Gabriel Leite Ferreira
Lady Bird pode parecer um nome deslocado no Oscar 2018. Em um ambiente dominado por veteranos, a estreia da atriz Greta Gerwig como diretora não inspira tanta confiança quanto seus concorrentes. A aposta em uma atriz em ascensão para a protagonista também parece pouco ambiciosa. É um filme simples, na trama e na execução. Seria o suficiente para levar o prêmio mais cobiçado da noite?
Simplicidade e suficiência são as partes cruciais do longa. Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan) está no último ano do ensino médio na escola católica de Sacramento, Califórnia, e anseia por abandonar sua cidadezinha o mais rápido possível. Situação extremamente comum que ganha contornos profundos já no primeiro diálogo do filme, uma das várias discussões entre Lady Bird e sua mãe, Marion (Laurie Metcalf). A filha deseja estudar nas metrópoles da costa leste dos Estados Unidos e a mãe receia não ter condições de arcar com as despesas.
Lady Bird é uma protagonista e tanto. Arrogante e insegura, a personagem de Ronan cativa desde o princípio pela inteligência ácida e rebeldia irreverente. O nome que ela se atribuiu – “Foi dado por mim a mim” – é metáfora mais para sua personalidade romântica, pouco preocupada com questões práticas da vida adulta (principalmente de ordem econômica), do que para sua suposta vontade mortal de sair da casa dos pais. “Você claramente ama Sacramento”, diz a freira Sarah (Lois Smith) em uma passagem. Ela dá de ombros.
Essa má vontade não a impede de viver os pequenos prazeres da adolescência, isto é, as amizades, o teatro do colégio, os crushes, as festas e, claro, as drogas. Junto com o colégio católico, o teatro fornece o pano de fundo da trama: é onde ela conhece Danny (Lucas Hedges) e dá vazão a seu talento performático. Referência à própria Ronan, que estreou no cinema em 2003 e conquistou fama apenas recentemente. Esses elementos dão um clima leve ao filme, um alívio dos conflitos internos e externos que ela vive em casa.
As constantes batalhas entre a mãe durona e a filha sonhadora seriam cansativas não fossem as diversas nuances das interpretações. Gerwig não estereotipa. A personagem de Metcalf tem a cara fechada, o semblante cansado, a sequidão nas palavras, mas não é uma vilã. Quando Lady Bird a indaga sobre sua dureza, a resposta é direta e tocante: “Minha mãe era alcoólatra”. O lado mais inconsequente do embate é o da filha, tão autocentrada a ponto de não conseguir ser empática com os pais. Mais fácil pregar que sua mãe a odeia – clássico drama adolescente, mas com uma pontinha de justiça. A dificuldade de Marion em mostrar seus sentimentos pela caçula é por vezes dolorosa, porém compreensível levando-se em conta a batalha que é sustentar dois filhos, uma agregada e um marido desempregado. Em suma, nenhuma delas é suficientemente amável uma com a outra. O pai (Tracy Letts) sentencia: “Vocês duas tem um gênio muito forte.”
O retrato da família McPherson é o grande diferencial de Lady Bird em relação a outras tramas adolescentes. Clássicos como Curtindo a vida adoidado e Clube dos cinco, ou até mesmo os contemporâneos Juno e As vantagens de ser invisível não apresentam tanta preocupação com detalhes. O humor é mais privilegiado que a complexidade e o saldo final deixa a desejar. O filme de Gerwig também faz uso do humor em diversas ocasiões – tanto que conquistou o Globo de Ouro de Melhor Comédia ou Musical –, mas não se limita a isso. Como um bom coming-of-age, a personagem se perde e se encontra sucessivamente, por culpa própria ou pela força das circunstâncias.
É essa sua grande crise: descobrir sua identidade em meio a circunstâncias que pouco lhe agradam. Sua vida confortável é fruto de muito trabalho e ela, como caçula mimada, não demonstra gratidão e prefere criticar a mãe e a cidade, seus bodes expiatórios favoritos. Isso se reflete em más decisões – notas ruins, brigas com a melhor amiga Julie (Beanie Feldstein), amizades duvidosas – que cobram seu preço e servem de aprendizado. Kyle (Timothée Chalamet) e Jenna (Odeya Rush), pessoas a quem ela se volta em seu momento de maior rebeldia, fazem parte da tribo mais popular do colégio (não por acaso, as personagens mais simplistas). Ela tenta adentrar o círculo social mascarando sua personalidade, o que obviamente dá errado. A redenção é previsível: Lady Bird e Julie fazem as pazes, e ela entra de volta nos trilhos por tempo determinado.
Essa previsibilidade do enredo é o principal alvo das poucas críticas negativas. É, sim, um filme simples, com uma narrativa por vezes digna de clássicos da Sessão da Tarde, o que passa longe de ser característica negativa. Gerwig optou por um roteiro fluido, que casualmente lida com assuntos espinhosos como depressão e homossexualidade sem sacrificar a atuação espirituosa de Saoirse Ronan – dentre as candidatas a Melhor Atriz, é provável que ela perca apenas para Frances McDormand (Três Anúncios Para um Crime) e Sally Hawkins (A Forma da Água). Até mesmo a ambientação do longa – a cidade pequena e o colégio conservador – serve à protagonista, sua visão de mundo ao mesmo tempo limitada e ambiciosa e seu romantismo teimoso diante das pancadas da vida. Afinal, o público-alvo são os adolescentes, e a moral da história é uma só: vai dar tudo certo.
Lady Bird não é mesmo um filme suficiente. A trama é transicional, a protagonista se perde em suas convicções precárias, a mãe sofre calada por sua amargura. O roteiro não lida diretamente com nenhuma pauta especialmente em voga. A sensação de insuficiência permeia o longa até os momentos finais, pois o ser humano não é sempre suficiente. Gerwig é ciente disso e faz o que está ao seu alcance, ou seja, esmiuçar essas insuficiências de maneira simples e acessível. E isso, acreditem, é muito.