Enrico Souto
Em discussões sobre Kanye West, normalmente encontram-se dois tipos de pessoas: aquelas que o consideram um gênio e visionário incompreendido, quase uma figura divina, e que suas atitudes questionáveis são na realidade apenas parte de sua eterna performance artística; e aquelas que acham sua arte irrelevante, superestimada, e que ele não passa de uma pessoa abominável que depende de suas ações reprováveis para se manter em alta. Nenhum dos dois discursos são verdadeiros, ao mesmo tempo que também o são. De todo modo, o cenário que rodeia o artista é bem mais complexo do que categorizações reducionistas.
Seu talento e o valor artístico de sua obra são inquestionáveis, e o jeito com que ele transformou a produção musical no rap e em gêneros derivados prova que ele é, de fato, um dos maiores e mais importantes artistas contemporâneos. Além de também ser uma das figuras cruciais para como a cultura pop se moldou no século XXI. O que não legitima seu endeusamento e a constante banalização de suas atitudes extra-música por fãs. Discutir sobre Kanye West é discutir sobre indústria musical, racismo, saúde mental, a função social de celebridades e a responsabilidade que ela carrega. E Donda trouxe intensamente todos esses temas à tona, de uma só vez.
A história de seu 10º álbum solo até o lançamento é longa e controversa. O projeto tem sido antecipado desde 2020, em meio a uma problemática campanha presidencial, controvérsias pesadas envolvendo Kim Kardashian e sua família, e crises de bipolaridade manifestadas em tweets polêmicos. Antes nomeado God’s Country, o álbum recebeu dois singles naquele ano, Wash Us In The Blood e Nah Nah Nah – nenhum deles entrando na sua versão final – e chegou a ter, pelo menos, três versões de capas diferentes.
Depois dessa onda frenética de eventos problemáticos envolvendo Kanye, o rapper sumiu por um longo período. Apenas voltamos a ouvir falar do álbum em julho de 2021, quando um trecho da faixa No Child Left Behind foi utilizada na propaganda de um fone de ouvido da Beats Electronics com a velocista Sha’Carri Richardson. No final do anúncio, era anexada uma data, referente à primeira audição do álbum transmitida pela Apple Music, que se tornaria, mais tarde, um ponto crucial na divulgação de Donda e também no conceito, visual e estética do disco.
Ocorreram, ao todo, três audições – ou listening parties – de Donda até que ele fosse oficialmente liberado. Cada uma delas trazia versões diferentes do disco, com as faixas agrupadas em ordens distintas, músicas inéditas, colaborações incluídas e retiradas, novas mixes e elementos adicionados; como se o álbum se moldasse à demanda e proposta de cada performance, e nós, como público, pudéssemos acompanhá-lo tomando corpo de perto, até chegar à sua forma final.
Kanye West parecia testar os limites da arte performática, com cada uma das audições contando uma história particular que, em conjunto, transformavam-se em uma narrativa única. Enquanto, durante a primeira apresentação no Mercedes-Benz Stadium, em Atlanta, o artista ocupou sozinho o gigantesco e vazio estádio por todos os 60 minutos de duração, a segunda e terceira apresentação tinham não só estruturas físicas mais planejadas, como também incluíam um coral ao vivo e um elenco de dançarinos que figuravam com ele e reagiam às músicas junto ao público.
No entanto, as imagens que realmente tornaram-se icônicas e tomaram conta da cabeça de todo mundo foram seus looks e, principalmente, as máscaras que ele usava nesses eventos. Sim, quem acompanha o trabalho do Kanye há mais tempo já estava acostumado com as balaclavas – seu uso foi marcante, em especial, durante a Yeezus Tour –, porém, dessa vez, elas atingiram um papel crucial na construção da persona de Yeezy nesta nova era. Além de, também, intensificar a conversa e o mistério que Donda estava gerando, já que o cantor não apareceu à público sem vesti-las até o lançamento do disco.
