Nathalia Tetzner
Dois pilotos competindo no limite da capacidade humana, em uma disputa eletrizante que a Fórmula 1 não proporcionava aos torcedores há anos. O que poderia dar errado na tão esperada 4ª temporada do seu seriado documental na Netflix? Tudo. Fazendo jus ao resultado de 2021 da categoria mais cobiçada do automobilismo, F1: Dirigir Para Viver fornece uma visão arquitetada dos eventos que marcaram o esporte para sempre. Para não colocar a culpa inteira sob a produção, os fãs criaram uma expectativa imensa que, por si só, já seria difícil de alcançar.
Um dos principais personagens dos bastidores desde os primórdios da série, Christian Horner, chefe de equipe Red Bull, ganhou ainda mais tempo de tela. Porém, se engana quem acreditou que ele se limitaria a falar sobre o seu pupilo Max Verstappen finalmente tendo a chance de lutar pelo título de Campeão do Mundo, ao lado de Lewis Hamilton. Dessa vez, ele foi o grande narrador dos episódios e o criador da realidade paralela da ‘intensa rivalidade interna’ entre Daniel Ricciardo e Lando Norris. Fonte? As vozes da cabeça de Horner, já que os pilotos da McLaren até debocharam da situação.
A verdade é que o inimigo de Ricciardo e Norris vestia vermelho e abusava de um motor mais potente que o deles: a Ferrari chegou para disputar o terceiro lugar do Campeonato de Construtores. Levando em conta o prêmio em dinheiro, recompensa pelo resultado, é nítido que a única briga da equipe de cor mamão-papaia seria com os dois carros italianos na pista. Certo? Errado. A 4ª temporada de F1: Dirigir Para Viver escolheu enfatizar um enredo imaginário, no qual o sofrimento de Daniel Ricciardo entristece quem já está acostumado com o sorriso largo do australiano.
O segundo episódio, Ás na manga, é difícil de digerir e aceitar. A montagem passou belos 30 minutos criando uma atmosfera que tendia a atingir seu êxtase a qualquer momento. Não foi isso que aconteceu. A realidade nua e crua é que o ápice só foi retomado em Sobrevivendo, depois de dois capítulos sobre assuntos completamente desconexos. Nos resta imaginar o quão emocionante seria poder assistir, de forma coesa, a trajetória da McLaren até a sua dobradinha no Grande Prêmio da Itália e a redenção de Ricciardo nos momentos finais.
Se o Campeonato de Construtores dita quais equipes terão os maiores recursos para montarem os melhores carros do grid, o Campeonato de Pilotos é o que atrai a maior atenção dos fãs e das mídias. O embate entre Lewis Hamilton, sete vezes Campeão do Mundo, e Max Verstappen, sete anos em busca da chance de também entrar para a história do esporte, foi abordado da maneira mais confusa possível pela série da Netflix. Citando múltiplas vezes os circuitos do Bahrein, da Hungria e de Mônaco, grande parte das corridas decisivas apareceram por poucos segundos.
Além disso, a falta do ponto de vista de Verstappen é quase um pecado para um documentário sobre o ano de 2021 da Fórmula 1. O piloto holandês se recusou a ser entrevistado pela produção depois de três anos sendo pintado como vilão: “Eles falsificaram algumas rivalidades que na verdade não existem. Então, eu decidi não fazer parte disso e não dei mais entrevistas depois disso, porque então não há nada que você possa mostrar”, afirmou. Enquanto ele e Hamilton davam tudo de si em velocidades altíssimas, os seus respectivos chefes de equipe estrelavam um circo nos bastidores.
Característica original de F1: Dirigir Para Viver, a ultrapassagem dos limites da pista para abordar a política do automobilismo sempre foi o ponto forte da série. No seu quarto ano de exibição, as incontáveis cenas de Christian Horner andando a cavalo com a sua esposa e de Toto Wolff, o chefe da equipe Mercedes, aproveitando um café da manhã com a família, fazem parecer uma tentativa desnecessária de humanizar dois lados opostos. De início, é interessante observar o atrito entre eles, no entanto, se torna extremamente cansativo ouvi-los bater na mesma tecla durante grande parte do tempo.
Caras e bocas direcionadas para as câmeras durante a corrida, como dois verdadeiros showmen, declarações polêmicas para a imprensa e um sorriso sarcástico a cada vez que subiram ao pódio. Embora Horner e Wolff tenham sido, de fato, a maior rivalidade do paddock, não foram os únicos competidores dentro e fora da pista. Sequer foram eles que cederam a maior quantidade de suor pela ascensão das suas respectivas equipes. Estrela do melhor episódio da 4ª temporada, Uma montanha para escalar, Günther Steiner foi quem mais se sacrificou em acordos externos para tentar ressuscitar a Haas.
Para falar da sua trajetória, Steiner não levou a equipe de filmagem para uma fazenda ou uma mansão – ele a levou para escalar uma montanha. No sentido literal e figurado, a Haas fez de tudo para subir no Campeonato de Construtores e sair da última colocação. Alívio cômico desde a 1ª temporada, Steiner enfrentou os apuros e os sufocos de liderar o time norte-americano, com muito sarcasmo, provando que F1: Dirigir Para Viver acertou em acompanhar todas as medidas arriscadas tomadas por ele.
O público também pôde descobrir que a estreia de dois novos pilotos na direção da Haas, Mick Schumacher (o sobrenome já diz tudo) e Nikita Mazepin (herdeiro de uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo), não foi o seu maior ato de desespero: o time topou tudo por dinheiro e posou para catálogos de vendas, desde saunas até barcos de brinquedo. Momentos engraçados à parte, a sequência de episódios Algo a provar, Dores de crescimento e Dança com Wolff resumem o melhor da conquista de George Russell ao pontuar com a Williams, a pressão sob os pilotos jovens e o desejo de todos pela vaga de Valtteri Bottas na Mercedes.
A banda sueca ABBA já dizia: o vencedor leva tudo. No passado, Christian Horner era quem acabava com sangue nos olhos. Hoje, a vestimenta preta e o olhar sombrio contam que Toto Wolff teve a sua própria ‘história de origem de vilão’. Em 2021, Lewis Hamilton e Max Verstappen mereciam um final de temporada justo, assim como os fãs do documentário da Fórmula 1, que deveriam ter sido contemplados com uma 4ª temporada bem menos arquitetada. Verstappen foi coroado Campeão do Mundo pela consequência de uma decisão (no mínimo) controversa do diretor de prova Michael Masi. F1: Dirigir Para Viver foi presenteada com um enredo dos sonhos, porém, não trouxe o espírito natural e emocionante dos seus anos anteriores.
Sendo mais apoiada na expectativa do que na entrega, a montagem rápida e confusa não superou o ápice atingido pela 3ª temporada. Entre tantos assuntos não abordados e que fizeram falta, a Aston Martin, a aposentadoria de Kimi Räikkönen, a reviravolta de Hamilton em Interlagos e o Campeonato de Ultrapassagens teriam sido boas adições à narrativa. Já passou da hora de bater o martelo: você, F1: Dirigir Para Viver, poderia ser o grande vencedor e levar todas as honras por exibir um ano histórico para o esporte. Porém, se perdeu e, para retornar ao topo, terá que correr muito.