir o objetivo invencível de responder à questão. Numa identidade visual que só parece inconsistente, o filme se vale das formas – em todos os sentidos da palavra – para retratar seu objeto. Seja nos “comos” em que o amor se expressa, nos “ondes” ou nos “porques”. O prestígio e ousadia do diretor, já consolidado no campo das animações, consegue surpreender mesmo em uma história naturalmente subjetiva. A sua maior missão, no entanto, já foi concluída: nos mostrar que o amor é tudo e está em todo o lugar. – Raquel Dutra
Melhor Curta-Metragem em Live Action
Ala Kachuu – Take and Run
A introdução de Ala Kachuu – Take and Run é a apresentação perfeita para a história do filme de Maria Brendle. Ao mostrar uma garota correndo de forma a sugerir uma fuga quando, na verdade, ela está apenas brincando com a sua irmã, é provavelmente a cena mais poderosa do curta, que mostra em sua história o terrível amadurecimento forçado ao qual centenas de milhares de meninas são submetidas pelas culturas mais conservadoras do mundo. A vítima aqui é Sezim (na poderosa Alina Turdumamatova), uma jovem recém-formada na escola que sonha em continuar seus estudos e viver de forma independente bem longe do interior, onde sua família e comunidade a querem manter num casamento arranjado.
Apesar do desenvolvimento simples, o filme mantém um ritmo de suspense à medida que avança nas demonstrações de coragem de Sezim pelo seu futuro. Entre fugas bem-sucedidas e outras não tanto assim, a protagonista não cede à sua própria vida, alimentando os 38 minutos do curta e transformando sua atmosfera em seus momentos mais dramáticos. Ao colocar em foco o contexto patriarcal que insiste em sufocar a vida de jovens garotas – e que não está tão distante de nós como pode parecer -, Ala Kachuu – Take and Run assume, sem dúvidas, uma posição de destaque dentre os curtas do Oscar 2022. – Raquel Dutra
On My Mind
Usar a arte como forma de terapia não é algo novo no pedaço. Por isso, quando o diretor Martin Strange-Hansen, que já venceu essa categoria da Academia vinte anos atrás, perdeu sua filha, a decisão de transformar o luto em Cinema foi uma decisão interessante na carreira. O filme em questão, chamado On My Mind e produzido por ele ao lado de Kim Magnusson, faz uso de apenas dezoito minutos para retratar a alma de alguém que há muito foi roubado do brilho dos olhos.
Na história, Henrik (Rasmus Hammerich) deseja cantar uma canção no karaokê do bar e ser gravado enquanto solta a voz. Empecilhos nascem, soluções entram na frente e o roteiro, também assinado pelo realizador dinamarquês, não se importa em mostrar as cartas de primeira. Pela força de vontade do homem e pela resiliência de chegar ao fim da faixa, o breve relato de morte acaba eternizando com simpatia seu amor por alguém que já partiu. – Vitor Evangelista
Please Hold
Please Hold (2020) se desenrola em um futuro distópico, no qual Mateo Torres (Erick Lopez) é preso por um drone policial, sem saber por qual acusação. O aparelho do sistema evoca sua sentença e o obriga a ir para a delegacia. Nessa trama kafkiana, o personagem não consegue ter acesso a nenhum “ser humano de verdade” – algo que ele implora para conseguir explicar sua situação –, e é encarcerado sem contato com qualquer indivíduo que possa trazer esclarecimentos. Na cela, há uma televisão interativa, com um sistema de inteligência artificial que responde (parcialmente) às perguntas de Torres, e após indagar sobre a possibilidade de um advogado, é transferido para uma página com anúncios em vídeo dos representantes da lei, em um estilo meio político, meio vendedores de carro, que tentam convencer os presos a comprarem seus serviços.
Como se pôde perceber, muitas coisas acontecem em um período curto de tempo; afinal, trata-se de um filme de 18 minutos. De todo modo, a diretora e roteirista de origem mexicana Kristen “K.D.” Dávila amarra tudo muito bem, e passa sua crítica de forma pertinente e perspicaz, pois, mesmo sem explicações iniciais, conseguimos entender o que está acontecendo: Mateo Torres é um imigrante latino, e foi confundido pelo sistema de reconhecimento facial com o verdadeiro culpado pelo crime que nem ele e nem nós ficamos sabendo qual foi. Além de Torres ficar distante de qualquer interação humana, ele arca com todos os custos prisionais (para fazer ligações, para comer), cujo pagamento é debitado diretamente de sua conta bancária. Por essa razão, o trabalho se torna obrigatório dentro da cela, onde ele passa a fazer crochê para uma empresa privada, que o paga em centavos.
