Nathan Nunes
Há um ano, quando o mundo se preparava para o Oscar 2023, duas apostas já eram tidas como certas: Avatar: O Caminho da Água venceria a categoria de Melhores Efeitos Visuais daquela cerimônia e Duna: Parte 2 venceria a da próxima. Naquela época, a segunda parte da adaptação de Denis Villeneuve ainda estava programada para estrear em Novembro e, consequentemente, prevista para angariar uma série de vitórias técnicas, como fez o seu antecessor na temporada de 2021.
No entanto, em Agosto, essas previsões sofreram um baque, quando a Warner Bros. anunciou o adiamento do longa para Março. A decisão ocorreu devido à greve do Sindicato dos Atores (SAG), cuja uma das regras proibia as aparições dos intérpretes nos circuitos de divulgação dos projetos. Repentinamente, a categoria que tinha seu campeão garantido se viu diante de uma série de possibilidades, tornando-se uma das mais imprevisíveis da temporada.
Com Duna: Parte 2 fora da jogada, Oppenheimer parecia ser a principal opção para o prêmio. Além do histórico bem-sucedido da filmografia de Christopher Nolan na categoria (A Origem, Interestelar e Tenet saíram todos vitoriosos, em seus respectivos anos), é notável a proeza do longa em recriar os testes da bomba atômica com “zero tomadas de CGI”, de acordo com o diretor. Essa informação, no entanto, gerou polêmica, quando revelou-se que cerca de 80% da equipe de efeitos visuais não receberam os devidos créditos na rodagem.
Tradicionalmente, são enviados para consideração do Oscar os nomes de três ou mais supervisores de VFX (efeitos visuais, ou seja, tudo que é criado digitalmente durante a pós-produção), junto de um único supervisor de SFX (efeitos especiais, realizados ao vivo no set de filmagens). Oppenheimer optou por um caminho diferente, utilizando truques ópticos que ficam na linha tênue entre os dois. A dúvida, aliada à controvérsia de uma possível desvalorização dos artistas, resultou em sua omissão da longa lista de vinte filmes organizada pelo comitê, entre os quais dez são pré-selecionados para disputar as cinco vagas finais.
Em um cenário hipotético, se Oppenheimer tivesse continuado na disputa, a vaga que ele ocuparia faria parte de uma tendência muito específica do comitê nos últimos anos: o CGI mínimo em filmes de guerra, no qual as imagens computadorizadas servem de apoio para os efeitos práticos. Destaques recentes nessa linha incluíram Nada de Novo no Front, indicado em 2023, e 1917, vencedor em 2020. Este ano, seu representante acabou sendo Napoleão de Ridley Scott, cujo objetivo era manter o realismo em evidência. Pinturas da era napoleônica, por exemplo, foram utilizadas como referência para o design de algumas tomadas específicas, como a famigerada imagem do imperador francês frente às pirâmides do Egito.
Na ação, o time de efeitos especiais, comandado por Neil Corbould (Missão: Impossível – Efeito Fallout), foi responsável pela criação pirotécnica, seja construindo miniaturas de navios para a sequência inicial no cerco de Toulon, ou equipando canhões com talco e o chão com gelo falso para filmar a batalha de Austerlitz. A computação gráfica, supervisionada por Charley Henley (Prometheus), ficou com a tarefa de aumentar o escopo dos exércitos, através da animação a mão de quase todos os cavalos e o escaneamento de mais de 700 soldados reais. Ao final, ambos os artistas foram indicados, junto de Simone Coco (Scott Pilgrim Contra o Mundo) e Luc-ewen Martin-fenouillet (Sonic 2: O Filme).
De forma semelhante, Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 também baseou-se em uma integração orgânica entre o prático e o digital para realçar a periculosidade das cenas de ação. O CGI, supervisionado por Alex Wuttke (Jurassic World: Reino Ameaçado), Jeff Sutherland (007: Sem Tempo para Morrer) e Coco, foi utilizado para aumentar o tamanho dos cenários, como o deserto de Abu Dhabi nos minutos iniciais. Outro destaque foi a adição de elementos complementares, como a mobília danificada, em sequências cruciais, como a final, passada em um trem em descarrilho.
Especificamente para esse momento, coube aos efeitos especiais, também sob a supervisão de Corbould, a tarefa de construir um trem em escala real e jogá-lo do alto de uma ponte, capturando a destruição sob o olhar de múltiplas câmeras. Anos de preparação e pensamento foram dedicados para realizar a façanha, pois a tentativa seria apenas uma. Felizmente, o resultado foi tão impressionante que rendeu à franquia sua primeira indicação na categoria, corrigindo um histórico de 28 anos de esnobe.
Para Guardiões da Galáxia Vol. 3, os desafios foram diferentes. O longa contou com mais de três mil tomadas de CGI, que, por sua vez, tiveram que ser coordenadas por diferentes empresas. A Sony Pictures Imageworks, representada no Oscar por Theodore Bialek (Doutor Estranho no Multiverso da Loucura), ficou encarregada de criar o Orgoscope, um planeta cuja superfície psicodélica é feita de carne orgânica. Já a Weta FX, sob a supervisão de Guy Williams (Jogos Vorazes: Em Chamas), desenvolveu o notável plano-sequência de ação no ato final, a partir de 18 takes diferentes e uma sincronização entre coreografia, dublês digitais e a duração da música No Sleep Till Brooklyn da banda Beastie Boys.
