Bianca Costa
Era Uma Vez em… Hollywood, a nona e mais recente obra de Quentin Tarantino, está completando cinco anos de estreia. Com dez indicações ao Oscar 2020, o longa ganhou as estatuetas douradas de Melhor Direção de Arte, assinada por Barbara Ling, e de Melhor Ator Coadjuvante para Brad Pitt. O filme é uma envolvente viagem no tempo para uma idealizada e ensolarada Califórnia na década de 1960, onde o diretor utiliza calmamente o cotidiano para expressar seu amor pela Sétima Arte, retratando um cenário que respira Cinema.
A narrativa passeia pelos pacatos dias do ator em declínio, Rick Dalton, e de seu dublê, Cliff Booth, vividos, respectivamente, pelos grandes nomes da atuação: Leonardo DiCaprio e Brad Pitt. A dupla quebra essa imagem de uma Hollywood que existia mais no imaginário do que na realidade ao viver diretamente os dramas da indústria, acompanhando os personagens por cenas soltas e desritmadas. O diretor brinca com a expectativa do público ao retratar os trágicos eventos do verão de 1969. Os assassinatos brutais executados pela família Manson não só abalaram a cultura norte-americana como extinguiu, também, a atmosfera ensolarada e esperançosa de Los Angeles, marcada pelos ideais hippies da época.
A dualidade retratada cria uma dança das cadeiras que Tarantino adora trazer em suas obras, alternando entre ficção e realidade, e utilizando a Arte para reescrever a história daqueles que foram injustiçados. Essa característica do diretor aparece também em Bastardos Inglórios (2009), que reconta a história dos judeus no contexto da Segunda Guerra Mundial, e em Django Livre (2012), onde a escravidão também tem direito a uma ‘revanche histórica’. Ambos contam com cenas regadas a muito sangue e apresentam uma violência exacerbada que beira o cômico – uma vingança à la Quentin Tarantino.
O longa pede por um contexto prévio sobre a noite do dia 9 de agosto de 1969 e o culto liderado por Charles Manson, responsável por assassinar a sangue frio Sharon Tate, grávida do diretor Roman Polanski, além de outros quatro amigos da atriz dentro de sua casa em Los Angeles. A seita da família Manson é retratada aos poucos em Era Uma Vez em… Hollywood, perseguindo lentamente a trama até cruzar as narrativas de Cliff com Pussycat (Margaret Qualley), que leva o coadjuvante até o Rancho Spahn, onde a família vivia no período. A longa e descompassada cena do rancho chega às telas de forma despretensiosa até alcançar uma tensão inesperada, angustiante e quase palpável pelo público.
Margot Robbie reviveu lindamente Sharon Tate, com uma pureza e inocência que transcende a tela e envolve o espectador pelas possibilidades que contornavam o futuro da artista em ascensão. A atriz soube como homenagear a estrela e seu bebê de forma melancólica e otimista ao mesmo tempo, comovendo o público com cenas sensíveis que contrastam com o cinismo e pessimismo de Dalton e Cliff. Tarantino, por sua vez, ensina novamente o verdadeiro poder da ficção ao reescrever a narrativa daqueles que jamais escaparam de um desfecho cruel, utilizando o Cinema para fugir de uma realidade injusta e brutal.
Quem acompanha as produções do diretor sabe muito bem que as polêmicas sempre cercam suas obras, e em Era Uma Vez em… Hollywood não seria diferente. O diretor e roteirista foi criticado por uma cena em que o ator Mike Moh interpreta Bruce Lee de uma forma estereotipada e escrachada, que ridiculariza a imagem do lutador e todos os seus feitos. Apesar da repercussão, o diretor não admite seu erro. Além disso, outra ‘bola fora’ foi não citar e problematizar em nenhum momento as inúmeras acusações contra Roman Polanski, marido de Sharon Tate, por abuso sexual.
O conjunto de referências, a fotografia de Robert Richardson e a escolha da trilha sonora, feita pelo diretor do filme, contribuem para a experiência de um sonho hollywoodiano embriagado, vivenciado nos anos dourados. Uma época onde o corriqueiro ganha estrelato até que aconteça o hiperbólico desfecho do longa, fugindo da triste realidade do crime e fazendo com que os assassinos da família Manson tivessem um sangrento fim. O acontecimento guia o público até a doce ilusão de que o dia 15 de agosto de 1969 se manteve como um dia ordinário em Los Angeles, cidade onde os sonhos ainda se tornam realidade.
Quentin Tarantino, que promete se aposentar após produzir a décima obra de sua carreira, entrega uma verdadeira declaração de amor ao Cinema em seu nono filme. Seguindo uma linha mais madura e, ao mesmo tempo, divertida, são 160 minutos de muita paixão pela Sétima Arte, mostrando seu poder de transportar o espectador para um século e uma realidade idealizada aos mínimos detalhes. Once Upon a Time… in Hollywood (no original) se mantém relevante por ser uma experiência completa guiada pelo excepcional diretor. Com um elenco de grande peso, composto por nomes que souberam trabalhar os personagens perfeitamente, Tarantino mostra, mais uma vez, que o Cinema é uma ferramenta para segundas chances.