Giovana Guarizo
Na tarde do dia 5 de novembro, o Brasil foi surpreendido por um plantão da Globo, o qual anunciava um acidente aéreo envolvendo a cantora Marília Mendonça. Até então, foi informado pela emissora, através de informações dadas pela assessoria da artista, que ela e outras quatro pessoas estariam bem. Entretanto, era tudo incerto, pois não haviam informações confiáveis que comprovassem tal afirmação. Após algumas horas de muito trabalho por parte da equipe de bombeiros, veio a notícia que ninguém queria receber: o falecimento da cantora Marília Mendonça, aos 26 anos de idade.
Não é mensurável o tamanho do impacto que essa notícia causou. O dia 5 (e o final de semana que seguiria) parou por causa dela. Todas as emissoras só falavam sobre isso, nas rádios só se ouvia Marília Mendonça, nas redes sociais eram homenagens por todos os lados. Uma das pessoas mais queridas do país havia partido, de forma tão precoce e dura de aceitar. E agora era a vez de milhões de brasileiros cantarem para ela: “você virou saudade aqui dentro de casa”.
Marília assumiu o posto no Sertanejo e nos fez escutar e entender o que é ser patroa, o que é ser protagonista de sua própria história, ao mesmo tempo em que nos fazia chorar com seus hinários tristes. Falou sobre traição, bebedeira e sexo. Temas, até então, nunca explorados por uma cantora sertaneja. Foram exatamente esses temas que fizeram os ouvintes se identificarem e se apaixonarem por ela. É como se a artista fosse a porta voz de todas as mulheres do Brasil. Afinal, quem é que nunca se sentiu representada por uma letra da Rainha?
Não é segredo para ninguém que o cenário da Música Sertaneja sempre foi predominantemente masculino. Cantores como Daniel, Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano e Bruno & Marrone são grandes exemplos de homens que deram o pontapé inicial, ao cantar sobre seus amores, sofrimentos e noitadas. Mas Marília Mendonça conseguiu roubar a cena. E sua obra não conquistou apenas mulheres, mas um país inteiro que hoje honra e respeita a memória da Rainha da Sofrência.
Além de dona de uma voz potente e estonteante, Marília era conhecida por suas ricas composições. Sua primeira escrita foi com 12 anos de idade, e depois disso, nunca mais parou, o que a elevou ao patamar de uma das melhores letristas do país. Por isso, ficou muito conhecida no ramo e foi notada nacionalmente em 2015, quando lançou Infiel, seu primeiro hit. No mesmo ano, ela também participou do DVD Novas Histórias, da dupla Henrique & Juliano, ao fazer o feat da autoral Flor e o beija-flor. A participação no trabalho da dupla foi um acerto na carreira de Marília, já que os cantores estavam em ascensão e trouxeram ainda mais visibilidade ao trabalho de uma mulher genial.
O trabalho excepcional como cantora e letrista trouxe à Marília muitas amizades na indústria da Música. Além de Henrique e Juliano, seus parceiros fiéis, Marília encontrou Maiara e Maraísa em sua caminhada, consideradas irmãs pela cantora. Ao longo da carreira, elas fizeram grandes parcerias juntas e são consideradas “as patroas” do gênero. Assim como ela, a dupla também representa a grande voz feminina no Sertanejo.
Contudo, nenhum trabalho entre elas foi tão aclamado quanto Patroas 35%. Menos de um mês antes do trágico 5 de novembro, elas haviam lançado o DVD e preparavam uma turnê pelo Brasil em 2022. O disco reúne vários hits que entregam tudo que elas prometem: cachaça, chifre e sofrência. Com a tríade Esqueça-me se for capaz, Todo mundo menos você e Presepada, emplacaram, respectivamente, as três músicas mais reproduzidas no Spotify Brasil, ainda, o álbum se tornou o 16º mais ouvido no Spotify mundial, se consagrando como o único CD nacional a conquistar essa posição.
Além dos conteúdos já esperados, o disco traz um espaço para reflexão acerca da violência contra a mulher. O tema aparece em um trecho forte da faixa Você Não Manda Em Mim: “Tire suas mãos de mim/Quando eu te conheci você não era assim/Não te devo explicação de nada/Não tenho medo da sua ameaça/É que pra você é só ciúme/Mas isso é doença e você não assume/Seu amor é mal-acostumado a gritar e proibir”, cantam. De fato, não faria sentido fazer um álbum de tanto empoderamento feminino e não falar sobre o que mata mais de mil mulheres por ano no Brasil.
As cantoras fizeram acontecer o projeto Patroas e lançaram dois DVDs anteriores: Agora é que São Elas 2, de 2018 e Patroas, de 2020. O trabalho foi totalmente reconhecido e chegou a ser indicado ao Grammy Latino de 2021, na categoria Melhor Álbum de Música Sertaneja. Infelizmente, o vencedor foi Tempo de Romance, da clássica dupla Chitãozinho & Xororó. Porém, no evento, a memória de Marília não passou batida e a cantora foi homenageada por Anitta.
Essa não foi a primeira vez que Marília foi aclamada pela Academia. Em 2019, a cantora saiu vencedora da mesma categoria, com o bombástico Todos os Cantos. Esse projeto é uma turnê por todas as capitais do Brasil, onde os shows foram de graça (e extremamente lotados). No dia 16 de novembro, ele se tornou o álbum brasileiro mais reproduzido do Spotify, totalizando quase 1,1 bilhão de reproduções. Todos os Cantos foi a maior empreitada solo de Marília Mendonça e é um trabalho que transparece quem ela é: humilde e inovadora. Qual artista brasileiro seria capaz de ser tão do povo, fazendo toda uma turnê de graça ao redor do país? Isso é coisa de Marília!
do nada, acordei ganhadora de um grammy, do nada
— maria mendonça (@MariliaMReal) November 15, 2019
Segundo Maiara e Maraísa, o projeto das Patroas continuará e elas seguirão com a turnê prevista para 2022. Apesar de desenvolvido pelas três, dar continuidade a isso manteria viva a memória da artista e de todo o seu trabalho de composição, voz e arte do último DVD. Além das músicas do Patroas 35%, o repertório dos shows contará com canções dos outros dois álbuns feitos por elas. As apresentações serão uma forma de prestigiar três mulheres que revolucionaram o Sertanejo no Brasil.
Patroas 35% é um grito de “finalmente conquistamos esse espaço”. É triste pensar que não a teremos mais em vida para enriquecer tanto esse cenário, mas conforta saber da existência de mulheres que continuarão o legado. Maiara & Maraísa, Naiara Azevedo, Simone & Simaria, Paula Mattos e tantas outras inspiradas por ela, a patroa e eterna Rainha da Sofrência. Marília Mendonça, a nossa Marilinha, sempre fará parte desse time forte de mulheres, não há como negar. A goiana deixou o filho Leo, de quase 2 anos, família e uma legião de fãs que amam e respeitam seu trabalho e força.