Os 7 de Chicago: quem tem medo da revolução?

A imagem mostra uma das cenas de protestos do filme. Nela, há uma multidão de ativistas em pé, encarando o horizonte assustados. À frente dessa multidão, vemos, da esquerda para a direita, os personagens Rennie Davis, Jerry Rubin, David Dellinger e Abbie Hoffman.
A produção que marca o retorno de Aaron Sorkin na direção é um testemunho sobre a importância do ativismo social (Foto: Reprodução)

Vitória Silva

Nenhuma mudança é feita sem luta social. Em 1789, a população de Paris se organizou para a tomada revolucionária da Bastilha, que marcaria o fim do Antigo Regime na França. Tempos depois, em 2010, o Oriente Médio e a região norte da África foram recepcionados por uma série de revoltas populares contra regimes ditatoriais no que ficou conhecido como Primavera Árabe

Algo não muito destoante ocorreu na cidade de Chicago, em 1968. Ao passo que a Guerra do Vietnã se desenrolava do outro lado do Oceano Pacífico, diversos grupos contrários ao conflito se reuniram em um protesto na cidade, onde acontecia a Convenção Nacional Democrata. Após uma série de tumultos e conflitos com a polícia, os líderes da manifestação tiveram que responder judicialmente. E é aí que a trama de Os 7 de Chicago se inicia.

Com uma abertura veloz que mescla cenas da ficção com a realidade, a fim de ambientar o público no contexto político da época, a produção não se preocupa em dar muitos detalhes sobre o desdobrar dos protestos, e se inicia no primeiro dia do julgamento do caso. No tribunal, e diferente do que o título indica, existem 8 acusados: Tom Hayden (Eddie Redmayne), Rennie Davis (Alex Sharp), Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong), David Dellinger (John Carroll Lynch), John Froines (Danny Flaherty), Lee Weiner (Noah Robbins) e Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II). 

A imagem é uma fotografia dos verdadeiro Sete de Chicago e seus dois advogados. Na imagem, eles estão posicionados em fileira se abraçando, alguns deles estão com os punhos levantados, em sinal de vitória.
Os verdadeiros 7 de Chicago e seus advogados, da esquerda para a direita: Leonard Weinglass, Rennie Davis, Abbie Hoffman, Lee Weiner, David Dellinger, John Froines, Jerry Rubin, Tom Hayden, e William Kunstler (Foto: Reprodução)

Bobby Seale, cofundador do Partido dos Panteras Negras, é o “intruso” em cena e o único réu a entrar algemado no tribunal. Mesmo sem um advogado apto a defendê-lo, o ativista se recusa firmemente, desde o início, a ser representado pelo mesmo dos outros 7, William Kunstler (Mark Rylance), por ele ser um homem branco. Essa decisão rende uma série de ataques violentos do repugnante juiz Julius Hoffman, interpretado com destreza por Frank Langella, que culmina até mesmo em uma cena de tortura agonizante. 

A presença do grandioso Yahya Abdul, vencedor recente do Emmy por Watchmen, acaba por ser breve, já que seu personagem é anulado do caso. Poderia se dizer que é um desperdício não aproveitar mais de sua atuação, se o diretor não tivesse buscado seguir quase que à risca os acontecimentos da realidade. Ainda sim, não mostrar o envolvimento de Seale nos protestos, como é feito com os demais ativistas, é uma lacuna que acaba sendo sentida por quem acompanha o filme. 

A imagem é uma fotografia do personagem Bobby Seale, interpretado pelo ator Yahya Abdul-Mateen II. Na imagem, Yahya está sentado em uma cadeira no tribunal, na mesa em que o réu se posiciona. Na imagem, o ator está sentado de lado e olha fixamente para a câmera. Yahya é um homem negro com cabelos crespos, sobrancelhas grossas e bigode. Ele veste uma camisa azul escura e calça social preta.
Felizmente, o diretor nos poupou de alguns fatos da realidade, como o amordaçamento de Bobby Seale, que no julgamento de verdade durou dias, e não minutos (Foto: Reprodução)

