Nathalia Tetzner
Poucos diretores sabem explorar o lado mau dos homens como Martin Scorsese e, no campo dos atores, são raros aqueles que, à la Leonardo DiCaprio, sabem se despir para viver na pele uma figura ‘8 ou 80’. Na floresta do capitalismo selvagem, O Lobo de Wall Street surge, em 2013, sem escrúpulos ou moralismo para retratar a trajetória de Jordan Belfort pelos edifícios carnívoros do distrito financeiro mais cobiçado do mundo.
Mais uma vez no universo cinematográfico de Scorsese, o cenário é o mundo dos crimes de Nova Iorque. O roteiro de Terence Winter adapta a biografia homônima de Belfort com uma dose considerável e proposital de glamourização e exagero. Nas telas do Cinema, a luxúria e corrupção do ex-corretor da bolsa de valores estadunidense se transformam em uma Comédia, com momentos desconcertantes que também causam um verdadeiro terror na audiência.
Sentado atrás de escrivaninhas capengas, telefonando incansavelmente na busca de alguém que acredite em suas palavras e visão de mercado, Jordan Belfort passa de caça a caçador. Ao longo dos anos, a única coisa que permaneceu em sua rotina foi a amizade com o colega de trabalho Donnie Azoff, interpretado brilhantemente por Jonah Hill, peça fundamental na organização de todos os tipos de práticas condenáveis na sala que, agora, é enorme o suficiente para o ego inflado de ambos.
O grande despertar de Belfort acontece em uma das cenas mais memoráveis do filme, o almoço com o mentor e ex-patrão Mark Hanna, extremamente ‘charlatão’ graças a atuação certeira de Matthew McConaughey. Ao ouvir de Hanna sobre o suposto poder do uso de cocaína e prostitutas durante o trabalho, o protagonista ganha de Leonardo DiCaprio uma dimensão tão dinâmica e explosiva quanto a Fotografia de Rodrigo Prieto.
Roubando a cena, Margot Robbie traz profundidade para Naomi Lapaglia que, na entrega de qualquer outra atriz, poderia ser considerada apenas como a jovem que acabou com o primeiro casamento de Jordan Belfort. Da futilidade natural de sua personagem, Robbie nasce em Hollywood como uma sex symbol, porém, passados os dois primeiros arcos do longa, demonstra uma potência dramática que justifica o encanto de Martin Scorsese e DiCaprio no casting.
Passados 10 anos desde o lançamento, é de se acreditar que as polêmicas teriam desaparecido, mas não, até porque existem aqueles que continuam sem entender a crítica e realmente se iludem com o espetáculo de Scorsese. Entre os defeitos do longa, o uso condenável de animais em cenas explícitas e a possibilidade de uma interpretação ‘incel’, ou melhor, a ambiguidade que permite a falta de qualquer raciocínio lógico por parte dessas pessoas são, de longe, os piores erros.
Na temporada de premiações, O Lobo de Wall Street garantiu cinco indicações ao Oscar 2014 – incluindo Melhor Direção e Melhor Filme –, porém, a equipe saiu de mãos vazias. Já no Globo de Ouro do mesmo ano, Leonardo DiCaprio levou para casa a estatueta de Melhor Ator em Comédia ou Musical. Em 2019, mais um escândalo atingiu a produção, uma acusação de lavagem de dinheiro contra Riza Aziz, recentemente retirada.
Explícito, violento e viciante, a maior bilheteria da carreira de Martin Scorsese evita saídas fáceis e recusa a ‘moral da história’. Diante de uma década desde sua chegada catapultada por controvérsias, O Lobo de Wall Street se materializa como uma das melhores performances de DiCaprio e a revelação da atriz mais requisitada dos últimos anos, Margot Robbie. Ao final, se para alguns não ficou nítido, é bom lembrar: um dia é da caça e, o outro, do caçador.