Ao estilo Black Mirror, o curta traz ressonâncias reais bastante reflexivas, e, mesmo com cenas que apontam desfechos previsíveis, Please Hold não assustaria se levasse o Oscar de Melhor Curta-Metragem em Live Action, justamente pela contundência de sua crítica social. Tudo se torna pior quando lembramos do livro Algoritmos de Destruição em Massa (2021), da cientista de dados Cathy O’Neil, no qual denuncia, entre outros temas, justamente a maneira racista que os algoritmos têm funcionado, pois se retroalimentam da base de dados que os dá vida, replicando ideologias. Por fim, quando ficção e realidade se cruzam de forma tão contundente quanto em Please Hold, o resultado é quase sempre certeiro. – Bruno Andrade
The Dress
Quando Julka (Anna Dzieduszycka) captura o olhar de Bogdan (Szymon Piotr Warszawski), ela espera uma escapatória para seus dias solitários. No curta-metragem The Dress, a personagem principal é uma camareira com nanismo, que tem de conviver com os constantes comentários ofensivos dos hóspedes do motel em que trabalha. Até que um dia, um caminhoneiro hospedado por lá chama sua atenção – e é recíproco – e os dois combinam de se encontrar dali a quatro dias. É partindo de uma premissa simples que o filme se aprofunda nas angústias de sua protagonista.
Sukienka, no título original, trabalha a solidão de sua personagem principal, que tem poucos amigos e revela não ter tido relações românticas antes, através dos dias pacatos. Já quando Julka se interessa pelo hóspede, o curta explora as expectativas dela, suas angústias e receios (com si mesma e com outra pessoa), e sua vontade de ser amada de forma sutil. Nisso, a estrela Anna Dzieduszycka tem papel fundamental e transparece os sentimentos de sua personagem. The Dress, porém, opta por uma reviravolta que foge da mensagem positiva e acolhedora que vinha construindo, e deixa um gosto amargo quando se encerra. – Vitória Lopes Gomez
The Long Goodbye
Embora os primos estejam discutindo entre as arrumações para uma celebração e a cozinha seja pequena demais para o número de cozinheiros, tudo parece bem na casa de uma família inglesa de origem paquistanesa. A TV, em volume alto, mostra casos de violência, e não demora muito para que o diretor Aneil Karia transporte a autoridade da telinha para a porta da frente, neste curta vencedor do BIFA, o BAFTA do Cinema independente.
Quando percebe o que está tomando parte, Riz (Riz Ahmed) tenta mobilizar os familiares e proteger aqueles que ama, mas é tarde demais. Os vizinhos assistem em silêncio um grupo autoritário raptar as mulheres e crianças e ajoelhar os homens no meio-fio. Um a um, eles são exterminados; um a um, suas vozes são silenciadas. Prestes a seguir o destino de seus semelhantes, Riz pausa a execução, mira na câmera, e recita versos de um manifesto em formato de rap discursivo, relatando os perigos de se viver como imigrante em um país extremista e racista. A obviedade das falas ensurdece qualquer motivação genuína que venha na concepção da obra, tornando o filme uma peça política que engasga a Arte, sem sucesso. – Vitor Evangelista
Melhor Documentário em Curta-Metragem
Audible
Disponível no catálogo da Netflix, o curta-metragem documental Audible acompanha um grupo de estudantes da Escola para Surdos de Maryland. Nosso protagonista é Amaree McKenstry-Hall, um jovem à beira dos 18 anos que, além de ser peça fundamental do time de futebol americano do colégio, navega por um romance com uma colega de classe e ainda lida com a morte do amigo próximo, que se suicidou há pouco tempo.
Entre a casa de Amaree (ele é a única pessoa surda da família), passando pelos corredores do high school, o campo de futebol e a igreja onde o pai, que esteve longe do garoto em seus anos formativos, a direção de Matthew Ogens consegue capturar as minúcias de um elenco rico em histórias e em sensibilidade. No ano em que No Ritmo do Coração voa alto na onda da aclamação, é de bom grado assistir a um curta protagonizado por pessoas surdas, mostrando que as mudanças na indústria não parecem ser passageiras. – Vitor Evangelista
Onde Eu Moro (Lead Me Home)
A ótica de Onde Eu Moro persegue metrópoles por uma razão muito importante: observar a maior crise humanitária da costa oeste dos Estados Unidos, que é oriunda de um problema social de moradia encontrado em vários outros lugares do mundo. O contexto da maior potência do planeta, no entanto, é singular, e falar de desigualdade social e distribuição de renda no centro do capitalismo se transforma em uma discussão muito maior do que qualquer delimitação territorial. Mas apesar de entender essa perspectiva, o filme dirigido pelo brasileiro Pedro Kos e pelo estadunidense Jon Shenk nunca a compreende de fato.