Já a companhia Framestore foi responsável por criar os animais digitais do centro emocional da narrativa, em especial Rocket (Bradley Cooper). Todas as cenas envolvendo o guaxinim e seus amigos Lylla (Linda Cardellini), Floor (Mikaela Hoover) e Teefs (Assim Chaudry), foram filmadas durante os primeiros dois dias de produção. Assim, foi dado tempo ao time de Alexis Wajsbrot (Mulher-Maravilha 1984) para refinar a animação dos personagens, com grande ênfase em seu olhar. O esforço refletiu na indicação dos artistas, juntamente do supervisor de efeitos visuais no set Stephane Ceretti (Eternos).
Custeada em cerca de US$ 250 milhões, a terceira parte da saga space opera da Marvel não poderia ser mais diferente do quarto competidor, Godzilla Minus One, cujo orçamento foi de apenas US$ 15 milhões. A companhia Shirogumi, responsável pelos efeitos visuais, também operou sob condições extremamente diferentes da norma hollywoodiana, com um time de apenas 35 artistas, oito meses de prazo e um total de 610 tomadas de CGI. Para agilizar a produção, o diretor e roteirista Takashi Yamazaki (Kiseijuu) trabalhou no mesmo escritório que a equipe, supervisionando a evolução do trabalho de perto.
Um dos desafios encontrados foram os navios de guerra, pois, com as limitações orçamentárias, não seria possível construir sets para todos. Para contornar a situação, um único set serviu de referência para todas as cenas, com gruas auxiliando nos movimentos de câmera. Enquanto isso, as sequências marítimas aumentaram os esforços da equipe, tanto para a animação do kaiju em si, como também para os efeitos de simulação de água. Feito, como diz a expressão popular, na raça, o trabalho foi reconhecido na categoria com as indicações do próprio Yamazaki, além de Kiyoko Shibuya (Zero Eterno), Masaki Takahashi (Patrulha Estelar) e Tatsuji Nojima (O Deus do Cinema).
Finalizando a lista de indicados, Resistência se destaca também por uma abordagem diferenciada como a do concorrente anterior, mas ainda assim feita com um orçamento maior de US$ 80 milhões. Para o diretor Gareth Edwards (Rogue One: Uma História Star Wars), a prioridade foi filmar em locações ao redor do sudeste asiático, em países como Tailândia, Camboja e Nepal. O trabalho de criação de mundo, geralmente concebido na pré-produção com artes conceituais e concretizado em estúdios de tela verde, foi feito em cima das filmagens em live-action, aproveitando o sentimento e a estética dos locais visitados.
Para a criação dos robôs que protagonizam a história, o método se manteve na mesma linha econômica. A captura dos movimentos faciais dos atores foi feita sem a necessidade deles estarem cobertos de pontinhos no rosto, com apenas um ou dois para referência dos animadores. Em contrapartida, os efeitos especiais, liderados por Corbould (sim, ele de novo), foram responsáveis por providenciar elementos como fumaça e partículas, principalmente nas sequências de ação. O supervisor também está indicado pelo seu trabalho aqui, juntamente de Jay Cooper (Babilônia), Ian Comley (Star Wars: O Despertar da Força) e Andrew Roberts (Assassinos da Lua das Flores).
Quem vai vencer?
Com uma lista tão rica de competidores, não surpreende que as apostas estejam tão divididas, pois não há um vencedor claro. As grandes premiações televisionadas da temporada, como o BAFTA e o Critic’s Choice Awards, consagraram filmes que não foram sequer indicados aqui – Pobres Criaturas e o já citado Oppenheimer, respectivamente. Enquanto isso, as trajetórias individuais dos concorrentes apontam para diferentes caminhos.
Napoleão saiu de mãos abanando e Missão: Impossível foi celebrado no Satellite Awards, pouco relevante para o Oscar. Entre as diversas associações de críticos dos Estados Unidos, Godzilla Minus One venceu em dez, Resistência em seis e Guardiões da Galáxia em apenas uma. Os dois últimos, no entanto, foram ganhadores no Visual Effects Society Awards (VES), em especial a ficção científica de Edwards, que saiu com o prêmio principal e outras quatro vitórias.
Independente de quem se consagre como vencedor, é fato que essa temporada foi uma das melhores para a categoria em anos. Depois de uma série de vitórias previsíveis, um único adiamento culminou na formação de uma lista extremamente rica e interessante. O ofício da magia do Cinema, feito pelos artistas de efeitos visuais e especiais, nunca esteve tão bem representado em sua capacidade de iludir o público com técnicas e estilos completamente diferentes um do outro, comprovando um fato que a indústria ainda precisa aceitar: esses profissionais são muito mais valiosos do que se imagina.