Além disso, as balaclavas também carregam uma mensagem forte que evoca uma tradição que vem desde a moda. Popularizada pela Maison Margiela e voltando às tendências depois de ser aderida por marcas como Calvin Klein, Gucci e Balenciaga, essas máscaras comunicam mistério, anonimato e impessoalidade. Martin Margiela adotou as balaclavas em seus desfiles para transportar a atenção que o público dava às modelos para as peças e a mensagem que elas traziam. Da mesma forma, ao esconder o rosto, Kanye convida o ouvinte a abandonar suas concepções a ele como pessoa e dar foco a sua arte e ao que ele está, de fato, dizendo. Isso também justifica a escolha de uma capa inteiramente preta: sem a distração de um design espalhafatoso, tudo que resta é atentar-se às músicas e ao que elas comunicam.
Porém, essa questão não é tão simples assim. Arte não se encontra em um limbo no tempo, alienada de sua realidade, de seu contexto histórico e, em particular, dos pensamentos e opiniões de quem a produz. O exercício de separar a arte do artista é materialmente impossível, sobretudo na obra de uma pessoa egocêntrica e narcisista como Kanye West, que tem na sua discografia uma música cuja premissa é repetir seu próprio nome inúmeras vezes, e um álbum cujo título é um neologismo que mistura o seu apelido com o nome de Jesus Cristo. E, assim como o novo projeto traz o que Ye tem de melhor como artista, também revela algumas de suas facetas mais sórdidas.
Na terceira audição de Donda, ocorrida no estádio Soldier Field, em Chicago, Kanye trouxe consigo grande parte dos artistas que integraram o grupo que colaborou com ele na produção do disco. Entre eles, surgindo juntos no início do show, estavam DaBaby e Marilyn Manson. A presença deles foi uma surpresa, já que nenhum dos dois estavam presentes nas outras versões apresentadas do disco. Naquela ocasião, ambos substituíram a marcante colaboração de JAY-Z em Jail, porém, posteriormente, as duas versões da faixa seriam disponibilizadas digitalmente. No entanto, não é esse o ponto.
A escolha de trazer aos holofotes, além de DaBaby, autor de graves comentários LGBTfóbicos, e Chris Brown, que dispensa comentários, alguém odioso como Marilyn Manson, indiciado por inúmeras acusações de abuso sexual e estupro por diferentes mulheres, é não só irresponsável e leviano, como beira o cinismo. O impacto que colocar um criminoso como esse em evidência tem na vida de cada uma das vítimas desses atos é imensurável. Quando o caso ocorreu, alguns fãs tentaram justificar isso como parte da mensagem sobre ‘perdão’ do disco. Porém, francamente, não há visionarismo ou genialidade artística que legitime uma ação dessas. E admitir isso é o mínimo que alguém que admira o Kanye e o seu trabalho em Donda deve fazer.
Avançando nessa questão, embora o esquema de listening parties parecesse, a princípio, uma ótima estratégia de marketing – que teria o potencial de revolucionar o jeito com que a indústria musical lida com divulgação da mesma forma que Beyoncé fez com seus magnânimos álbuns visuais –, cada vez mais parecia que o tiro sairia pela culatra. Conforme Donda era adiado, a opinião de que dificilmente o disco conseguiria suprir as expectativas que estava gerando tornava-se unânime. Mesmo esse perfeccionismo exacerbado e tantos adiamentos sendo comuns na carreira de Kanye, gradualmente crescia o receio dos fãs de que Donda poderia sequer ser lançado.
Todavia, apesar de sua divulgação desorganizada e caótica, Donda finalmente veio ao mundo no domingo do dia 29 de agosto; não sem ressalvas. Após o lançamento surpresa do disco de manhã, Kanye postou uma publicação em seu Instagram, denunciando que a sua gravadora, Universal Music Group, havia publicado o álbum sem o seu consentimento. Sendo a acusação verdadeira ou falsa, essa não é a primeira vez que Yeezy tem discordâncias com a Universal. Em setembro do ano passado, o artista expôs em seu Twitter diversos abusos da empresa, liberando as cláusulas de todos os seus contratos, e convocando outros artistas, sobretudo aqueles com quem ele tem histórico de tretas, para uma mobilização.
