evermore: Taylor Swift cria suas próprias regras

Capa do álbum 'evermore' de Taylor Swift. A imagem apresenta Taylor de costas, fotografada da metade das costas para cima. Ela tem a pele branca e seus cabelos loiros, na altura do meio das costas, estão presos numa trança embutida. Ela usa uma blusa de flanela com uma estampa xadrez grande, de fundo azul bem escuro e os quadrados são laranja, amarelo e bege. Ela está de frente para um um gramado e logo à frente uma parede de árvores longas, de troncos finos e folhagens abertas. A paisagem ao fundo da imagem para onde Taylor olha está desfocada.
“Parece que estávamos na orla da floresta folclórica e tínhamos uma escolha: virar e voltar para trás ou viajar adentro da floresta dessa música” (Foto: Beth Gabarrant)

Laís David

Enquanto a população ainda estava se ajustando aos dias melancólicos de quarentena, Taylor Swift lançou folklore, seu oitavo álbum de estúdio. A atmosfera da obra capturou essencialmente o escapismo e o conforto necessário no momento da pandemia. Oscilando entre colaborações inéditas e participações de velhos amigos, ela agradou a crítica especializada e garantiu a vaga (já recorrente) na categoria de Álbum do Ano no Grammy 2021. Mas, para a Swift, isso não foi o suficiente. Assim, nasceu evermore.

Não é novidade para ouvintes mais assíduos que Taylor Swift sempre tentou ter controle de sua carreira. Entre álbuns, videoclipes e turnês, a cantora traçou seus caminhos meticulosamente, se preocupando com cada detalhe mercadológico relacionado a seu nome. Mas com evermore foi diferente.  A criatividade de Swift não foi prejudicada por planejamentos extensos ou questões comerciais relacionadas a seu álbum anterior, lançado apenas 5 meses antes do atual. “Nós não conseguimos parar de escrever músicas”, afirmou a cantora no anúncio oficial do álbum.

Ao invés do comum distanciamento entre suas eras, muito visível entre o colorido Lover e o noturno reputation, evermore é a irmã mais nova e talvez mais polida de folklore. A paleta minimalista de instrumentos combinada com letras enigmáticas e cativantes é uma extensão das histórias contadas na obra anterior: longe de ser um álbum de letras autobiográficas, é um universo mitológico de diversos personagens, histórias e narrativas.

O álbum estreou no topo da Billboard 200 com mais de 300 mil cópias (Foto: Beth Gabarrant)

Anteriormente, em sua discografia, Taylor Swift apostou em diversos colaboradores para a entrega de trabalho multiforme. Ryan Tedder, Max Martin e Shellback eram nomes comuns nos créditos da artista em seus álbuns pop. Em quarentena, a cantora restringiu sua lista de produtores para seu amigo de longa data, Jack Antonoff, e Aaron Dessner, produtor musical e guitarrista da banda The National. O conforto de um amigo do passado e a visão de um veterano da indústria foram a fórmula necessária para a reinvenção de Swift.

O single que abre o álbum é a imersiva willow. Percorrendo por declarações românticas e devocionais, Taylor desfruta de diversas figuras de linguagem para descrever como é se apaixonar por alguém: “A vida era um salgueiro/e ela se dobrou diretamente a seus ventos”. O extenso vocabulário utilizado na obra e as diversas metáforas criadas por Swift quase transformam a experiência do ouvinte em análises sintáticas e incessantes consultas no dicionário. 

Em evermore, a participação de Jack Antonoff foi reduzida, mas gloriosa: gold rush, única faixa produzida pelo mesmo, é uma imersão profunda em ritmos cintilantes – poderia muito bem se encaixar em álbuns anteriores de Swift. É a música mais pop do disco: em devaneios, o eu-lírico se perde em sua paixão por uma pessoa de muitos pretendentes. A presença de Jack faz falta na obra, já que suas produções anteriores são favoritas entre fãs, como Getaway Car, Cruel Summer e August. 