Narrativas ambientadas no meio judicial não são nenhuma novidade em Hollywood, muito menos na corrida do Oscar, mas há muito o que se inovar em relação à forma que elas são tratadas. O sucesso da série How To Get Away With Murder é um exemplo disso, ao criar uma história que sai das paredes do tribunal para a vida pessoal dos personagens, em paralelo com diversos assassinatos que os assombram. Mas Os 7 de Chicago opta por navegar em caminhos que se baseiam apenas no drama do próprio caso que está sendo julgado, algo muito similar ao percorrido pela produção Olhos Que Condenam, também da Netflix. Entre flashbacks e diálogos violentos, o diretor e roteirista Aaron Sorkin conduz com maestria esse drama histórico.

O que poderia ser um filme tomado pela morbidez e diálogos recheados de termos jurídicos, acaba por ser instigante até o último de seus 130 minutos. No tribunal, a dinâmica dos personagens ora provoca riso, pelas tiradas feitas pelos yippies, ora provoca desgosto, pela arrogância de Hoffman. A alternância para cenas arrepiantes dos protestos em paralelo com o julgamento é um tiro certeiro. Visualizar os momentos descritos pelo olhar dos protestantes ajuda a mostrar de que lado a lei está, e sempre esteve.

A imagem é uma fotografia dos bastidores da gravação do filme. Na imagem, vemos o cenário do tribunal. Nele, o diretor, Aaron Sorkin, está posicionado em frente à mesa do réu, conversando com os atores, que estão sentados em cadeiras do outro lado da mesa.
Em entrevista, Sorkin afirmou que Os 7 de Chicago é também uma “homenagem às pessoas que saem às ruas para protestar como as mais patrióticas entre todos nós” (Foto: Reprodução)

Por mais que a vida dos acusados não seja o grande foco, suas personalidades são essenciais para trazer as diferentes facetas da revolução. A dupla de yippies, Abbie e Jerry (o Borat e o Kendall de Succession), mostram o radicalismo; David, o pacifismo; enquanto Tom e Rennie, a isenção. A narrativa se diverte ao escancarar as contradições de cada posicionamento, quase que dizendo que não há uma maneira 100% correta de se lutar pelo que acredita. E, independente de suas posturas, o motivo pelo qual batalham acaba sendo o mesmo, logo, o destino de todos também é. 

Um filme que discute tanto sobre o teor revolucionário e suas consequências não poderia ter sido lançado em outro momento que não o período de eleições da maior potência mundial. Não o bastante, em um ano marcado por diversas questões políticas em meio à pandemia do novo coronavírus e protestos raciais. E The Trial of the Chicago 7 deixa como lembrança uma série de reflexões sobre a violência do Estado, abuso de poder, e a força do ativismo social. Afinal de contas, a revolução se faz batendo panela na varanda de casa? Ou ateando fogo em supermercados

A imagem é uma fotografia de uma das cenas do filme. Na imagem, vemos os personagens Abbie Hoffman, John Froines, Tom Hayden, Jerry Rubin e William Kunstler. Eles estão em uma sala com vários cartazes nas paredes, e uma mesa longa com várias cadeiras. Na cena, Tom e William estão conversando. Eles estão em pé, em lados opostos da mesa. Ao fundo, estão Abbie, John e Jerry observando os dois. John é o único que está sentado.
O elenco principal do filme concordou em competirem juntos e todos serem indicados para consideração ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Oscar 2021 (Foto: Reprodução)

Os 7 de Chicago tem a resposta para estes questionamento e muitos outros. Unido a um elenco de grandes nomes, Aaron Sorkin conseguiu dar o tom ideal para uma narrativa tão necessária para os tempos atuais, seja no roteiro ou na direção. Não será menos que o esperado vê-lo recebendo mais uma indicação no Oscar, que já o consagrou na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, em 2011, por A Rede Social.

Em uma realidade que políticos governam pelas redes sociais, é preciso lembrar como se faz a revolução, e quem a faz. Nenhuma mudança se inicia no sofá da sala. Mas enquanto houver desgovernança, haverá barulho. Enquanto minorias forem assassinadas, haverá conflito. Enquanto não houver justiça, haverá guerra. E o mundo inteiro está vendo.

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