Diretor de “Os Nomes das Flores” detalha a importância da memória e do legado da arte e ainda revela o segredo da sopa da professora
Caroline Campos e Vitor Evangelista
Como é que um diretor nascido no Irã e atual residente do Canadá acabou estreando na ficção fazendo um filme em espanhol na Bolívia? Bahman Tavoosi, o tal cineasta, esbanja talento e versatilidade. Ainda na leva de entrevistas provindas da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Tavoosi é o foco do texto de hoje.
Realizador do estupendo Os Nomes das Flores, filme sensível que usa a figura de Che Guevara para debater legado e memória, Bahman conversou com o Persona sobre as influências que angariou ao longo de sua jornada na área, além de revelar, com exclusividade, qual o sabor da quase mítica sopa que Che provou antes de sua morte.
Quando Bahman Tavoosi viu a foto de um já sem vida Che Guevara, o diretor não teve dúvidas da força daquele momento e daquela imagem. “Era a figura do séc. XX que eu gostaria de abordar, aprender mais e encontrar um jeito de contar sua história”, explica o cineasta que, alguns anos depois, viajou a Santa Cruz de La Sierra, cidade boliviana onde Che foi morto, para iniciar seu projeto. O filme, que alegoriza a morte do líder político, vai muito além de uma cinebiografia comum.
No entanto, o foco de Os Nomes das Flores não é o guerrilheiro revolucionário em si, mas a professora, interpretada por Barbara Flores, que lhe ofereceu um prato de sopa no fim de sua vida. Deixamos de lado o Che como indivíduo para entendermos, na verdade, o seu legado. “Você não vê a figura do homem nem ouve seu nome muitas vezes, e isso é, de certa forma, uma mudança de abordagem para contar uma história que já foi contada muitas vezes antes”, é o que conta Tavoosi, que quis a garantia de que sua narrativa fosse para uma direção completamente diferente.
Barbara Flores carrega todo o poder histórico e emocional que envolve o filme, e para Bahman, foi uma decisão difícil ter uma protagonista com uma idade tão avançada – foi, inclusive, a primeira vez que Flores atuou. A intérprete da professora, que é uma vendedora de produtos no mercado, não foi a única novata, já que “99% do elenco eram não-atores”. Bahman não é novo no ramo de trabalhar com profissionais sem a experiência da indústria, considerando que ele já havia tido essa prática nos seus anos de cinema iraniano. “Quando você mistura não-atores com atores profissionais para manter a consistência e harmonia, tudo se torna mais complicado”, ele continua.
Los Nombres de las Flores, no original, foi rodado na Bolívia, no mesmo vilarejo onde Che morreu e teve seu legado celebrado. Bahman foi enfático no local de onde queria contar sua história: “não tinha como contar a história em qualquer outro lugar”, ele define, “tinha que ser na Bolívia”. Mas as gravações não vieram sem percalços, visto que, por ter seu escritório em Montreal, o financiamento teria de vir do país sul-americano, e, então, a logística foi um tanto desordenada. “Como cineastas, nós encaramos esses desafios se acreditamos no projeto, eles se tornam parte da jornada”.
E a jornada de criação de Os Nomes das Flores vem desde a infância do diretor, que enxerga na mãe, a quem o filme é dedicado, uma força para manter-se apaixonado por seus projetos e concluí-los. “Minha mãe me inspirou a permanecer devoto à protagonista”. E, junto da professora, a sopa ocupa boa parte do foco narrativo da história. Quando perguntado se já provou o alimento, o diretor se divertiu: “eu gosto dessa pergunta, ninguém nunca me perguntou isso antes”, começou, antes de confirmar que já teve o prazer de tomar a sopa.
A professora de verdade, Julia Cortez, é amiga próxima de Bahman. “Toda vez que vou visitá-la, ela é generosa o suficiente para me oferecer vinho”, ele confidencia. Na última vez que a visitou, o diretor fez a mesma pergunta: “posso provar a sopa que você fez para o Che Guevara?”, ele provou a tal sopa de maní, que nada mais é do que uma sopa de amendoim, muito típica da região boliviana. “Ela cozinhou e eu tomei, e ela me disse que é a mesma sopa que Che tomou tanto anos atrás”.
Se você pudesse escolher 3 pessoas para trabalhar junto em um filme, vivas ou mortas, quem seria e por quê?
Bahman: “Essas são perguntas difíceis. Eu não posso escolher um indivíduo específico, diretores de fotografia, diretores de arte e assim em diante. Por alguma razão minha mente não funciona assim, eu penso no cinema como um todo, a história por completo, seu futuro, seu presente e seu passado. Tendo sido educado da maneira que fui, é muito difícil apontar um único indivíduo. Meus amigos costumam ficar bravos comigo, do tipo: ‘vai lá, liste 10 ou 100 filmes que você gosta’. E para mim é muito desafiador fazer isso”.
Você tem um filme brasileiro favorito?
Bahman: “Eu vi Cidade de Deus, que acaba por ser dirigido pelo mesmo diretor de Dois Papas. Eu assisti alguns dos filmes brasileiros dos anos 70 e 80, mas eu teria que procurar os nomes. Essa foi uma verdadeira iniciação visual ao Brasil para mim, antes que eu assistisse a qualquer outra coisa”.
Se você pudesse levar 3 filmes para uma ilha e assisti-los várias vezes, quais seriam e por quê?
Bahman: “Bresson estaria lá, poderia ser A Grande Testemunha, poderia ser O Batedor de Carteiras. Eu tenho uma conexão muito pessoal com Bresson, e os filmes que eu levaria para uma ilha e ficaria isolado pelo resto da vida seriam com os quais eu tenho uma conexão pessoal, não apenas por curiosidade profissional. Então, Bresson estaria nesse meio, Antonioni também poderia. Do meu país de origem, Abbas Kiarostami estaria no meio deles. No fim das contas, seriam 3 filmes com os quais eu nutro uma conexão pessoal e humana”.
Quais são seus próximos passos depois de Os Nomes das Flores?
Bahman: “No momento estou trabalhando, ou investigando, algumas ideias para alguns filmes, e normalmente é um processo bagunçado. Pelo fato do meu escritório ser em Montreal, mas eu estou sempre viajando por causa de diferentes projetos. Toma mais tempo que um projeto comum para eu escolher uma ideia final, continuar nela e desenvolvê-la”.
Nós associamos muito a figura de Júlia com nossas avós e o que elas representam. O que você acha dessa associação?
Bahman: “Essa é uma qualidade de Barbara Flores. Ela representa todas as avós, ela tem uma forte presença de avó e uma beleza e um poder muito femininos nela”.
Os Nomes das Flores segue sendo exibido em festivais.