Mauê Salina Duarte
Lançada em novembro de 2019 pela Netflix e dirigida por Daniel Rezende, a série Ninguém Tá Olhando usa o humor para discutir temas existenciais, lembrando um pouco a aclamada The Good Place. No entanto, enquanto a produção americana explora a vida após a morte, a brasileira foca na vida mundana. Contando com a atuação de nomes bem conhecidos pelos jovens, entre eles Kéfera, que interpreta a personagem Miriam e Projota, que dá vida a Richard. Entretanto, o protagonista é o carioca Victor Lamoglia, intérprete de Úli, um anjo da guarda novato do Sistema Angelus De Proteção Aos Humanos.
Antes de tudo, é necessário explicar como funciona o sistema mostrado na série. Esse modelo é formado por “angelus”, anjos da guarda reais, porém bem diferentes dos que imaginamos. Os angelus possuem cabelos vermelhos e asas somente de enfeite. Isso mesmo que você leu, eles não voam! São gente como a gente, até andam de transporte público. A função de cada um deles é acompanhar um humano selecionado pelo Chefe, que, por sinal, nunca foi visto. Além disso, precisam obedecer 4 regras importantíssimas: cumprir a ordem do dia, não aparecer para os humanos, não proteger humanos fora da ordem do dia e jamais entrar na sala do Chefe.
Tudo ocorria normalmente no Sistema até a chegada de Úli, o primeiro angelus criado no distrito em 300 anos. O grande problema é que o rapaz não concorda com os códigos estabelecidos e, ao contrário dos demais, realmente queria ajudar os humanos de forma mais profunda, e acaba quebrando regras. Porém, para a surpresa dele, nada de punição. Assim, o angelus começa a acreditar que ninguém realmente os observa, e é aí que tudo sai dos trilhos.
Úli decide explorar a humanidade, levando consigo os veteranos Greta (Júlia Rabello) e Chun (Danilo de Moura), e interferindo na vida de algumas pessoas. Na Terra, os três tentam desvendar a vida mundana. A atuação do trio tem muita sintonia, e é gostoso vê-los experimentando sensações tipicamente humanas. Greta se joga aos excessos e, em consequência, paga por isso. Úli conhece a paixão e suas decepções. Chun é mais cauteloso, pois tem medo de romper com as normas que sempre lhe foram postas como absolutas, ficando em um impasse.
A reflexão principal da série gira em torno de algo como: se ninguém está olhando, podemos fazer o que quisermos e não seremos punidos? Pois é, complicado. Mas deixe para analisar isso durante os episódios. Ademais, a produção vai te fazer questionar e ver que algumas preocupações não fazem sentido algum.
Apesar de reflexiva, a história é leve e divertida. O começo é um pouco devagar, com o intuito de situar o público no contexto da obra, mas, em seguida, tudo flui perfeitamente. Com seu jeitinho despretensioso, Úli traz familiaridade, causando uma identificação imediata. Seu lema “a vida não é aleatória por acaso” pode ser confuso, mas resume a história e também a realidade. A trama é irreverente e os episódios são curtos, de 20 a 30 minutos, tornando natural maratonar a série em uma tarde.
Ainda por cima, Ninguém Tá Olhando é pura brasilidade, por se passar no Rio de Janeiro e retratar um cotidiano popular. O humor assemelha-se ao da Porta Dos Fundos e Parafernalha, que já estamos acostumados. Daniel Rezende, diretor da produção, é importantíssimo para o audiovisual brasileiro. É responsável pelo recente longa Turma da Mônica: Laços, bem como o filme Bingo: O Rei Das Manhãs (2017) e alguns episódios da série O Mecanismo (2018).
Apesar das qualidades, o final deixou a desejar. Para não dar spoiler, melhor dizer que o desfecho ficou bem vago. Ainda por cima a Netflix confirmou que não produzirá uma sequência para Ninguém Tá Olhando, decepcionando quem queria a continuação das aventuras de Úli e companhia. Entretanto, mesmo com apenas uma temporada, a série de Daniel Rezende foi indicada ao Emmy Internacional na categoria comédia, concorrendo com Back To Life (Reino Unido), Fifty (Israel) e Four More Shots Please (Índia). A cerimônia do evento será em Nova York e irá ao ar em 23 de novembro.
Para dar boas risadas, passar o tempo, refletir um pouco e, ainda por cima, dar créditos à produção audiovisual brasileira, assistir à Ninguém Tá Olhando é uma ótima opção. Durante a história você vai perceber que “o que os humanos chamam de sorte, nada mais é do que o trabalho invisível de um angelus”.