Nathalia Tetzner
Vestindo a carapuça, ou melhor, o manto dourado que encobre as divas do pop traídas, Miley Cyrus começou 2023 colocando o pé na porta da casa em que o ex-marido a traiu com 14 mulheres e com a passagem comprada para uma férias de verão sem fim. Acontece que ambos se provaram uma ilusão: as estatísticas foram inventadas pelos fãs, devotados em trazer Cyrus de volta ao topo, e a tão sonhada celebração de uma das vozes mais potentes da geração com o disco Endless Summer Vacation chegou ao fim antes mesmo de começar, se tornando apenas uma daquelas noites quentes em que o frio parece dominar o psicológico.
Se, em 2016, Beyoncé perdoou Jay-Z somente depois de humilhá-lo publicamente com o aclamado Lemonade, hoje, as paradas musicais voltam a dar voz ao despertar feminino. Ao lado de Shakira com BZRP Music Sessions #53, a eterna Hannah Montana tomou o controle da narrativa com Flowers, composição que utiliza dos acordes de When I Was Your Man, sucesso do Bruno Mars, para contrapor a perspectiva masculina de um relacionamento. Dessa vez, as artistas não estão nem um pouco interessadas em segundas chances, afinal, “Uma loba como eu não é para novatos” e “Eu posso me amar melhor do que você pode”.
O problema é que a primeira faixa liberada de Endless Summer Vacation tocou o suficiente na rádio para grudar na cabeça feito chiclete até a exaustão e levantar falsas esperanças nos fãs de Miley Cyrus, os ‘smilers’. Afinal, a estética atraente do videoclipe, o cabelo descolorido pela metade e a postura confiante da cantora não deixavam sinais de que a era seria marcada pelo descaso dela e de sua nova gravadora, a Columbia Records. Ao compilar as sonoridades exploradas ao longo da carreira de Cyrus, o disco caiu na mesma premissa arriscada do Midnights de Taylor Swift: no fim, o sentimento que fica é de que nem tudo é realmente novo.
Para o mundo, acostumado com as mudanças bruscas do modo como a intérprete de Wrecking Ball canta e age, o projeto de verão não construiu uma identidade visual acompanhada de uma nova persona e muito menos trouxe a experiência calorenta da estação para além da capa fotografada por Brianna Capozzi, uma arte extasiante por representar o que deveria ser a fase de transformação da camaleoa. Talvez, essa elaboração de uma Miley Cyrus pela metade explique porque os veículos especializados tradicionais, antes intensamente críticos, tenham finalmente comprado uma ideia dela por completo.
Então, quais são as melodias que caracterizam o que seria a proposta ideal de Endless Summer Vacation? Em meio a quarenta minutos, o ápice é atingido quando um sabor adocicado toma conta da boca ao passo em que Cyrus enuncia o título do álbum em Rose Colored Lenses, composição que esbanja uma luxúria sem culpa. Para fazer companhia à sensação de desejo, o teor refrescante de Handstand teleporta o público para uma dimensão sensual e futurística. No entanto, a viagem percorre rumos inesperados com a lábia e o duplo-sentido da diva do pop em River, canção que convida todos para uma dança eletrizante na chuva.
A decepção logo volta a tocar com as faixas que soam como descartes dos demais itens da discografia de Miley Cyrus. O principal responsável por tal atrocidade é Kid Harpoon, produtor musical acostumado a trabalhar com Harry Styles e Shawn Mendes. Aparentemente, nem ele, a gravadora ou, até mesmo, a cantora, entenderam o que ela quis dizer ao anunciar o disco como “uma carta de amor a Los Angeles”. Provas disso são Wildcard, Wonder Woman e Thousand Miles, acordes e letras que, apesar de conquistarem, parecem terem saído direto da tracklist de Younger Now (2017).
Seguindo nessa onda de músicas desatualizadas, You aparece como uma assombração e totalmente fora de contexto por já ter sido apresentada aos fãs durante a era de Plastic Hearts (2020). No mesmo tom de ‘reviver é viver’, a parceria aguardada com Sia, Muddy Feet, é experimental o suficiente para integrar o Bangerz (2013). Por outro lado, mesmo no caos, existem salvações: Violet Chemistry atinge em cheio a nostalgia à la Dua Lipa; Island resgata a brisa e paixão de Madonna em La Isla Bonita; e Jaded apresenta um rock depreciativo com notas efervescentes de guitarra.
De um total de 12 músicas, Endless Summer Vacation é devidamente representado em apenas metade delas. Salvo o grande sucesso comercial de Flowers, a era foi marcada por descasos que variam desde a divisão nada convincente dos atos em AM (dia) e PM (noite), até a falta de divulgação com as raras performances, entre elas, o especial disponibilizado no streaming Disney+. Persistente, Miley Cyrus deve lançar um segundo volume do álbum, mas, por enquanto, o que nos resta é esperar que, dessa vez, as férias de verão sem fim da cantora não sejam somente um pedaço de sol em uma manhã de inverno ou terminem cedo demais.