Apesar da sua ação impulsiva, responsável pelo vídeo icônico do rapper mijando em um de seus gramofones, não ter surtido o efeito desejado, ela levantou debates importantíssimos sobre a relação artista-gravadora na indústria fonográfica: sobre como os artistas não têm direitos sobre suas próprias masters, e sobre como as gravadoras se apropriam da música e arte de pessoas negras, concentrando todos os lucros para si, enquanto essa população continua marginalizada e miserável. Kanye está certo e, independente da frustração do público, ele deveria ter o direito de lançar seu álbum quando e como quisesse.
De qualquer forma, esse lançamento abrupto e sem planejamento reflete na qualidade de algumas faixas, que parecem mal lapidadas e muitas vezes soam como demos ou b-sides inacabados. A expectativa é que, com o álbum liberado fora de seu ideal, Donda continue passando por mais mudanças, e que problemas sejam futuramente corrigidos e melhorados. Isso parece insano (porque é), mas essa está longe de ser a primeira vez que Kanye muda elementos de um disco depois de lançado. O mesmo ocorreu com o bagunçado The Life Of Pablo, que sofreu diversos remixes por meses, tendo timbres, letras e vocais alterados. De todo modo, a única certeza que temos é: essa não é a versão final de Donda.
Além do lançamento conturbado e de suas inúmeras versões, Donda compartilha algumas outras semelhanças com TLOP. Um método que Kanye explora desde 808’s & Heartbreak, mas que alcança seu ápice nesses dois trabalhos, é o de ‘CEO criativo’: em que Ye recruta uma quantidade massiva de compositores, vocalistas, produtores, engenheiros de áudio e beatmakers, atribuindo a si o papel de curador e mediador do projeto. Praticamente uma versão musical do papel de showrunner em séries de TV, que nem sempre é a peça de destaque, mas o elo que une todos esses artistas de origens e abordagens absolutamente distintas, e torna todas as suas contribuições em um produto único.
Sendo assim, o mesmo método é explorado em Donda, porém levando-o a um grau ainda mais ensandecido do que em TLOP. Das 27 faixas presentes na tracklist final, apenas 3 não apresentam nenhuma colaboração vocal. E, em algumas das outras 24, Kanye sequer é o protagonista. Baby Keem entrega uma presença incrível e ocupa mais da metade de Praise God; Lil Baby e The Weeknd roubam a cena no prenunciado hit Hurricane; JAY-Z abala todas as estribeiras ao domar com esplendor os riffs hipnotizantes de Jail; e Moon é totalmente dominada pelas vozes angelicais de Don Toliver e Kid Cudi, com Kanye contribuindo somente através de vocais de apoio. Na produção, houve o envolvimento de pelo menos 44 nomes, entre eles gigantes como MIKE DEAN, Wheezy, Gesaffelstein, CuBeatz e 30 Roc.
Outra característica forte em discos do Kanye que se potencializa aqui é a extensão. The Life Of Pablo, My Beautiful Dark Twisted Fantasy e outros trabalhos fantásticos de sua discografia também apresentam longuíssima duração, e esse aspecto não afeta negativamente o produto final em nenhum dos casos. Mas, mesmo assim, as absurdas 1 hora e 48 minutos do novo álbum podem, compreensivelmente, assustar. Porém, o resultado que Donda entrega é surpreendentemente sólido e conciso. O seguimento das faixas flui de forma absolutamente natural e, ouvindo em uma primeira sentada, dificilmente percebe-se as quase 2 horas que se passam.
Contudo, com uma duração tão extensa, seria improvável que não houvesse momentos aqui e ali que pudessem ser descartados. E realmente há. Faixas como Pure Souls, por exemplo, se estendem desnecessariamente. Ao passo que Tell The Vision, apesar da boa intenção de uma homenagem póstuma a Pop Smoke, apresenta uma mix pobre e acrescenta pouquíssimo à obra em um todo, além de ter sido uma das músicas mais afetadas pela censura de conteúdo explícito feita para a versão de estúdio. O final do disco ainda reúne quatro versões alternativas das faixas Jail, Ok Ok, Junya e Jesus Lord, mas que não fazem parte de sua composição principal e, no fim, são redundantes.
