Letícia Paviani
Bom, a primeira coisa que eu posso dizer de O Silêncio das Filhas, que foi traduzido por Léa Viveiros de Castro e lançado no Brasil em 2021 pela Editora Rocco, é que este é um livro duro. Duro. Difícil. Pesado. Mas é necessário. Por quê? Porque nos mostra até onde o fanatismo pode chegar nas mãos de homens sádicos.
Esse livro, se passa, aparentemente, em uma sociedade pós-apocalíptica, em que os homens e as mulheres têm funções bem claras: elas são serventes e submissas e eles, os provedores e detentores de todo o poder. Os homens fazem a Lei, viajam entre a ilha e as terras devastadas, sendo considerados deuses, principalmente os ancestrais. Os filhos do sexo masculino são recebidos com alegria, e as meninas com tristeza, regada a base de choro e dor – inclusive a falta de histeria é considerada afrontosa e desrespeitosa. As donas de casa que se opõem ao sistema desaparecem misteriosamente, esses sumiços são explicados por meio de óbitos por hemorragia.
As filhas não têm uma vida muito melhor, atuando mais ou menos como pequenas esposas, devendo servir aos seus pais. Sim. Você não leu errado. O dever de uma boa filha é sofrer abusos sexuais constantes e toda noite, até o seu verão de fruição, onde encontrará outro homem para abusá-la. Sim. Outro homem, enquanto ela mesma ainda é uma criança.
Todo esse código de conduta está descrito em um manual de conduta conhecido como Nosso Livro, que rege os princípios da ilha. Porém, algumas meninas começam a questioná-lo, em especial Janey Solomon, magra como uma folha de papel em sua tentativa de atrasar sua menstruação o máximo possível para não entrar no verão de fruição.
Janey Solomon promove uma pequena rebelião com outras garotas da ilha e também nos mostra que nem tudo está perdido. Pois seu próprio pai se recusa a seguir os princípios dos ancestrais, pois acha muito estranho essa forma de amor, que deveria ser reservada apenas a sua própria esposa.
Mas, por mal dos pecados, Janey não vai longe com sua rebelião, pois como forma de castigar a ilha, uma peste chega e extermina todas as mulheres grávidas e boa parte das crianças. E então, a vida volta ao normal, pois, afinal, a peste foi uma purgação por conta da desobediência das filhas.
Porém, o que mais chama a atenção no livro conforme a leitura avança, é que não se trata de uma sociedade pós-apocalíptica. Se trata, na verdade, de uma sociedade doente, que selecionou famílias para viver em uma ilha em que abuso sexual é comum e permitido, além de incentivado, pois das terras devastadas vem ferramentas comuns, antibióticos e livros. Inclusive novas pessoas que desejam adentrar no sistema.
Mas, meus caros leitores, não façam cara feia para este livro, pois ele é muito necessário para reconhecermos os sinais de um problema tão difícil e crescente na nossa sociedade: a desvalorização da mulher por meio do assédio moral e físico, que nos torna dependente de um sistema opressor que nos intoxica a cada dia com suas convenções ultrapassadas. Deste modo, a sororidade se torna um item essencial para o nosso empoderamento, e, assim, a libertação de nossos corpos e ideais.
Acabei de ler o livro, assim como você falou é um livro bastante difícil de ler, em algumas partes meu coração doeu tanto que precisei parar de ler, pois a raiva chega a consumir.
Mas é um livro muito necessário, pois ele mostra uma realidade que muitas pessoas não conhecem ou acreditam que não existe, tamanha crueldade.
Meu maior medo é saber que apesar de ser uma história fictícia não é de se duvidar que um lugar assim de fato exista, e isso é muito triste.