Carol Dalla Vecchia
Depois dos anos oitenta, a onda de comédias românticas inundou a Sétima Arte, conquistando milhares de corações e expandindo seus horizontes para outras formas de entretenimento. Com tanto sucesso, em 1996, a autora britânica Helen Fielding levava esse gênero para a literatura e criava uma das personagens mais icônicas de rom-com. Bridget Jones nasceu como uma ávida escritora em seu diário, viciada em contar calorias e criar listas, e ansiosa para organizar sua vida, movimentar seus relacionamentos e abafar os comentários desagradáveis da família.
Como uma boa leitora, tenho o costume de apreciar mais as obras literárias do que suas adaptações cinematográficas, mas O Diário de Bridget Jones é um daqueles casos raros nos quais o filme é melhor que o livro. Exatamente por isso, é válido comemorar o aniversário de vinte anos desse clássico longa-metragem lançado em 2001, que foi responsável por levar um brilho especial a nossa protagonista, vivida na pele de Renée Zellweger. Enquanto a Bridget das páginas contava suas histórias de forma morna e às vezes problemática, a personagem das telas é dramática e sincera do modo mais engraçado possível.
O romance de Fielding é um reconto moderno de Orgulho e Preconceito, que fez a história original quase desaparecer quando colocada no contexto do final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Alguns traços dos personagens e passagens de Jane Austen ainda são reconhecíveis, mas é preciso ser perspicaz e observador para encontrar uma trama dentro da outra. De certa maneira, a autora merece grande apreço por conseguir apenas se inspirar em um clássico sem reproduzi-lo.
“É uma verdade conhecida universalmente: no momento em que uma área da sua vida começa a dar certo, outra parte desaba espetacularmente em pedaços.”
O enredo começa numa festa de fim de ano quando Bridget Jones conhece Mark Darcy – e existe Mr. Darcy melhor do que o ator Colin Firth? – e sua mãe tenta unir o casal. De cara, eles não se dão bem, Bridget sente uma repulsa por ele, e os pais e colegas de sua família dizem que, na verdade, seus costumes e aparência são o motivo de seu “fracasso amoroso”. Há uma constante afirmação de que ela não se encaixa nos padrões vigentes de beleza e comportamento, desse modo ela compra um diário para organizar suas ações, registrando cada caloria, cigarro ou gota de álcool que consome, pois acredita que o único meio para alcançar a realização afetiva e profissional é mudar sua forma.
No meio dessa luta, Bridget nutre uma paixão por seu chefe Daniel Cleaver – interpretado por Hugh Grant -, que percebe seu interesse e começa a retribuir os olhares e cantadas. Mas é claro que não para por aí: a proposta do filme é acompanhar um ano da vida da personagem principal, com seus altos e baixos cheios de cenas divertidas que acontecem pela tendência desastrosa de Bridget e pelos encontros entre ela, Daniel e Mark. Antes de a maioria das personagens femininas de comédias românticas assumirem esse clichê de estabanadas, O Diário de Bridget Jones estreava essas características de modo natural.
Por se tratar de um filme do começo do século, as mensagens levadas por ele ainda carregam um ponto de vista machista apesar de ser dirigido por uma mulher. O fato é que o livro já era cheio de passagens retrógradas e, como a própria autora fazia parte da equipe de roteiro, elas se mantiveram. A direção estreante de Sharon Maguire fez sucesso e o produto final ficou no meio termo entre os romances mais ou menos feministas, ganhando pontos positivos pela desconstrução do padrão inalcançável que a protagonista objetivava no começo da história.
Na primeira vez que assisti O Diário de Bridget Jones, não tinha o conhecimento do quão pioneiro era esse filme: depois dele, milhares de autores copiaram o formato e transformaram aquela personagem cômica e ao mesmo tempo realista no padrão das diversas narrativas que viriam a seguir. Por isso, eu achava que veria mais do mesmo, que o final seria óbvio e que a protagonista não me faria vibrar por sua jornada. Eu me enganei; me vi presa numa produção extremamente cativante e cheia de reviravoltas, me vi na pele da própria Bridget Jones e percebi que ainda há espaço para os amados clichês se destacarem.
Uma das peças fortes desse enredo é o modo como a autora abusa das coisas cotidianas, transformando-as em extraordinárias. Esse é um mecanismo que torna a narrativa complexa, porque os fatos em si não geram interesse no espectador, mas sim a forma como são contados. A vergonha alheia de ver uma mulher desastrada em seu primeiro dia de trabalho na TV, em geral, traria angústia se mostrada por outra personagem, mas Bridget a torna pitoresca e, com isso, icônica. Para levar esse teor às telas, Renée Zellweger deu o melhor de si, mesmo sendo criticada por não ter as características descritas no livro: ela se transfigurou para ser a protagonista perfeita – ou imperfeita, se preferirem.
De alguma forma, esse quebra-cabeça de acontecimentos comuns se une para construir algo maior que é a evolução da personagem. Aos poucos ela percebe que esse crescimento deve acontecer sem mudar a si mesma: ela pode ser feliz solteira, ela já é querida por seus pais e amigos e esse carinho não exige alterações na sua aparência nem na sua forma de falar sem pensar. Bridget Jones abre o caminho para a felicidade quando nota que amar a si mesma, com seu jeitinho de ser, é a chave para suas realizações e seu bem estar, além de ser o primeiro passo para ser amada por outras pessoas.
No fim, O Diário de Bridget Jones é responsável por trazer pequenas reflexões que deveriam ser aderidas por todos ao longo de cada jornada pessoal. Suas mensagens principais estão enraizadas em pontos que não mudam, e, mesmo sendo um filme de vinte anos atrás, ainda é tempo de se conectar com a sua essência e jamais deixar de lado sua alegria pelos comentários alheios. Sentimentos nascem de lugares inusitados e quando você menos espera, dois deles podem estar batendo à sua porta enquanto você cozinha uma sopa azul.
Bridget pôs ordem em sua vida assim que começou a terapia de externalizar suas emoções através das palavras que colocava no papel. Nessa metáfora, ela ainda nos lembra de uma das grandes lições sobre a arte da evolução e da resiliência: às vezes, quando nossos desejos soam inatingíveis e as coisas parecem bagunçadas, só precisamos virar a página. Afinal, é apenas um diário.