Isabella Siqueira
Seguir com a qualidade após uma ótima temporada é difícil, saciar as expectativas do público sem perder a essência era a intenção da segunda temporada de Expresso do Amanhã (tradução do original Snowpiercer). Mas, apesar das tentativas, o novo ciclo da obra de ficção científica conseguiu apenas ficar estagnado no tédio. Infelizmente, a produção da TNT, que foi lançada semanalmente pela Netflix e terminou no final de março, não faz jus ao final incrível de sua última revolução.
A segunda temporada da série optou por uma linha diferente da original da HQ francesa chamada O Perfuraneve, e do filme de 2013, dirigido pelo incrível Bong Joon-Ho. Agora, a recente descoberta do descongelamento da Terra, um clichê óbvio, mas compreensível, e o aparecimento de um novo vilão são as notícias mais recentes do trem de 1.001 vagões.
Após a conturbada revolta elaborada em conjunto por diferentes classes, e que terminou com a vitória da democracia, liderada pelo idealista Andre Layton, (Daveed Diggs), uma nova era chegou para o Snowpiercer. Mas, o que ninguém esperava era a volta do misterioso Sr. Wilford, vivido pelo experiente Sean Bean, que traz uma nova onda de problemas para os revolucionários de plantão. Esses são obrigados a encarar uma convivência problemática com o trem de recursos Big Alice, e a pausar indefinidamente as eleições prometidas.
Apesar da ideia ousada e bem clichê, claramente a escolha foi a melhor para a história, já que era impossível seguir eternamente no conflito Fundistas versus Primeira Classe. Contudo, o problema está na forma com que essa temporada se desenvolveu, já que ela perde o ritmo e entrega apenas tramas paralelas sem sal. Além disso, a característica mágica do trem do futuro é deixado de lado pela produção, que não se importou mais em mostrar as inovações tecnológicas que garantem a subsistência dos poucos sobreviventes do congelamento.
Mas, o verdadeiro erro da produção foi ter dispensado seu maior trunfo, que é interpretado pela sensacional Jennifer Connelly. A saída de Melanie Cavill, a verdadeira protagonista, terminou de enterrar a série, sendo difícil aturar os episódios sem a presença da maquinista principal. Por ser Melanie a única capaz de estudar o descongelamento do planeta, a nova rivalidade política acontece entre Wilford e Layton, que nem de longe possuem a esperteza da dona (e construtora) do Snowpiercer.
Diferente das séries originais da Netflix, cujas temporadas são lançadas na íntegra, a disponibilização semanal era um dos pontos positivos de Expresso do Amanhã, já que se assemelhava a uma faísca de esperança, mas, diferente da primeira temporada, que mesmo com um começo lento conseguiu engatar um ritmo contagiante com o auge da revolução fundista, a produção não agrada nem na dose dupla de episódios liberados pelo streaming.
Apesar das falhas, a mudança nos personagens é algo a se notar na série. Uma das transformações mais críveis está em Ruth, interpretada por Alison Wright, que realizava atos cruéis para manter a ordem no trem, enquanto idolatrava cegamente o Sr. Wilford como um grande salvador. Mas, ao se deparar com as consequências e vítimas de suas ações passadas, começa a questionar o real custo da paz construída por Melanie e Wilford. Ao mesmo tempo, Roche, Chefe dos Operadores vivido por Mike O’Malley, abandona a postura neutra e começa a valorizar a figura de bom líder, refletindo sobre os anos de tirania anteriores à revolução.
Outra boa adição ao leque de personagens é a filha da Melanie. Rowan Blanchard, a eterna Riley de Girl Meets World, dá vida a jovem maquinista Alex, que foi resgatada por Wilford após a traição de sua principal aliada. A garota entra como uma das principais figuras do trem de recursos Big Alice, e apesar do tratamento frio que ela reserva para a mãe, aos poucos o relacionamento das duas revela um lado sensível da antiga vilã.
Contudo, mesmo que a série desenvolva muito bem os novos e antigos personagens, outros são completamente deixados de lado pela produção ou colocados em tramas injustas e sem sentido. Bess Till (Mickey Sumner) e Jinju Seong (Susan Park), um dos casais mais promissores formados no começo, terminam sem nenhuma explicação decente. Enquanto Josie (Katie McGuinness), uma das mártires da luta fundista, do nada é encontrada viva e prestes a se tornar a nova mulher de gelo.
Sem a mesma agitação dos momentos finais da temporada anterior, com cenas de guerra bem trabalhadas e reviravoltas chocantes, a season finale do novo ciclo foi mais sóbria. Não foram batalhas sangrentas que resolveram quem detinha o poder afinal, mas sim quem tinha mais conhecimento sobre cada peça que constituía a locomotiva eterna. Para os mocinhos do Snowpiercer, essa era a maior desvantagem, visto que Layton possuía zero conhecimento sobre o trem, e Melanie estava fora de cena.
Entre muita desestabilidade e problemas de logística que envolveram o pós-revolução, não foi uma surpresa quando a maioria dos passageiros se manifestaram em preferência ao tirano Wilford, apesar da memória recente quanto aos anos de agressão idealizadas por ele, mas aplicadas por Melanie. Por fim, fica claro que apesar da personalidade ética, moral e idealizadora de Layton, era impossível que ele conseguisse levar a tão sonhada paz ao trem. Faltava não apenas o conhecimento sobre o funcionamento da locomotiva, mas sim uma dose de sagacidade para fazer pensar sempre dois movimentos à frente de seu adversário.
Mesmo que filmadas ao mesmo tempo para gerar no público uma sensação de continuidade, a diferença entre o sucesso da primeira temporada e o fiasco dos novos episódios se dá pelo ritmo lento da produção. O sentimento de agressividade e exasperação que inflaram o trem foram perdidos, dando lugar a tramas mal encaixadas e resoluções estilo Deus ex-machina. E, ainda que tenha uma história sólida cheia de possibilidades sobre o futuro do planeta Terra, a segunda temporada de Expresso do Amanhã permanece uma ficção científica superficial.