Aproveitando a deixa, a escolha criativa de liberar apenas a versão ‘limpa’ do disco é prejudicial e confusa. Ainda que as listening parties tenham reproduzido as canções com todo o seu conteúdo, dando a entender que, mesmo convertido, Kanye deu total liberdade para seus colaboradores se expressarem da forma que achassem melhor, quando o álbum foi lançado oficialmente, todos os palavrões foram cortados. Mesmo que soe irrelevante, isso acabou por afetar a dinâmica da maioria das faixas, fazendo com que elas pareçam estranhas e incompletas, e por sedar, em certa medida, parte da energia que sustenta a experiência de Donda.
Mas, afinal de contas, depois de tudo o que foi dito: sobre o que é Donda? O título do álbum responde essa pergunta, sendo batizado com o nome da mãe de Kanye, Donda West. Professora e, desde o início da carreira do filho, uma figura muito próxima, profissional e afetivamente, ela faleceu aos 58 anos, em 2007. Donda já fora homenageada em músicas anteriores do artista, como Hey Mama e Coldest Winter, porém é com esse disco que Ye faz o tributo definitivo à sua mãe, enquanto procura uma redenção, tanto de seu passado controverso e complicado, quanto da culpa pela sua morte, decorrente de complicações de uma cirurgia plástica que o próprio Kanye havia bancado.
A voz de Donda intervém em algumas faixas, retirada de trechos de seu discurso feito na 17ª Conferência de Escritores Negros Gwendolyn Brooks, durante a divulgação de seu livro Raising Kanye, um mês antes da sua morte. Porém, a grande maioria das canções sequer têm Donda como foco principal. Na realidade, ela é um elemento muito mais passivo, observador, sem grande agência na narrativa do disco. Kanye, em seu momento de maior crise, na vida pessoal e profissional, procura respostas na figura da sua mãe, caracterizada aqui de maneira quase divina, como se ela, diretamente do Céu, o guiasse por suas tribulações.
Durante seu período de vida, também não era segredo para ninguém como Donda era uma pessoa religiosa. Da mesma forma, todos sabemos que, nos últimos anos, Kanye se converteu e se reaproximou do cristianismo. Isso moldou também a sonoridade de sua música que, apesar de já dialogar com o gospel antes, agora tem a religião como principal foco. Desse modo, não é difícil pensar em Donda como um álbum gospel. A distinção aqui é que, enquanto JESUS IS KING – apesar de ser um disco sólido e cheio de méritos – soa muito mais como Kanye explorando diferentes ângulos do gênero, Donda é o resultado concreto desse experimento. Ao invés de se limitar ao puro e simples gospel, Kanye busca, na sua identidade musical já estabelecida e em diferentes referências, um manifesto cristão íntimo e genuíno.
Isso influencia a sonoridade do álbum em todos os âmbitos. Donda bebe não só de seus trabalhos anteriores – com os timbres eletrônicos e radiantes do EDM de New Again remetendo à era Graduation, ou a sonoridade industrial e suja de God Breathed nos transportando aos takes mais memoráveis de Yeezus –, como também de estéticas e gêneros contemporâneos do hip-hop. Kanye, no auge dos seus 40, rima ao lado de jovens emergentes do rap, como Playboi Carti, Vory, Roddy Ricch e Lil Durk, com a mesma energia e disposição dos melhores momentos de The College Dropout. Porém, dessa vez, soando mais refrescante do que nunca ao brincar com beats que vão do trap, seja pela estética soturna de Ok Ok ou vibrante de Junya, até o drill, no auge da fantástica Off The Grid.
