Jho Brunhara
Criada em 2013 pela diretora, produtora e roteirista Jenji Kohan, a série que conta a história Piper Chapman (Taylor Schilling) chegou ao fim. Orange is the New Black estreou na plataforma de streaming Netflix com a premissa de ser uma comédia, porém também passou a carregar a importância como drama de denúncia social. Além de ter sido uma das séries responsáveis pelo aumento do interesse em serviços de streaming, foi a segunda série, logo depois de House of Cards, a disponibilizar todos os episódios da temporada de uma vez.
É impossível escrever esse texto sem spoilers e sem uma carga emocional – OITNB foi uma das primeiras séries que passei a acompanhar -, então leia consciente de que revelações do plot aparecerão. Ao longo de suas sete temporadas, Orange nos ensinou a lidar com despedidas, mas nunca negou o quão difícil elas são. Desde personagens amadas, como Poussey (Samira Wiley), até personagens odiadas ou que passaram a ser desprezadas pelos fãs, como o problemático Pornstache (Pablo Schreiber) e John Bennett (Matt McGorry, de How To Get Away With Murder). Agora, chega a hora de se despedir de toda a história.
A sétima e última temporada traz as detentas ainda na prisão de segurança máxima de Litchfield. Com enfoque em Piper – que foi libertada no fim da temporada anterior -, Alex (Laura Prepon), Taystee (Danielle Brooks), Daya (Dascha Polanco) e Blanca (Laura Gómez), os novos treze capítulos não esquecem também das outras personagens – como Red (Kate Mulgrew), Cindy (Adrienne C. Moore), Morello (Yael Stone) e Flaca (Jackie Cruz) -, e a série continua excelente em contar várias histórias ao mesmo tempo sem que elas se percam nas cenas. Exceto alguns problemas pontuais de montagem, a direção seguiu ótima como de costume. O quinto episódio foi dirigido por Laura Prepon e o nono por Natasha Lyonne, que dá vida a personagem Nicky.
O casal Piper Chapman e Alex Vause continua entediante em alguns momentos, mas a separação das duas agora que Piper está livre dá um respiro e entrega uma nova dinâmica. O maior problema é com Alex, que se envolve com a guarda McCullough (Emily Tarver) em um plot um pouco chato, mas extremamente necessário para o desenvolvimento da relação do casal. Apesar de todo o drama se continuariam juntas ou não, o final mostra que Chapman escolheu esperar por Vause. E foi a melhor decisão dos roteiristas, sendo completamente condizente com a trajetória das duas até aqui. Não é novidade para ninguém que por mais que tudo tenha se iniciado com a chegada de Piper em Litchfield, a série se tornou uma história construída por muitas protagonistas.
Natalie Figueroa (Alysia Reiner) e Joe Caputo (Nick Sandow) foram uma das maiores surpresas dos novos episódios. A química dos dois como casal é tão boa que em certos momentos é possível se esquecer que é apenas atuação. OITNB aproveitou a reta final e também abordou o assédio sexual no ambiente de trabalho, quando uma ex-guarda denuncia Caputo, mostrando que mesmo sendo um “homem bom”, assediadores precisam ser responsabilizados e sofrerem consequências. A jornada de Joe para entender que sua atitude foi problemática deixa claro como deveria ser simples para todos os homens reconhecerem comportamentos errados em relação as mulheres.
Tasha “Taystee” Jefferson é a verdadeira protagonista dessa temporada de Orange. Responsável pela rebelião na prisão de segurança mínima, carrega a representação da revolta pelo racismo estrutural no sistema carcerário, e é uma das personagens mais sóbrias e interessantes, além de ter um dos melhores arcos. Danielle é excepcional atuando, e rendeu alguns dos momentos mais comoventes dos episódios. Esperamos que o Emmy se lembre da performance da atriz.
