Vitória Borges
Considerada uma das melhores séries de comédia produzidas pela Netflix, Disque Amiga para Matar conta com humor perverso em meio a ironia, exageros e muita sinceridade. O enredo do seriado é centrado na história de Jen Harding – papel interpretado por Christina Applegate – que perdeu o marido em um trágico acidente de carro e que, em meio a tanta desordem, conhece Judy Hale (Linda Cardellini), uma simples mulher que guarda segredos sombrios a respeito de seu passado.
Ao longo da primeira temporada, a série criada por Liz Feldman apresenta a trama da vida de Jen lidando com seu pós-luto. Na esperança de passar por esse momento da forma menos dolorosa possível, ela entra para um grupo de apoio no qual conhece Judy, a nova colega. Na medida em que a poderosa amizade entre as duas floresce, os segredos de Hale começam a transparecer e é revelado que ela não era quem fingia ser esse tempo todo.
Com direito a boas taças de vinho em frente a piscina, a segunda temporada de Dead to Me entregou muito drama acumulado, principalmente após Judy descobrir que seu ex-noivo, Steve Wood (James Marsden), foi assassinado. Entre piadas desbocadas e corpos enterrados na floresta, o desenrolar dos episódios da segunda etapa apresenta a dupla de amigas correndo contra o tempo para despistar todas as provas criminais de que elas haviam cometido um delito. Porém, os pequenos detalhes deixados para trás são considerados como a cereja do bolo para o seriado se arrastar novamente para uma próxima temporada e colocar as personagens no meio de uma grande bomba-relógio prestes a explodir.
Com um adeus agridoce e ambíguo, a terceira e última temporada de Disque Amiga para Matar encerra o ciclo do seriado de forma comovente e inevitável. O enredo, agora centrado na luta pela vida de Judy, desloca o foco dos crimes para a dolorosa jornada da amizade diante da adversidade. Ao mesmo tempo, Jen também se encontra envolvida em uma teia de circunstâncias delicadas, enfrentando as complexidades inesperadas da vida e da maternidade.
A despedida repentina da série ocorreu em um ritmo inesperado, quando Christina Applegate, durante as filmagens, surpreendeu ao divulgar publicamente seu diagnóstico de esclerose múltipla, lançando uma sombra inesperada sobre o destino da talentosa atriz. No papel de Jen Harding, Applegate se despediu da trama e das telas da TV, e afirmou que o sentimento de adeus é uma das coisas mais difíceis para ela.
A julgar pela narrativa construída nos dez últimos episódios, a produção mantém seu nível de excelência, mas também entrega reviravoltas que deixam o público ansioso por cada novo desdobramento. O drama emocional da temporada final se encerra com uma proposta totalmente diferente do esperado pelos espectadores. No entanto, como nem tudo é perfeito, alguns podem argumentar que certas reviravoltas são previsíveis. À medida que o seriado explora a complexidade das personagens, a obra carece de conclusões e parece perder seu verdadeiro rumo por revelar nuances surpreendentes que acrescentam mais camadas à narrativa original da trama. Os capítulos finais ainda trazem à tona eventos passados que giravam em torno da morte de Ted e de Steve, afinal, ambas as protagonistas têm sua parcela de culpa nos fatídicos acontecimentos.
O final trágico de Judy Hale deixa claro que Dead to Me retoma o ponto principal: expor a dor compartilhada que une a dupla de amigas. Contudo, o desfecho nada feliz para a personagem apresenta uma grande evolução dela durante as três partes da obra, já que estava disposta a se redimir com sua melhor amiga por erros cometidos no passado. Assim, a terceira temporada caracteriza-se como uma espécie de redenção das protagonistas, especialmente para Jen, que finalmente entende o que Judy quis dizer quando ela havia prometido estar sempre por perto – em especial nos momentos dolorosos do luto.
A habilidade da trama em abordar questões profundas como luto, redenção e arrependimento atingiu seu ápice na última temporada. Presumir que as subtramas da série estão entrelaçadas de maneira magistral contribui para um enredo coeso e deixa um tributo à qualidade excepcional que a produção manteve ao longo de sua jornada. Além disso, a química palpável entre Christina Applegate e Linda Cardellini, que também desempenham papéis como produtoras-executivas, acrescentou uma dimensão extra à narrativa, solidificando uma influência notável no processo criativo da parte final.
As atuações da dupla tiram de letra o humor ácido e descrevem perfeitamente o bom relacionamento entre as personagens. Não é à toa que a obra já foi indicada a seis Emmys, – o famoso Oscar da TV – incluindo como Melhor Série de Comédia. Ao todo, o seriado já recebeu cerca de 70 indicações nas mais variadas premiações televisivas, como o Globo de Ouro e o Writers Guild Awards – premiação organizada pela Associação de Escritores da América para prestigiar roteiristas.
Em 2023, Christina Applegate está concorrendo novamente na categoria de Melhor Atriz em Série de Comédia. Ela disputa ao lado das atrizes Jenna Ortega (Wandinha), Natasha Lyonne (Poker Face), Quinta Brunson (Abbott Elementary), e Rachel Brosnahan (Maravilhosa Sra. Maisel). É tangível acrescentar que a intérprete já chegou a concorrer na mesma modalidade com sua colega de cena, Linda Cardellini, em 2020. Embora ela não esteja entre as favoritas para vencer o prêmio este ano, os fãs estão esperançosos pela vitória – principalmente por se tratar de seu último papel interpretado nas telas.
Acompanhar a cômica jornada de Jen e Judy durante a última temporada mostra que as emoções são como uma tempestade calma no olho de um furacão. O momento de despedida das personagens apresenta uma conclusão digna de um seriado que sabe misturar equilibradamente a comédia e o drama com o uso perspicaz de diálogos afiados e situações inesperadas. A fase final da série mantém a audiência do público muito bem envolvida e proporciona um toque humano genuíno ao enredo – que encerra sua narrativa de maneira memorável.
No mais, Disque Amiga para Matar é uma daquelas produções que te prende do início ao fim. O vínculo improvável da amizade das protagonistas é o que cativa a aventura sem sentido. Se a história dessas duas amigas parece um tanto louca é por que foi pensada para ser exatamente assim, e a forma transparente que o seriado propôs seus momentos finais em meio ao caos de acontecimentos mostra o amadurecimento e o impacto duradouro na história de Jen Harding e Judy Hale. Afinal, se você precisar de ajuda, é só discar para sua amiga te ajudar a matar.