Jamily Rigonatto
Hebe Maria Monteiro de Camargo foi uma personalidade autêntica, sua alegria e carisma marcaram a história da comunicação e da televisão brasileira. Em homenagem ao impacto da apresentadora, a minissérie Hebe, que segue a linha de projetos como Maysa e Dercy de verdade, foi lançada para a plataforma Globoplay em julho deste ano.
A obra conta com 10 capítulos escritos por Carolina Kotscho, e é uma extensão da produção cinematográfica Hebe – A Estrela do Brasil. Em um recorte mais focado na vida da artista, a série se conecta à sua pessoalidade e intimidade, desde a juventude até a trágica morte para o câncer em 2012.
Nos primeiros minutos da produção, a representação da Hebe já demonstra a força de seus posicionamentos. Em cenas do programa ao vivo, a apresentadora se impõe sobre temas que contrariam a censura pós-ditadura e geram polêmica, como é o caso das pautas LGBTs e feministas. Esse traço de personalidade irreverente permeia toda a trama e se mantém bem aproveitado dentro da não-linearidade escolhida para contar a história.
Em momentos que retratam a adolescência e a juventude de Hebe, a audácia da personagem também é inegável. Desde muito nova, ser do interior de São Paulo ou ter sotaque caipira não a impedem de ser corajosa e ousada. Ao longo da narrativa, isso se mostra um aspecto positivo que a ajudou a construir sua carreira, mas, em contraponto, a fragilidade que a artista não deixa transparecer se insere de forma suave nas suas expressões e momentos íntimos.
Outra faceta interessante e muito explorada pela minissérie é a música como grande motivadora da carreira de Hebe. Ainda na juventude, o canto a ajuda a começar a conquistar relevância, e a mistura da música e da personalidade da personagem é bastante significativa para a produção. Em uma das cenas de destaque, ela é intimidada para conseguir ser cantora de boate, e é esse tipo de atitude que explicita bem quem é Hebe.
Relacionamentos e amizades também são trabalhados no enredo, e se Hebe era tão apaixonada pela vida, não seria menos pelo amor. Ao longo da história é explorado que a mesma essência que a faz ganhar o Brasil, de certa forma, atrapalha seus relacionamentos amorosos. Ela nunca desiste do amor, mas enfrenta relações desastrosas que trazem muita frustração.
O machismo da época não via com bons olhos uma mulher tão livre quanto a apresentadora, e os homens que passaram por sua vida não foram diferentes. Em seus relacionamentos, ela vive situações abusivas, com parceiros controladores e até agressivos. Com Lélio Ravagnani (Marco Ricca), o segundo marido e grande amor, ela também é vítima de atitudes impulsivas e violentas. Apesar de terem vivido juntos um casamento de quase três décadas, o marido se mostra extremamente incomodado com a carreira da apresentadora, e isso causa muita instabilidade.
Por outro lado, nas amizades o cenário era diferente, o carisma de Hebe conquistou não só o público como muitas pessoas que passaram por sua vida. Isso fica claro com a representação das relações dela com convidados, nas cenas em que aparece festejando e comemorando com amigos, e até na convivência afetuosa que tem com o filho (Caio Horowicz) e com o sobrinho (Danton Mello).
As atuações da série praticamente não tem falhas, a escolha do elenco foi muito bem feita e conseguiu dar vida à história da maneira correta. Valentina Herszage interpreta perfeitamente uma versão mais jovem da Hebe, ela se parece fisicamente com a artista da vida real e consegue transmitir o roteiro de forma equilibrada e emocionante. A música é muito presente nessa fase de 14 a 25 anos e a atriz encarna muito bem a cantora Hebe, tem controle de sotaque e os gestos da apresentadora também aparecem na medida certa.
A transição entre a versão menos e a mais experiente também não peca, com a falta de semelhança física entre Valentina e Andréa Beltrão sendo suprida pela atuação. As atrizes não deixam de levar a mesma Hebe ao público em nenhum momento, e, muitas vezes, é visível que elas fazem os mesmos gestos ou risada. As mudanças ficam integradas na maturidade e evolução da representação, mas a ligação construída entre as atrizes e a própria Hebe permanece.
Andréa Beltrão dá um show à parte, decepcionando quem esperava que ela fosse ser cômica demais para a personagem, ou ainda que fosse a escolha errada pela aparência. A atriz entregou Hebe como se tivesse nascido para o papel, acertando dos trejeitos às gargalhadas. Todo o dinamismo, a alegria e o drama, foram encaixados sem exageros e com uma interpretação brilhante. Em diversos momentos é fácil esquecer que Andréa não é a verdadeira apresentadora em carne e osso, e a caracterização contribuiu com ótimas escolhas de figurinos, joias e maquiagem.
A atuação não passou despercebida, e a série foi indicada para o prêmio Emmy Internacional 2020. Andréa estava na lista de concorrentes a Melhor Atriz, mas perdeu para a britânica Glenda Jackson. A premiação ocorreu hoje, dia 23 de novembro, e teve produções brasileiras em destaque, com 7 indicações nacionais concorrendo entre as 11 categorias principais. Além de Hebe, a Globo emplacou mais duas obras, a novela Órfãos da Terra, que levou a estatueta, e a também minissérie, Elis – Viver é melhor que sonhar.
Entre os pontos negativos da produção, os cortes temporais e flashbacks poderiam ter sido introduzidos com mais fluidez. Muitas vezes essas passagens de um momento a outro são muito rápidas e causam certa confusão sobre o tempo em que os acontecimentos estão se passando. Assim, Hebe se torna o tipo de série que precisa de atenção aos detalhes para que os contextos não sejam perdidos.
Os exageros do roteiro também poderiam ser medidos de outra maneira. A tática de juntar momentos marcantes que aconteceram em dias diferentes comove e causa impacto, mas, nesse caso, explorar demais isso tornou alguns episódios mais agitados do que deveriam. A classificação da obra enquanto ficção permite essas mudanças, mas trazer mais leveza no lugar de episódios abarrotados de muitos acontecimentos teria sido interessante.
As pequenas imperfeições não impedem Hebe de ser um belíssimo trabalho que cumpre muito bem sua proposta, o resultado é ótimo e melhora tudo que nos foi apresentado no filme. Hebe é o tipo de minissérie que todo brasileiro que já sentou na frente da televisão e ficou encantado pela energia da apresentadora deveria assistir, a história encanta pela lembrança e pela emoção de resgatar a vida e a despedida da mulher que tanto significa para a mídia brasileira.