Thuani Barbosa
Dois jovens cowboys em um trabalho de verão nas montanhas, e nenhum dos dois poderia imaginar o quão alterado seriam seus destinos. O Segredo de Brokeback Mountain é o tipo de filme que surpreende o espectador a cada vez assistida, seja nas paisagens montanhosas que emanam a sensação de vastidão e plenitude, na singularidade de seus personagens, na interpretação impecável do elenco ou na explosão de emoções que chocam o peito de qualquer um.
Jack Twist (Jake Gyllenhaal) é falante, expressivo e amoroso, um personagem carente, que leva consigo a frustração de não viver o amor e expressar sua sexualidade da maneira que deseja. Ennis Del Mar (Heath Ledger), quieto e sensível, se mostra o tipo de personagem acalentador, o qual se acostuma com a quietude e aprende a entender o sentimentalismo, como Chiron de Moonlight: Sob a Luz do Luar. A semelhança é presente em vários vieses, ambos homens homossexuais, que cresceram sem a presença significativa dos pais e se tornaram homens silenciosos mas cheios de sentimentos, que enfrentam as dificuldades da vida praticamente sozinhos.
Após serem contratados para passarem uma temporada cuidando de ovelhas no alto da montanha Brokeback, Jack e Ennis, até então desconhecidos um pelo outro, precisam vivenciar seus dias juntos na isolada colina, criando uma convivência bruscamente rasa devido ao silêncio do loiro. Com o passar do tempo, a chegada do inverno os abate fortemente, fazendo com que, em uma noite gélida, Jack convide o outro para dormir em sua barraca. E é neste breve momento de “guarda baixa” que ambos se rendem à tensão sexual do ambiente e passam por uma noite de grande desejo e paixão.
Com o fim do trabalho, os rapazes se separam, dedicados a viverem vidas distintas. Assim, diante da impossibilidade de ficarem juntos, ambos se casam. Jack com Lureen (Anne Hathaway), filha de um grande empresário agropecuário, e Ennis com Alma, uma jovem do interior (Michelle Williams). Um com um filho, em uma família abastada no Texas, e o outro lidando com dificuldades financeiras com três crianças, eles vivem totalmente diferentes, mas com uma coisa em comum: a infelicidade.
Uma das sensações constantemente presentes no desenrolar dos 134 minutos de duração é o medo, demonstrado em momentos como, por exemplo, nas conversas sobre morarem juntos em um rancho isolado e nos beijos desesperados às escondidas. O estado de alerta para qualquer vislumbre de olhares desconhecidos chega a ser palpável e remete fortemente à homofobia da época. O medo pesa sobre Ennis quando ele descobre a maneira que Jack foi morto, mesmo que ouvindo uma explicação racional, ele só consegue imaginar seu parceiro sendo espancado. Fato que também fala muito sobre a produção e a maneira que a trama é rodeada de subjetividade, não só sentimentalmente, mas também na indução de ideias.
Além das inúmeras indicações a grandes prêmios, como Critics Choice Awards, BAFTA, Globo de Ouro e outros, o filme foi ganhador de três Oscars: Melhor Roteiro Adaptado, Direção e Trilha Sonora Original; três Globos de Ouro: Melhor Diretor, Roteiro de Cinema e Melhor Canção Original. E, para a surpresa do público de 2006, os atores principais foram premiados como o Melhor Beijo no MTV Movie Awards. Mesmo com tanto reconhecimento, o maior troféu que a obra deixou foi a atuação divina de Heath Ledger, sendo uma das últimas produções do ator antes de sua morte prematura.
O longa é um roteiro adaptado do conto que leva o mesmo nome, escrito por Annie Proulx. Os contos da autora sempre se passam no Wyoming, estado em que ela vive e que a inspira com suas paisagens rochosas. Imerso na cultura de cowboys americana, a produção exibe com afinco os rodeios, ranchos e danças countrys. Tal foco se deve ao brilhante diretor Ang Lee, já conhecido pela versatilidade de suas obras, horas dando vida a aventuras em alto mar e ao desconhecido, outras abordando a sensibilidade de um amor improvável, como em Projeto Gemini, Razão e Sensibilidade e As Aventuras de Pi, filme que lhe rendeu outro Oscar de Melhor Direção.
Lançado em 2005, em um momento da história em que a comunidade queer já tinha certos tópicos sendo trabalhados e alguns espaços no audiovisual, como o talk show da comediante Ellen Degeneres, mas a homossexualidade ainda era vista como uma imoralidade e um grande tabu, ao qual não se falava sobre. Alguns dos atores já chegaram a comentar não ter imaginado que a produção se tornaria tão grandiosa. Mas, graças ao enredo tão cativante e bem desenvolvido, a trama ganhou grande reconhecimento, o que, de uma certa forma, veio a dar credibilidade para a comunidade LGBTQIA +.
O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee e seu elenco tiveram que caminhar para que filmes como Ataque dos Cães pudessem correr e atingir brilhantemente o público que alcançam hoje. O longa se tornou o tipo de referência que as pessoas usam para citar o primeiro filme em que se viram representados por amar uma pessoa do mesmo gênero. A única tristeza que o enredo nos deixa é o viver sôfrego dos protagonistas, o pensamento incessante de que eles poderiam ter vivido felizes e se sentindo inteiramente amados nunca vai abandonar o fãs, principalmente aqueles que se emocionam com a emblemática e maravilhosa cena em que Jack confessa para Ennis: “às vezes sinto tanto a sua falta que mal consigo suportar”.
Mesmo com um final solitário e triste, não há quem não ame Brokeback Mountain. Deixando sua marca nas mentes e nos corações, é o tipo de filme do qual se termina em lágrimas (junto com o personagem). O longa deixa um grande questionamento acerca da homofobia no antigo Estados Unidos, focalizando no estilo de vida country, e, mesmo com tantos conflitos, consegue passar exatamente a sensação de estar apaixonado e não poder viver aquele amor em toda a sua profundidade.
O amor fervoroso, cruel e desesperado que este drama retrata não é encontrado em clichês românticos, portanto o espectador pode chorar com orgulho ao fim dos momentos indescritíveis proporcionados por essa esplendorosa criação. Sofre-se quando eles sofrem e alegra-se quando eles se alegram. Tudo isso na montanha Brokeback.