Laís David
De cantora prodígio na Broadway, atriz da Nickelodeon até grande nome da música pop, foi quase impossível não escutar sobre Ariana Grande na última década. Entre álbuns que lideram os charts, um Grammy, múltiplos hits e turnês esgotadas, ela alcançou sucesso em tudo que se propôs. Agora, a jovem se aventura estreando na Netflix com excuse me, i love you, um show e documentário sobre a última turnê de Grande, a Sweetener World Tour.
A turnê, que durou 101 shows, passou pela América do Norte e Europa. O documentário foi gravado na arena O2 em Londres e é dividido entre os cinco atos e os momentos da semana de Ariana. Na maior parte do tempo, a obra se dedica a mostrar o show, que passeia por músicas do amado thank u, next, do introspectivo Sweetener e dos seus maiores hits de álbuns passados. Dirigido pelo veterano Paul Lugdale, nome por trás de outros live shows como o elétrico Reputation Stadium Tour de Taylor Swift e o clássico de Adele Live at Albert Hall, o longa é inferior aos outros trabalhos de Lugdale, mas ainda consegue aproximar os fãs à turnê.
O show tem um início efervescente com raindrops (an angel cried). É comum para Ariana iniciar suas turnês com intros, e aqui ela faz isso majestosamente. Sob takes da entrada da cantora no palco, a performance prepara o telespectador para um espetáculo caloroso e emocionante. Não há dúvidas que Ariana Grande é uma das maiores vocalistas de sua geração, passeando facilmente pelos whistles e alcançando notas altas em meio de coreografias elaboradas.
O primeiro ato conta com um glorioso trio de performances coreografadas. god is a woman, som recheado de referências bíblicas, Ariana homenageia Leonardo Da Vinci ao posicionar seus dançarinos em uma mesa, replicando as posições da obra A Última Ceia em uma coreografia magnética e sensual. No entanto, a música é interrompida para dar espaço a cenas do backstage, com rápidas declarações de seus dançarinos – todas as cenas parecem mais um story de Ariana do que um documentário da Netflix: momentos íntimos que não chamam atenção de um ouvinte comum.
Já as performances de bad idea e break up with your girlfriend são menos interessantes. A coreografia de break up se resume à cadeiras onde Ariana interage com seus dançarinos – o design do show, já não tão harmonioso, parece mal organizado. O ato também é escuro, e as luzes vermelhas não colaboram com o visual e desvalorizam a estrutura da obra. O que salva, é claro, é a excelente entrega de Ariana e seus famosos adlibs.
Os momentos de excuse me, i love you que documentam a vida da artista fora das performances são breves, porém sinceros e cômicos. Ariana não esconde as histórias, por mais que sejam embaraçosas. Entre o relato de seu fotógrafo passando mal enquanto ela estava conversando por FaceTime com Kristin Chenoweth à comemoração do pedido de impeachment de Donald Trump e a revelação que ela trabalharia com Mariah Carey, os momentos trazem, mesmo que pouco, a artista mais perto do telespectador.
O segundo ato começa com R.E.M., música que intitula o documentário. A melodia calma é seguida por uma performance energizante da clássica Be Alright, à là Vogue. A coreografia é memorável: aqui, Ariana entrega carisma, eloquência e ótimos vocais. O ato é um dos mais interessantes do show, principalmente pela combinação de dois de seus maiores hits, Side to Side e 7 rings.
Ariana e seus colegas de trabalho tem uma química indiscutível. Assistir ela e seus dançarinos trabalharem passa longe de ver uma relação técnica e estrita. Pelo contrário: conseguimos enxergar entre eles momentos de interação profunda, como quando Ariana Grande afirma, em lágrimas, para seus amigos: “essa turnê salvou minha vida”. É emocionante enxergar tanta amizade num ambiente que, para ela, foi por muito tempo exaustivo e traumático.
A nostalgia dos fãs assíduos é saciada no terceiro ato, que mistura seus sucessos atuais com as canções mais antigas de sua discografia. O ato também é a prova que Ariana aprecia sua própria arte, se divertindo ao cantar músicas que nunca chegaram ao topo dos charts, como You’ll Never Know, Break Your Heart Right Back e Only 1. É quase um presente aos arianators, que a acompanharam por (até então) seis álbuns e quatro turnês – e o melhor é ver o público de Grande, leal como é, cantando eletricamente até as músicas mais desconhecidas.
O que pode soar pretensioso é o ato da Netflix vender, ao menos em título e categoria, que o show seria um documentário elaborado. Diferente de obras como Miss Americana, de Taylor Swift, ou AmarElo – É Tudo Pra Ontem, do Emicida, ela não mostra nada além de flashes de sua vida: conseguimos apenas relances do que esperamos de um documentário de um grande artista. Mas, para quem já conhece o trabalho de Grande, não é surpresa que ela deixe a vida íntima longe das telas.
Não há dúvidas que Ariana Grande merece o lugar onde está na indústria musical. Sua competência e profissionalismo a colocam entre as maiores performers da sua geração. Para o ouvinte comum, excuse me, i love you foi uma experiência um tanto quanto monótona que reuniu os maiores hits da carreira da artista. Para seus fãs, a Netflix oferece o remédio certeiro que curou a abstinência de um ano sem Ariana Grande.