O som também próximo do pop se encontra em long story short, que facilmente se encaixaria na tracklist nada coesa de Red, quarto álbum de Swift. Depois de quase quatro anos do problemático verão de 2016, onde escândalos e desavenças afastaram Swift dos holofotes, a cantora parece exausta de escrever sobre o assunto. Aqui, ela trata esse período de forma quase cômica: “Para encurtar a história, foi um momento ruim/Para encurtar a história, eu sobrevivi”. O som reverdece o tom certamente melancólico do álbum.

A produção de Dessner destaca a narrativa de Swift, que muita das vezes ficou escondida por baixo de superproduções no passado. evermore é o clímax das habilidades narrativas de Taylor, seja em relatar um relacionamento decadente na emocionante tolerate it, ou narrar um pedido de casamento fracassado na balada champagne problems. A química entre os dois colaboradores é incontestável. 

O álbum standard conta com 15 faixas no total (Foto: Max Wanger)

A origem country de Swift também é retomada em cheio no álbum. no body no crime, que conta com a participação da banda Haim, é um country-folk de letra quase cinematográfica. A música conta a história de Este, que desaparece após confrontar o marido sobre a infidelidade na relação em um refrão repetitivo: “Eu acho que ele fez isso, mas eu simplesmente não posso provar/Não, sem corpo, sem crime”. O som anima, mas decepciona ao contar com pouca participação das irmãs Haim, que ficam apenas com os vocais de fundo.

Existem temáticas assíduas na escrita de Swift: uma delas é a infidelidade. Em ivy, ela narra a paixão entre uma mulher comprometida e seu amante:  “Minha dor cabe na palma da sua mão gelada/Que segurando a minha, mas foi prometida a outro”. A perspectiva de Taylor sobre infidelidade evoluiu drasticamente desde a infame Better Than Revenge, do álbum Speak Now. Aqui, ela deixa o maniqueísmo de lado para trazer uma visão mais madura sobre uma paixão proibida.

Talvez o momento mais emocionante da obra se encontra na penúltima faixa. marjorie é um tributo a Marjorie Finlay, avó materna da cantora, que faleceu quando Taylor ainda era adolescente. Uma das únicas canções autobiográficas do disco, a música traz ao ouvinte uma experiência catártica de luto e memória, como ela canta sob o piano emocionante de Dessner: “O que morreu não continua morto/Você está viva, viva, em minha mente/Se eu não tivesse noção/Acharia que você está por aqui”.  Assim como a neta, Marjorie também trabalhou na indústria musical, cantando em grandes óperas em Porto Rico. 

evermore reflete temas parecidos com folklore, mas não cai na mesmice (Foto: Max Wanger)

A única que conta com a participação de outro produtor além de Jack Antonoff e Aaron Dessner é closure: BJ Burton também participa da faixa. Ele produziu metade do álbum experimental de Charli XCX, how i’m feeling now, som bem diferente do que Taylor costuma fazer. No entanto, a única coisa que difere a música do restante do álbum são as percussões eletrônicas que entoam sob um piano relaxante: ‘’Sim, eu recebi sua carta/sim, estou melhor/Eu sei que acabou/Não preciso do seu encerramento’’. As percussões estranham o ouvinte de primeira, mas é uma grower em potencial.

Para encerrar a obra, Taylor se une novamente com Bon Iver para a title track evermore. “Eu tive uma sensação tão peculiar/Que esta dor não seria para sempre”. É o desfecho de um álbum que representa altos e baixos, infidelidade e lealdade, perdas e vitórias – a constante epifania em perceber que nada dura para sempre, nem mesmo a dor.

É em evermore que se é lembrado o porquê de Taylor Swift estar entre os maiores nomes da indústria fonográfica: sua força motora é sua potente habilidade narrativa. Na era do streaming, onde artistas procuram o método mais fácil de viralizar e entregam trabalhos curtos e mal construídos, é raro ver álbuns como esse liderando os charts. Por isso, evermore é mais que apenas um álbum. É uma experiência honesta de introspecção e refúgio.

 

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