Gabriel Gatti
O confronto pelo papel de destaque em obras cinematográficas não é novidade. Porém, a inveja por sua irmã ter se destacado no cinema enquanto sua carreira declina pode contribuir para desavenças familiares profundas, como é o caso da trama de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?. Dirigido e produzido por Robert Aldrich, o filme contou com Bette Davis e Joan Crawford no elenco, duas atrizes largadas às traças por Hollywood, que retornavam às telonas para um thriller audacioso para seu ano de lançamento e icônico para a história do Cinema após 60 anos de sua estreia.
Inspirado no livro homônimo de Henry Farrell, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? foi surpreendente por ser um longa de baixo orçamento contando com Davis e Crawford, duas grandes estrelas da Old Hollywood. Apesar da fama das atrizes, após uma certa idade ambas foram descartadas pelos estúdios e viveram um período decadente de suas carreiras. Foi justamente nessa fase que as artistas estavam na pindaíba que a produção foi gravada, inovando os padrões da indústria cinematográfica.
A obra começa com a pequena Baby Jane Hudson (Julie Allred) se apresentando com a música I’ve Written a Letter to Daddy. As cenas da infância expõe a personagem como uma pessoa arrogante, metida e prepotente, que tem suas vontades atendidas pelo pai (Dave Willock). Em antítese, a personalidade dominadora da irmã, Blanche Hudson (Gina Gillespie), se apresenta como uma menina mais introspectiva, vivendo às sombras da sua familiar. Alguns anos mais tarde, a posição das protagonistas se inverte e Blanche (Joan Crawford) torna-se atriz na Era de Ouro da Hollywood, enquanto Baby Jane (Bette Davis) é descartada pelos produtores.
Os períodos áureos acabam para Blanche ao sofrer um acidente de carro, quebrar a coluna e ficar paraplégica. Nesse momento de vulnerabilidade em que a promissora atriz passa seus dias trancafiada em seu quarto tolerando os maus tratos de Jane que a história começa a se desenrolar. Ambas vivem em um casarão, onde convivem com o fato de passarem por um presente amargurado enquanto já tiveram seus momentos de glória no passado. Dessa forma, cada personagem cultiva seus sentimentos nostálgicos pelos tempos frutíferos de uma forma que reflete muito suas personalidades: Blanche passa os dias em seu quarto reassistindo seus filmes, enquanto Jane se confronta diante do espelho com o corpo envelhecido. Além disso, os conflitos entre as irmãs são muito presentes no cotidiano, se tornando cada vez mais aflitivos com o desenrolar da trama.
A crescente tensão presente na obra tem grande contribuição do roteirista Lukas Heller, que apresenta uma introdução monótona, apenas com um relacionamento conturbado entre as irmãs, e aumenta sutilmente a inquietude entre elas até levá-las a cometer atos insanos. Entre os elementos impulsionadores do crescimento do desconforto de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? está o fato da personalidade de Baby Jane ser desmascarada gradativamente ao longo da trama. Sendo assim, a personagem se mostra como uma criança mandona no começo, que se tornou uma adulta invejosa e envelheceu como uma senhora descompensada, capaz de cometer atos de violência verbal e física contra a própria irmã.
A construção da personalidade da ex-atriz mirim e a forma como é apresentada ao telespectador é louvável. A personagem de Davis demonstra comportamentos psicóticos relacionados com a sua criação e com o período de fama quando era criança. Ao viver uma época de ostracismo, a protagonista expõe seu lado mimado e infantil, ligado à maneira pouco saudável com que lidou com as fases da vida. Seu modo de cultuar o passado diz muito sobre seu temor em relação ao envelhecimento. A artista se dedicou em realizar um trabalho bem feito, porém foi jogada fora pela indústria do cinema, restando apenas as memórias de tempos remotos de sucesso.
