Gabriel Oliveira F. Arruda
Uma quasi adaptação dos livros publicadas por Maurice Leblanc entre 1905 e 1935, a nova série francesa da Netflix busca tanto resgatar a figura misteriosa do infame ladrão de casaca, Arsène Lupin, quanto reinventá-la. Quem assume o manto nessa versão da história é Omar Sy, interpretando não o personagem homônimo, mas um ladrão igualmente astuto chamado Assane Diop que se inspira nos contos escritos por Leblanc para elaborar suas próprias escapadas mirabolantes.
Há um elemento de autoconsciência em Lupin que a separa de premissas similares, como Sherlock, da BBC. A existência das obras de Leblanc serve de um ponto chave na narrativa tanto pelas referências que ela proporciona quanto pela importância que o personagem original tem para Assane. Assim, é aberto um caminho para que os roteiristas busquem inspiração no texto original ao mesmo tempo em que tecem uma narrativa autêntica ao redor de um novo personagem.
“Se eu fosse britânico, teria dito James Bond, mas já que sou francês, eu disse Lupin. Ele é divertido, é esperto, ele rouba, está sempre cercado de mulheres. Além do que, ele é um personagem que interpreta personagens. Para um ator, ele é o melhor.”
- Omar Sy, sobre porque gostaria de interpretar Lupin.
Apesar de Lupin ser um personagem icônico da literatura francesa, a série faz um bom trabalho ao apresentar suas histórias e o que faz delas serem atemporais para os leigos sem precisar dar um sumário detalhado. Nós nos importamos com elas independentemente de as conhecermos ou não, porque Assane se importa com elas.
Assane, diferente de Arsène, é filho de um imigrante senegalês que vem até a França quando é novo, mas que é separado de seu pai através de circunstâncias suspeitas. Deixando-o apenas com um livro do “ladrão de casaca” que acaba inspirando não apenas os roubos, mas toda a vida do filho.
A série também incita discussões sobre raça e classe ao longo de sua duração, deixando claro o espaço que Assane, um homem negro, ocupa dentro da sociedade francesa. Ele é constantemente posto em oposição à antagonistas brancos e afluentes que fazem suposições baseadas na cor de sua pele e que o próprio Assane usa para pegá-los de surpresa.
E Omar Sy veste esse personagem multifacetado como ninguém. O carisma do ator é o que carrega a série para frente com seu jeito suave e adaptativo. Como Lupin, Assane é um mestre dos disfarces, mas isso não se limita a maquiagens intrincadas e figurinos complexos: quando ele muda de persona, todos os seus trejeitos mudam, da maneira que ele caminha por determinados espaços até a maneira com que ele olha para as pessoas que os ocupam. A transformação é total, e é também como a audiência nunca conhece completamente o personagem, que permanece surpreendente até o último episódio.
Infelizmente, esse episódio chega depressa. Com apenas cinco capítulos, a primeira parte da série apresenta o seu herói muito bem e introduz arcos narrativos promissores, mas nada muito além disso. Os poucos personagens secundários desenvolvidos servem sempre à história de Assane e nunca roubam o holofote. É evidente que Lupin guarda suas cartas para futuras partes, mas é impossível terminá-la sem sentir que seria possível fechar essa temporada de maneira mais satisfatória com mais episódios.
O carro chefe de cada um deles é sem dúvidas a interpretação de Omar Sy aliada a execução de um plano elaborado e Lupin se sobressai nos dois pontos: é extremamente divertido ver os métodos que Assane encontra para resolver os problemas de um esquema enquanto tentamos ficar um passo à sua frente. Com a exceção de um detalhe cartunesco ou outro, todas as execuções fazem sentido e respeitam a inteligência da audiência, apresentando efetivamente suas soluções de maneiras coesas e inteligentes.
Como evidenciado por basicamente todo filme de roubo já feito, é incrivelmente satisfatório ver pessoas altamente competentes e carismáticas executando perfeitamente suas ideias e se adaptando às dificuldades ao longo do caminho. O mesmo conceito se aplica em diferentes gêneros: é o mesmo motivo pelo qual a audiência gravita ao redor da assassina Villanelle e a premiada performance de Jodie Comer em Killing Eve, por exemplo. Não é coincidência que Lupin tenha sido criada por um dos roteiristas da série de Sandra Oh, George Kay.
Lupin entende esse fascínio, entregando uma narrativa construída ao redor desse personagem e desses momentos sem limitar o escopo de sua história que, apesar de curta, promete um futuro brilhante. Com uma performance central hipnotizante e assaltos ousados contra o establishment francês, não há razão para duvidar que esse futuro se concretize.
Dê uma chance e Lupin irá roubar seu coração.