Laura Hirata-Vale
Depois do sucesso de Entre Facas e Segredos (2019), Rian Johnson fez seu retorno às telonas com mais um whodunnit, o longa Glass Onion: Um Mistério Knives Out. A franquia foi adquirida pela Netflix após o triunfo do primeiro filme, o que fez com que a segunda produção fosse esperada ansiosamente pelos fãs. O elenco foi repaginado, mas continua tendo nomes de peso como Kate Hudson, Kathryn Hahn e Janelle Monáe integrando a produção. Em meio às novidades, Daniel Craig retorna ao papel do investigador particular Benoit Blanc.
A história começa em Março de 2020, logo no início da pandemia causada pela covid-19, quando todos estavam tentando entender o período de isolamento. Claire Debella (Kathryn Hahn), Birdie Jay (Kate Hudson), Lionel Toussaint (Leslie Odom Jr.), Duke Cody (Dave Bautista) e Andi Brand (Janelle Monáe) recebem, respectivamente, uma caixa misteriosa do bilionário Miles Bron (Edward Norton). Após uma série de desafios e pequenos códigos, um convite para um fim de semana em uma ilha particular é revelado, para jogarem o jogo Detetive em tamanho real e investigarem a morte fake de Bron. Porém, depois de um apagão, um falecimento realmente acontece e o grupo é obrigado a buscar o culpado.
Glass Onion arrisca superar a produção que o antecede, mas acaba falhando na tarefa. É uma produção cheia de detalhes e pequenas reviravoltas, que fazem o filme ter uma falsa grandiosidade: são muitas minuciosidades, que, ao invés de ajudarem o espectador a entender o longa, só o confunde. É realmente igual uma cebola que possui muitas camadas – porém, todas elas são transparentes e se quebram na virada de chave do longa, deixando claro quem é o culpado. Enquanto Entre Facas e Segredos possui plot twists na medida certa, Glass Onion apresenta muitos e desnecessários, fazendo com que as mais de duas horas de duração se tornem cansativas e maçantes.
Além disso, a obra tenta, de uma determinada forma, fazer uma crítica sobre pessoas que desobedeceram a quarentena e o isolamento social. Mas, por causa dos tantos outros pontos trabalhados durante os seus 139 minutos – como as minuciosidades presentes em suas cenas –, acaba fracassando. Quando comparado com seu antecessor, é possível perceber que muitos dos temas tratados continuam os mesmos, como Rian Johnson retornando com suas opiniões sobre riquezas e privilégios. Porém, distingue-se do primeiro ao possuir posições mais fortes, por tratar de imigração, preconceito e desigualdades de forma mais dura.
A série adquiriu um novo tom por causa de sua troca de cenários. Entre Facas e Segredos, gravado entre os meses de Novembro e Dezembro, tinha como ambiente principal o estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, e por isso, havia uma tendência a cores frias e pálidas, junto a iluminações mais sombrias, retratando bem o outono do Hemisfério Norte. Já as filmagens de Glass Onion, realizadas no verão grego, fazem com que a fotografia – feita por Steve Yedlin – seja solar, com cores quentes e bem saturadas. Por isso, o filme possui uma energia menos soturna e mais otimista.
Assim como o primeiro, as personalidades retratadas são extremamente estereotipadas. Indo de Miles Bron, bilionário que não sabe a localização exata de sua ilha particular, passando por Duke Cody, um streamer que produz conteúdos sensacionalistas e machistas, até chegar em Birdie Jay, uma influencer de falas e ações polêmicas. Os novos nomes do elenco contribuíram para a mudança de ares da franquia, no entanto, mesmo que as atuações sejam boas, as histórias de seus personagens inéditos são rasas, e não se aprofundam tanto quanto as do primeiro filme. Os backgrounds possuem vários vai-e-vens, tornando a narrativa difícil de acompanhar.
Rian Johnson, no segundo capítulo da franquia, volta a mostrar como é influenciado pela literatura de Agatha Christie. O filme é como uma grande homenagem à Rainha do Crime, por possuir um roteiro muito parecido com o livro Convite para um homicídio, lançado em 1972, por causa das invocações misteriosas, apagões repentinos e mortes no escuro. Além disso, uma das propostas das histórias da autora era sempre apresentar um novo núcleo de personagens, sempre com um detetive constante, assim como acontece em Knives Out.
Assim como o primogênito da franquia Knives Out, a “Cebola de Vidro” também concorre a uma estatueta no Oscar. Entre Facas e Segredos foi indicado, em 2020, à categoria de Melhor Roteiro Original; Glass Onion, por sua vez, concorre a Melhor Roteiro Adaptado. A razão da mudança de categoria são as regras da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: quando um filme é derivado, uma sequência ou uma prequela de outro, o roteiro é considerado uma adaptação de uma ideia já existente, e não uma criação original. O primeiro longa foi vencido pelo grande Parasita, e, neste ano, o irmão mais novo compete com Nada de Novo no Front e Top Gun: Maverick.
Rian Johnson, repetindo o feito do primeiro filme, ocupa o lugar de diretor e roteirista de Glass Onion. Outra semelhança com Entre Facas e Segredos é a presença de Nathan Johnson no comando da trilha sonora, que possui notas musicais instigantes, cheias de enigmas e incógnitas; além de incluir músicas famosas, como Starman, de David Bowie, e Mona Lisa, na voz de Nat King Cole. A fotografia, por sua vez, ficou nas mãos de Steve Yedlin, responsável também por Carrie (2013) e Star Wars: Os Últimos Jedi (2017).
Glass Onion é um filme denso, e mesmo sendo dinâmico, se torna morno e lento pelo excesso de detalhes. É um longa que tem um complexo de grandeza, tentando – sem êxito – superar o seu irmão mais velho. A produção é misteriosa, é perfeita para quando se precisa de um passatempo em formato de quebra-cabeça. Porém, pode-se dizer que Benoit Blanc, o detetive dos dois casos, não mereceu a decaída de qualidade do crime; e o que merecia mesmo, era ter ficado somente no tempo-espaço do primeiro capítulo da franquia.