O denominador comum dessa salada colorida de sons é o gospel, que se manifesta tanto em musicalidade quanto em temática. À princípio, de maneira mais sutil e indireta, ocultado pelos instrumentais modernos embalados em autotune e ad-libs. Porém, conforme a tracklist avança e o artista expõe mais de suas fraquezas, feridas e vulnerabilidades, os elementos do gênero começam a se revelar mais presentes e, ao mesmo tempo, temas como Deus, família, e paternidade se tornam predominantes. Nesse sentido, Kanye encontra na religião uma maneira de não só se redimir de seus (inúmeros) erros, mas também de poder se reconectar com sua mãe, a partir de uma crença que ambos compartilham.
O resultado é uma sequência das canções mais emocionantes e íntimas de sua carreira na segunda metade do álbum. Quem acompanhou os trabalhos recentes de Kanye sabe que ele já tem abandonado sua máscara ufânica para permitir-se ser mais aberto e franco quanto suas inseguranças – ye mergulha fundo em sua condição mental e em seu diagnóstico de transtorno bipolar, e JESUS IS KING retoma essas questões a partir da perspectiva religiosa –, no entanto, em Donda, esses temas encontram o terreno ideal para fertilizar e dar frutos.
Em Come To Life, por exemplo, Kanye, com medo de ser deixado sozinho, admite os muitos erros que cometeu, lamentando não ter escutado sua esposa quando pôde e questionando se não teria sido melhor ter vivido outra vida. Em Lord I Need You, ele aborda mais abertamente sua relação com Kim Kardashian e os bons e maus momentos que viveram juntos. Essa faixa em questão substitui a trágica Never Abandon Your Family, apresentada na primeira audição de Donda e que não entrou na versão final, em que o cantor relacionava o divórcio do casal com a falta de presença de seu pai na vida dele e de sua mãe.
Entre as músicas mais assumidamente gospel da tracklist, Jesus Lord, a mais longa do álbum, traz o rapper Jay Eletronica para uma tocante reafirmação de fé e uma ode a Deus; 24 oferece uma mensagem esperança, convocando o coral Sunday Service para fazer uma homenagem potente ao jogador de basquete Kobe Bryant, que faleceu em 2020; e No Child Left Behind – a faixa que tocou quando Kanye foi ‘arrebatado’ na segunda audição de Donda – parece nos transportar diretamente para o Céu ao entonar repetidas vezes o refrão “Ele fez milagres em mim” sobre a simples e suave, mas poderosa, melodia tocada pelo órgão.
Donda mostrou que Kanye West continua em grande evidência, talvez como nunca antes. O lançamento se tornou o segundo maior da história do Spotify, totalizando 775 milhões de streams na primeira semana. Bem como o sucesso comercial, Yeezy optou por entregar uma obra única, valorizando a experiência sonora e indo na contramão da atual dependência dos artistas à produção audiovisual, como videoclipes. Além disso, as listening parties desafiaram de forma genial a maneira com que a indústria enxerga a Música, não só virando do avesso o jeito com que divulgação funciona, como também driblando as burocracias de sua gravadora, inclusive de modo a agregar, através dos eventos, a maior parte dos lucros para si.
A mensagem do disco também é muito positiva. Kanye parece amadurecer e reconhecer muitas das falhas que cometeu, abordando-as abertamente e buscando, tanto o perdão na imagem de Deus, quanto uma maneira de redenção através de sua mãe, usando as balaclavas como um símbolo de renascimento e uma tentativa autêntica de deixar o passado para trás. Contudo, à medida que se seguia a divulgação de Donda, mais esse conceito deturpava-se e se virava contra ele mesmo.
A forma irresponsável com que Kanye lida com seus tratamentos psicológicos, o seu recente apoio a governos e políticos de extrema-direita, seus discursos perigosos de revisionismo histórico; hoje, a inconsequência de conceder um palco para Marilyn Manson, seu desentendimento com Drake e a imprudência que demonstrou ao se manifestar publicamente. Donda criou novas polêmicas e trouxe à tona outras antigas, tomando uma proporção tão grande que é possível dizer que elas tornaram-se maiores que o próprio projeto em si. Ainda que um ótimo álbum, sua mensagem entra em contradição com os comportamentos questionáveis do autor, que, como foi mostrado, perduram. Kanye diz que mudou tanto, mas continua insistindo nos erros de sempre.