Valendo-se de uma estrutura documental tradicional – e muito óbvia – , o curta explora a imagem de pessoas em situação de rua, que ali, se transformam em personagens abusados, violentados, desamparados e abandonados. Com qual finalidade? Muitas, mas nenhuma delas envolve analisar de fato o problema – o que acaba, na verdade, deixando seus motivos bem claros. Os contextos retratados em Onde Eu Moro podem até estar preocupados com as evidências do problema, mas não em solucionar a sua raiz. E de alguma forma, isso o faz estar no lugar certo dentre as indicações da Academia que conhecemos. – Raquel Dutra
The Queen of Basketball
Lusia Harris não é um nome internacionalmente famoso. É para isso que vem The Queen of Basketball, curta-metragem do jornal estadunidense The New York Times como parte da série de documentários Op-Docs e Almost Famous, que retrata personalidades notáveis, mas que não chegaram a atingir a fama. Harris é uma das pioneiras do basquete feminino, liderou três vitórias consecutivas de seu time no campeonato nacional norte-americano, sendo a única integrante negra da equipe, foi medalhista olímpica e a primeira e única mulher oficialmente convocada pela NBA, maior e mais importante liga dos Estados Unidos. Ainda assim, seu nome pouquíssimo é conhecido até pelas pessoas envolvidas com o esporte.
No filme, indicado ao Oscar 2022 como Melhor Documentário em Curta-Metragem, Lusia Harris, que faleceu no começo do ano, é colocada frente a câmera para contar sua própria trajetória. Durante os 22 minutos, os depoimentos dela são misturados a recortes de notícias e de gravações de jogos e entrevistas da época, no que a montagem de Stephanie Owens e Ben Proudfoot se destaca. The Queen of Basketball luta contra o apagamento da história da Rainha do Basquete, e venceu em Melhor Curta-Metragem Documental no Critics Choice Documentary Awards, chegando com reconhecimento ao Oscar. – Vitória Lopes Gomez
Três Canções Para Benazir (Three Songs for Benazir)
Para além das costumeiras histórias de guerras e tragédias que são contadas sobre os países não-ocidentais nos cinemas pelo mundo, Três Canções Para Benazir se dedica a registrar uma narrativa sobre amor. Em seu país natal, o diretor afegão Gulistan Mirzaei e sua companheira Elizabeth Mirzaei escolhem retratar em 22 minutos de tela a vida de Shaista Khan e Benazir Khan, marcada pela incerteza de existir em um lugar cujo sentimento de identificação é tão profundo quanto o de insegurança.
Sem precisar de muito, o trabalho próximo e sensível dos diretores constrói um filme indescritivelmente singelo. Em cenas cotidianas, assistimos um contexto do interior do Afeganistão através das tentativas de construção de vida de um jovem casal que conserva seus sonhos à mesma medida que contorna seus infortúnios. Assim, Três Canções Para Benazir se consolida como uma das composições mais belas da seleção de indicados ao Oscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem de 2022. – Raquel Dutra
When We Were Bullies
Em When We Were Bullies (2021), trabalho multifacetado e biográfico do documentarista experimental Jay Rosenblatt, o acaso se mistura às memórias dolorosas de um episódio de bullying, ocorrido há mais de 50 anos. Diferentemente do que se possa imaginar, o curta de 36 minutos se desenvolve através do lado dos agressores, que à época eram apenas crianças sem perspectiva motivadas por um efeito manada. Conforme vamos descobrindo mais sobre o caso – o diretor entrevista, próximo ao final do filme, uma ex-professora com mais de 90 anos –, percebemos a dimensão que a violência causou em todos os envolvidos.
O fio da memória foi puxado em 1992, quando Rosenblatt estava desenvolvendo um outro curta-metragem, The Smell of Burning Ants (1994). Procurando um dublador para o filme, ele encontrou Richard Silberg, um colega de classe na quinta série da escola primária. Além dessas coincidências iniciais, ambos foram marcados pelo episódio específico de violência, no qual a sala, coletivamente, agrediu um outro aluno, também chamado Richard. Sobre esse fato, When We Were Bullies se propõe a encontrar uma resposta.
Visualmente, a história é contada de forma simples. Há uma colagem de imagens de época – um dos truques favoritos do diretor –, com pequenos vídeos de registro e fotos institucionais, intercalados com os depoimentos. A nostalgia propiciada pelo filme se perde em meios ao sentimentalismo inconclusivo, pois, embora seja a tentativa de interpretação de um comportamento que, à época, pareceu espontâneo, o curta também se perde na mesma distância que separa o ocorrido do presente. Essa visão assombrológica do passado não oferece possibilidade de resolução, tornando o filme apenas uma versão de memórias gravadas, que tem seu impacto destrutivo amortecido pelo efeito do tempo. Paira a sensação de que o diretor queria se sentir bem de novo em relação ao passado, colocando-se em pé de igualdade com a verdadeira vítima. Isso se reflete na conclusão do filme, que parece apontar para uma redenção, embora não dê o devido espaço para o agredido. – Bruno Andrade