Gabriel Fonseca
George Clooney nos familiarizou ainda mais com o seu trabalho de diretor depois de seu último filme. Produção da Netflix, O Céu da Meia Noite usa a ficção para falar das relações humanas, em especial, a história de um pai e sua filha. Apesar de semelhanças com Interstellar (2014), o longa é uma adaptação do romance Good Morning, Midnight, de Lily Brooks-Dalton. Além da direção, Clooney se coloca no centro da história, e com um visual diferente dos seus galãs de meia idade.
No ano de 2049, dezenas de pessoas partem de uma base de pesquisa no Polo Ártico. É uma evacuação, e Augustine é o único que não se importa em deixar o lugar – tudo o que sabemos deste personagem de Clooney é a sua dependência de uma máquina de hemodiálise e várias garrafas de uísque.
Isolado entre salas e laboratórios, Augustine se afunda no álcool enquanto aguarda por notícias de uma equipe de viajantes espaciais, que estão vindo para a Terra. Além do seu interesse na nave espacial Aether, sabemos que a Terra se encontra em colapso e o observatório parece ser um dos poucos lugares habitáveis. A causa e a forma deste apocalipse é um dos mistérios da história, que se interessa mais pela comunicação entre a nave espacial e o homem do Polo Norte.
Ao contrário do que imaginávamos, incluindo Augustine, havia mais uma pessoa no observatório. Durante um incêndio na cozinha, ele encontra uma menina assustada, que nos faz lembrar de uma das primeiras cenas: enquanto o lugar estava sendo evacuado, uma mãe procurava pela filha, que desapareceu entre a multidão. Sem o menor preparo, Augustine assume a responsabilidade por Iris (Caoilinn Springall).
Aos poucos, ele desenvolve um sentimento paternal por ela, ao estilo de Logan; depois de se frustrar procurando pelos pais. Em seguida, mergulhamos em um flashback, para descobrirmos que, há muitos anos, Augustine fora o pesquisador que encontrou um lugar habitável fora da Terra, e que nesta época, se aproximou de Jean, interpretada por Sophie Rundle.
A locação teve um papel importante para criar uma atmosfera de solidão e melancolia. Augustine se torna mais decadente com os laboratórios vazios do observatório, quase insignificante no meio do desértico Polo Norte, reproduzido na Islândia. Além do gelo absoluto, Clooney nos dirige ao espaço para completar a sua narrativa. Tão isolada quanto o observatório da Terra, a nave espacial Aether retorna de uma missão de reconhecimento do novo planeta K-23, um satélite de Júpiter.
Entre os cinco passageiros, Sully, interpretada por Felicity Jones, toma a nossa atenção. Ela é responsável pela comunicação entre a nave e a Terra, mas não obtém respostas por causa das condições no planeta, o que causa ansiedade nos tripulantes, que mal imaginam o que está acontecendo. Dentro da nave, quase todos os diálogos são movidos pela nostalgia da terra natal, ou pela expectativa do retorno. Isto fica claro quando os vemos interagindo com hologramas de familiares e amigos, ou na cena em que reparam a nave, ao embalo de Sweet Caroline.
A trilha sonora é um ponto alto do longa. Ela preenche o visual inabitado dentro e fora da Terra, revela o interior dos personagens e complementa os momentos de tensão e alívio. Alexandre Desplat é o responsável por colocar o longa na mira das principais premiações de 2021. Já indicado para o Globo de Ouro, gera expectativas para o Oscar, na categoria de Melhor Trilha Sonora Original, prêmio que já levou duas vezes por O Grande Hotel Budapeste e o seu trabalho marcante em A Forma da Água.
The Midnight Sky se desprende das condições dentro e fora da Terra para focar nas relações humanas, como se dissesse que o maior bem da humanidade é a própria humanidade. Vemos isso logo na primeira cena, quando uma multidão abandona o único lugar seguro de um planeta em catástrofe, sem se importar para onde estavam indo. Mais tarde, quando inicia-se o arco narrativo dos astronautas, a primeira cena é um pesadelo de Sully: enquanto recolhia amostras no planeta recém descoberto, Aether parte em direção à Terra, deixando-a sozinha.
Em seguida, mais flashbacks revelam a personalidade e as motivações de Augustine. Primeiro, descobrimos que o pesquisador rompeu a relação com Jean para se dedicar completamente à missão de dar um novo lar à humanidade. Depois de alguns anos, Jean aparece com uma filha, mas Augustine não se aproxima da criança e prefere que a sua identidade como pai permaneça em segredo. Todas estas decisões resultaram no personagem de 2049, que trocou as relações mais importantes de sua vida por uma carreira, e agora, tenta compensar esta ausência.
Depois de martirizar seus personagens, Clooney alivia com um desfecho heroico para Augustine. A comunicação entre os dois grupos acontece e o pesquisador evita que Sully chegue ao planeta condenado. Dois tripulantes descem da nave para passarem os últimos momentos na Terra, enquanto Sully parte para K-23 com o seu parceiro, o capitão Adewole (David Oyelowo).
O Céu da Meia Noite consegue representar uma ideia visualmente. É uma obra que sensibiliza para a necessidade humana de compartilhar a vida com os outros. Mas este é o seu limite, pois não conseguimos nos importar com os seus personagens. A relação entre o velho pesquisador e a garota perdida não é aproveitada, e, após a revelação final desta história, é rebaixada a um capricho narrativo – um recurso para deixá-la menos monótona.