Felipe Nunes
No auge da juventude, Harry Potter e a Câmara Secreta completa seus 20 anos de idade. Responsável por dar continuidade ao sucesso estrondoso de seu antecessor, Harry Potter e a Pedra Filosofal, que apresentou o mundo mágico de Hogwarts aos telespectadores livres de magia, os apelidados ‘trouxas’, o longa-metragem manteve as características infantis, fantasiosas e misteriosas presentes no primeiro filme. Dessa vez, a obra conta sobre o segundo ano estudantil do famoso bruxo Harry Potter (Daniel Radcliffe) na escola de feitiçaria de Alvo Dumbledore (Richard Harris).
Os primeiros momentos da produção são carregados pela mágica que tanto encanta o público fã do universo desenvolvido pela Warner Bros. Bruxos voando em vassouras, criaturas místicas, monstros assustadores e muitos feitiços acompanham as narrativas impressionantes construídas no segundo longa. No meio de todo esse encantamento, o enredo central é explorado com a abertura da Câmara Secreta, a qual, segundo as lendas contadas nos pátios de Hogwarts, aprisiona um dos seres mais temidos de todo o mundo bruxo: o Basilisco.
Contudo, até que essa história se confirme, as dúvidas atormentam não somente os personagens, mas também os espectadores. O mistério é uma das grandes apostas da obra, que, embora carregue um aspecto infantilizado no roteiro de Steve Kloves, prende a atenção nos desdobramentos amedrontadores aos alunos e professores da escola. Afinal de contas, todos querem saber quem é o autor dos ataques que deixaram Hermione Granger (Emma Watson), o fantasma Nick Quase Sem Cabeça (John Cleese) e até mesmo a gata Madame Nora petrificados.
Lançado em 2002, o filme tem a direção de Chris Columbus – o mesmo diretor de Harry Potter e a Pedra Filosofal – e é marcado pela qualidade dos efeitos especiais, considerados de alto nível levando em conta a tecnologia da época. Por isso, as duas primeiras produções carregam tantas semelhanças que se desfazem em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban e nas outras sequências cinematográficas da saga, desde a composição das narrativas até outros aspectos, como a trilha sonora, a adaptação do roteiro e a própria atuação do elenco.
Em Harry Potter e a Câmara Secreta, a proximidade dos intérpretes com os personagens é explícita. Emma Watson, Daniel Radcliffe e Rupert Grint nasceram para vivenciarem Hermione, Harry e Rony, respectivamente. A seleção do elenco foi certeira e, neste filme especificamente, a conexão entre os atores é nítida. Como protagonistas, o trio sustenta todos os arcos apresentados. O tempo de tela é bem dividido e, ainda que Harry seja o centro das atenções, Hermione e Rony também ganham destaque e mostram que somente unidos eles conseguem vencer os monstros e vilões que assombram os bruxos e os trouxas.
Além da dinâmica trabalhada com os personagens já conhecidos, novas histórias são apresentadas nas telonas. O segundo filme é a porta de entrada de figuras inesquecíveis. É aqui que somos apresentados ao famoso elfo Dobby, dublado por Toby Jones, uma das personalidades mais queridas entre o público. No longa, ele é o autor de todos os obstáculos que Harry enfrenta ao voltar para Hogwarts – que, para o bruxinho, já não é mais uma escola e sim um lar. Em meio às travessuras de Dobby, Lúcio Malfoy (Jason Isaacs) também é apresentado como o senhor do elfo, não poupando as crueldades para seu servo e fazendo jus à paternidade de Draco Malfoy (Tom Felton).
Nesse clima de apresentações, também chega a vez da chorona Murta que Geme (Shirley Henderson) ajudar o trio e deixar claro que não está ali apenas para chorar – embora ela faça isso em todas as cenas que aparece. Dessa forma, ainda que seja exageradamente dramática, é através de Murta que Hermione é socorrida depois de um erro na Poção Polissuco e que Harry e Rony encontram a Câmara Secreta. Outra aparição que não poderia deixar de ser comentada é sobre aquele que, naquela época, não deveria ser nomeado. Pela primeira vez, a história do tenebroso Voldemort é contada com mais detalhes.
Lord Voldemort (Christian Coulson) tem uma de suas primeiras revelações: Tom Riddle é seu verdadeiro nome. Com um diário, que no futuro é mostrado como uma Horcrux, Harry visita o passado de Tom e, sem saber que ele é o temível vilão, descobre sobre a possível primeira abertura da Câmara Secreta, e sobre a punição que deixou Hagrid (Robbie Coltrane) sem sua varinha – o maior medo de qualquer bruxo. Isso porque o guarda-caça foi culpabilizado pelos transtornos no castelo quando, na verdade, todas as artimanhas haviam sido feitas por Riddle.
Em meio a descobertas sobre o passado de Hogwarts, a cultura do mundo bruxo é contada aos espectadores. Pó de Flu, mandrágoras, carros voadores, monstros, poções de transformação corpórea e muitos feitiços são responsáveis por aprofundar a magia no segundo filme da saga e enfatizar que os detalhes cinematográficos nunca serão os mesmos dos livros. A adaptação do texto é uma das maiores dificuldades em obras audiovisuais criadas a partir de livros e nas produções de J.K. Rowling isso não é diferente. Condensar todos os acontecimentos do segundo livro em uma única adaptação deixou muitos pontos soltos ao vento, sem desenvolvimento e sem desfecho.
Ação e fantasia quase se equilibram e, por isso, suavizam as lacunas das narrativas. Porém, como temos um ‘quase’ entre esses gêneros, isso significa que os elementos não são o suficiente para impedirem que a sensação de correria se mantenha presente no longa. A relação entre Potter ser ofidioglota – ter a habilidade de se comunicar com cobras – e sua cicatriz, os presságios que pareciam rotulá-lo como o herdeiro de Salazar Slytherin e os motivos que o fazem não ser da Sonserina pertencem aos segmentos que não foram desenvolvidos e escancaram o descuido com o roteiro. O conforto de já ter apresentado grande parte dos personagens em Harry Potter e a Pedra Filosofal contribuiu com essa despreocupação em não concluir arcos que foram expostos e que mereciam atenção.
Nas polêmicas que cercam a obra, é impossível não associar os posicionamentos transfóbicos da autora que deu vida ao universo mágico, os quais foram responsáveis por afastá-la do elenco principal. Nem mesmo no especial que reuniu a equipe nos 20 anos de Harry Potter, ela compareceu. J.K Rowling age na contramão da saga que ela mesmo criou. Se pelo lado ficcional temos uma história repleta de inclusão que prega a harmonia e a diversidade entre bruxos, monstros e trouxas, pelo lado real que transcende os livros e filmes temos uma autora que difunde preconceitos e suja a própria produção.
Sob a direção de Columbus e o roteiro assinado por Steve Kloves, Harry Potter e a Câmara Secreta completa 20 anos de lançamento como uma obra nostálgica, ótima de assistir e ainda mais deliciosa de se rever. É a sensação de tomar o sorvete preferido da infância em um dia feliz e ensolarado. Formado por um elenco magistral, a sequência expande o universo dos bruxos, apresenta novos personagens e reforça o poder que a amizade tem em ultrapassar qualquer feitiço ou maldição.