Egberto Santana, Guilherme Hansen, Leonardo Teixeira e Nilo Vieira
Não deu outra: o mês foi delas. A volta triunfal de Beyoncé aos palcos (no que provavelmente foi a melhor performance de sua carreira) representou apenas o apogeu de um momento quase que dominado para mulheres e seus trabalhos fortíssimos. Por outro lado, o falecimento de Dona Ivone Lara, a Rainha do Samba, adicionou nota agridoce aos últimos dias. Vamo que vamo.
Cardi B – Invasion of Privacy
rap
Desde que o hit “Bodak Yellow” alavancou a carreira de Cardi B, colocando-a em primeiro lugar no Top 100 da Billboard, foi difícil não ler comparações com Nicki Minaj e muito menos não vê-la em programas de entrevistas americanos, sempre mostrando sua personalidade engraçada.
Mas não é foi só com seu humor que Cardi B se fez. Depois de duas mixtapes em um ano, a nativa do Bronx apresenta seu primeiro álbum, Invasion of Privacy. Mesmo sendo sua estréia, o que não falta é conteúdo nas letras da rapper: o relacionamento com Offset (seu noivo e um dos membros do Migos) é bastante mencionado, desde como declaração até no melhor estilo Yoncé atacando suas supostas traições divulgadas pela mídia. A gangsta bitch não é enterrada e passa bem em faixas como “Bickenhead” e “Bartier Cardi“.
Em quase todas as produções, Cardi mostra seu tradicional flow rápido e agressivo, com destaque para “Money Bag”, onde sem nenhum barulho irritante (brrr) a ex-membro do Bloods coloca todo seu potencial sobre uma batida tão explosiva quanto suas rimas. A decepção fica no meio, com “Ring”, um trap pop com cara de love song de rádios que acaba desanimando. Entre as diversas colaborações, SZA fecha o álbum com um refrão colante, finalizando uma ótima estreia com as duas vozes mais singulares do mainstream. (ES)
Fenne Lily – On Hold
indie pop
O primeiro álbum da britânica, lançado no último dia 6, transita entre a reflexão e a melancolia, pontuadas pelo seu timbre grave que transmite um pouco da angústia que todos carregamos em nossa vida caótica. Da faixa-título, “em que toda essa dor é ouro”, Lily questiona “por que as coisas boas morrem?” em “What’s Good” e constata que “eu sei que você vai me decepcionar, mas está bem” em “Car Park”. Como ela mesma afirma, suas músicas são tristes, mas trazem nos vocais uma tristeza misturada com fúria .
Apesar do tom niilista, Fenne diz que suas canções também têm a intenção “de trazer força para saber a hora certa de se desprender daquilo que nos faz mal a fim de dar espaço para aquilo que nos ajuda a crescer”. On Hold é uma excelente mistura entre o folk (embora ela mesma negue esse rótulo) e o indie rock, com melodias calmas e roupagens acústicas. Para ficar na bad e curti-la por um tempo. (GH)
Janelle Monáe – Dirty Computer
r&b
Janelle Monáe nunca decepciona. Coesão e qualidade já são constante na discografia da compositora, que em 2007 iniciou a série de discos conceituais que contariam a história afrofuturista da andróide Cindi Mayweather. Dirty Computer fecha a saga e apresenta uma intersecção entre realidade e utopia, onde Janelle celebra a própria existência enquanto idealiza uma sociedade mais inclusiva.
A tracklist é bastante eclética e une ritmos teoricamente distantes, como o rock psicodélico e o afrobeat. Mas a referência principal aqui só podia ser Prince e seu funk descarado e grandioso, que vem para compor o discurso libertário que sempre foi o forte de Monáe. O melhor disco do ano é uma carta de amor da cantora do Kansas à populações marginalizadas, com uma importância inestimável. Necessário. (LT)
Kali Uchis – Isolation
r&b
“Body Language”, tema inaugural da estreia de Kali Uchis, é uma bossa nova fantasmagórica e lânguida. Assim como sua intérprete, a faixa intriga para algo no limiar entre o estranho e o sensual, o kitsch e o retrô. E é com essa estética de contrastes que a cantora américo-colombiana coloca no mercado um dos melhores discos do ano.
Além da referência brasileira, hip hop, funk e a música psicodélica também fazem parte da bagagem de Isolation. O formidável aqui é a coerência que costura um gênero musical a outro no decorrer da tracklist, que é embalada por narrativas de desilusão e certa decadência hollywoodiana.
O clima nostálgico cai muito bem ao debut de Uchis, que respira cultura pop do início ao fim. (LT)
Saba – CARE FOR ME
rap
Tempos atrás, a onda sadboys virou piada na internet, com seu rap tristonho e estética vaporwave. Basta um olhar mais atento, no entanto, para entender que a dor do último lançamento de Saba é bem mais complexa e profunda que isso.
Solidão e raiva aqui são apenas uma sequela crua do passado pesadíssimo do intérprete. Tudo floreado pela produção melancólica, que relembra o jazz e o gospel, honrando as origens do rapper de Chicago. (LT)
Sleep – The Sciences
stoner metal
Quase exatos quinze anos após sua obra-prima, os titãs do stoner retornam com o aguardado álbum novo. O frontman Al Cisneros traz influências sutis de sua outra banda, o Om, mas nada que comprometa o DNA característico do Sleep: riffs monolíticos e letras inspiradas em experiências com a erva do capeta. O culto ao Black Sabbath segue forte, seja na parede sonora elaborada pelo guitarrista Matt Pike ou em trocadilhos como “Giza Butler”.
É verdade que não se trata, à risca, de um disco de inéditas. Além da sonoridade sem grandes novidades, metade do repertório de The Sciences já havia sido tocado ao vivo – “Sonic Titan”, por exemplo, ainda antes do hiato da banda em 1998. Porém, isso não diminui o peso do trabalho. Com Jason Roeder (Neurosis) na bateria e produção precisa, o grupo não soa inovador, mas renovado. É só botar o volume no talo e comprovar. (NV)
Tinashe – Joyride
r&b, pop
Tinashe é uma artista completa — pelo menos para os parâmetros radiofônicos. Além de cantar e dançar excepcionalmente, a americana tem senso de estilo e sabe agradar seu público. Ainda assim, parece nunca receber a atenção que merece. Seu segundo disco chega ao mercado para reivindicar essa gratificação, mas acaba agradando por outros motivos.
Trata-se de uma coleção de pequenas histórias sobre sexo e autoconfiança, insignificantes diante de hits maiores nas paradas e similares no discurso, porém enormes para o universo íntimo que Tinashe cria para si. Ainda, o trabalho ganha pontos quando faz referência ao hip hop do início do milênio, da voz de sua intérprete ao futurismo da capa. (LT)