Curiosamente, a mesma situação de descarte vivido pelas personagens também ocorreu na vida real com Davis, Crawford e outras tantas atrizes de Hollywood. O Que Terá Acontecido a Baby Jane? foi gravado em uma fase decadente da carreira das estrelas e a obra traz em sua conclusão uma crítica à forma com que as mulheres eram tratadas pelo Cinema. A rivalização das artistas para competirem pelo papel era algo corriqueiro, mas após completar 40 anos, aquelas que um dia foram grandes divas da Sétima Arte eram postas para fora dos estúdios.
A rixa entre estrelas de Hollywood podia ser comum, porém poucas ganharam tanto destaque como a de Bette Davis e Joan Crawford. Tudo começou em 1935 quando as atrizes se apaixonaram pelo mesmo homem, Franchot Tone, que preferiu casar-se com a intérprete de Blanche. Apesar do azar no amor, Davis acabou vencendo o Oscar de Melhor Atriz naquele ano por Perigosa, contracenando justamente com o marido da adversária. No entanto, a discórdia aumentou ao longo dos anos, contribuindo para a construção de um imaginário mitológico em O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, em que as rivais iriam contracenar juntas pela primeira vez. A ideia de atuar com a inimiga partiu de Crawford, mas ser colega de trabalho não resultou em uma bandeira de paz. Há diversas histórias de confrontos entre as artistas durante o período de gravação do longa e, embora os causos dos bastidores já sejam atraentes, aqueles que acompanhamos diante das telas merecem ainda mais destaque.
O trabalho desempenhado por Robert Aldrich na direção foi exitoso ao acentuar o caráter psicótico da obra por meio de nuances na fotografia da película, comandada por Ernest Haller. A gravação em branco e preto, por sugestão de Davis, contribuiu para o amadurecimento da trama, que trata sobre estrelas hollywoodianas de forma macabra. Os contrastes de luz e sombra, em contraposição com os elementos do cenário, contribuem para acentuar o efeito claustrofóbico e desconfortável do ambiente habitado pelas irmãs. Além disso, os adereços cênicos, como a ave presa na gaiola de Blanche e boneca de Jane, reforçam os sentimentos de prisão e nostalgia vividos pelas protagonistas. Tudo isso é complementado pelas atuações exageradas das atrizes, principalmente por parte de Bette Davis, que colaboram para a atmosfera assombrosa da trama.
Apesar do resultado impecável, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? causou grande apreensão à Warner Bros. antes de ser lançado, por ser uma obra protagonizada por duas profissionais no período decadente de suas carreiras. Em sua fase de estreia, o Cinema caminhava lentamente para a Nova Hollywood. Com sorte, o longa foi um sucesso imediato, resultando em um lucro de US$ 9 milhões na época. Somado a isso, o êxito da produção foi tão grande que acabou originando um subgênero do terror, o hagsploitation, que influenciou filmes como Mansão dos Desaparecidos, Obsessão Sinistra, Fábula Macabra e Com a Maldade na Alma. Outra obra inspirada pelo thriller de 1962 é a série Feud, de Ryan Murphy. A produção esmiúça a relação conturbada entre Bette Davis e Joan Crawford enquanto gravavam What Ever Happened to Baby Jane?, no título original.
Somado aos elementos que serviram de inspiração para inúmeras obras, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? também se destacou nas premiações, recebendo indicações no BAFTA de 1964, na categoria Melhor Atriz Estrangeira para Bette Davis e Joan Crawford, à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1963, e no Globo de Ouro de 1963, como Melhor Atriz em Drama para Davis e Melhor ator coadjuvante para Victor Buono. Além disso, o filme rendeu cinco nomeações ao Oscar, incluindo a categoria de Melhor Atriz para a intérprete de Baby Jane, o que obviamente gerou mais munição para a rivalidade entre ela e Joan Crawford, que não foi lembrada para receber a estatueta.
Mesmo após 60 anos de seu lançamento, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? se mostra um clássico atemporal. A quebra dos padrões em colocar duas mulheres mais velhas como protagonistas foi ousado para a época e rendeu bons frutos. Somado a isso, a crítica a Hollywood quanto ao descarte das atrizes após completarem certa idade se mostra muito relevante e forte na obra, uma vez que Betty e Joan foram vítimas desse sistema da indústria cultural.