Outros dois plots importantes para o desenvolvimento da temporada são o de Daya, que se tornou a chefona da prisão e passa a vender drogas com a ajuda de sua mãe Aleida (Elizabeth Rodriguez) – que havia sido libertada anteriormente. A dinâmica entre as duas personagens é extremamente interessante e retoma como Orange busca sempre na relação familiar as explicações para certos comportamentos. Enquanto os acontecimentos na máxima de Litchfield se desenrolam, Blanca e Maritza (Diane Guerrero) tentam não ser deportadas no centro de detenção devido a condição de ilegalidade no país.
A sétima temporada veio no tempo certo: em um momento do mundo em que os Estados Unidos mantém pessoas presas na fronteira sem banho ou camas esperando julgamento, mais uma vez a série cumpre seu propósito como denúncia social. O espectador sabe que o problema das prisões é real, mas devido ao tempo que se passou desde o primeiro contato com a série, de certa forma há uma normalização da questão. Mas toda a problemática da deportação, a forma com que os imigrantes ilegais são tratados, a negligência do governo americano: tudo isso é extremamente chocante a primeira vista. E continua chocante ao longo dos episódios.
Uma das despedidas mais tristes e injustas da série é de Maritza, que ao tentar ajudar as outras mulheres do centro é deportada quase que imediatamente para a Colômbia. Outra cena extremamente triste e preocupante é o julgamento das crianças, que têm que se defender sozinhas perante a um juiz independente de estarem conscientes de sua situação ou não. E o pior de tudo é que isso não é parte exclusiva da ficção, está acontecendo no mundo real.
Alguns outros pontos altos foram os dilemas da personagem Doggett (Taryn Manning), que teve um fim inesperado e impactante, provando mais uma vez como Orange é corajosa perante a tomada de decisões. A relação de Suzanne (Uzo Aduba) e uso das galinhas como uma analogia a prisão foi genial. A amizade de Tamika (Susan Heyward) e Taystee também representou cenas deliciosas de se assistir. A série que um dia já foi a mais assistida da Netflix continua entregando protagonismo feminino. Talvez com alguns leves tropeços, ainda é capaz de permitir que suas personagens contem sua própria história, sem que essas dependam de outros homens para evoluir. E mesmo que incluam figuras masculinas, se erguem mulheres fortes e completas.
Em um ano de finais duvidosos, Orange is the New Black encerra sua história de forma satisfatória. O sistema continua como o grande vilão, e apesar de tantas tentativas, talvez o racismo institucionalizado enfrentado continue tão intacto quanto estava na primeira temporada. Mas nada que decepcione, muito pelo contrário, essa sempre foi uma série corajosa e de consequências reais para seu mundo fictício. O maior e único problema é a lentidão em se contar os acontecimentos, ao longo dos treze episódios de uma hora. Poderiam ter utilizado de um plot paralelo nas prisões em que as outras detentas já conhecidas foram realocadas, mas agora o que está feito, está feito.
É hora de dizer adeus à Red, Nicky, Piper, Alex, Suzanne, Taystee, Morello, Cindy, Flaca, e até mesmo para a famosa galinha, entre tantas personagens importantes e icônicas. Mas isso não significa que nunca mais veremos esses rostos: as representantes das detentas de Litchfield agora seguem suas vidas no mundo real graças ao destaque que o universo da série permitiu. Natasha Lyonne indicada ao Emmy pela fantástica Boneca Russa, Uzo Aduba em nova série da FX, Samira Wiley em The Handmaid’s Tale, Danielle Brooks indicada ao Tony. E muito mais virá.
Orange is the New Black encontrou no mundo seu lugar como uma história incrível sobre criminosas, que antes de tudo também são humanas. Personagens que aprendemos a amar, que aprendemos a perdoar e que mostraram uma realidade que muitos de nós não conheciam. Uma última temporada longa, porém extremamente emocionante, e que foi capaz de lembrar o que fez uma legião de pessoas se apaixonar anos atrás. Algumas séries cumprem o papel de entretenimento, e outras um papel social, mas poucas fazem os dois. Orange está entre as poucas, e seu legado ficará para sempre no coração dos fãs.