Isabela D’Avila
Apesar de cedo já ter aberto espaço no mundo da Música com suas composições e seus vocais encantadores, ninguém tinha ideia do impacto que o primeiro álbum de Solána Rowe, ou, como é conhecida mundialmente, SZA, faria na indústria musical. Nem mesmo ela imaginava o que a esperava depois da estreia de Ctrl, disco lançado em 9 de junho de 2017. Disponibilizado pela RCA Records e Top Dawg Entertainment, gravadora de Kendrick Lamar, na qual a cantora foi a primeira mulher a entrar, o CD recebeu aclamação da crítica e estreou em terceiro lugar na Billboard 200.
Ainda hoje, o álbum está nas playlists e nos fones de pessoas ao redor do mundo, e já alcançou o feito de ser um dos 10 discos femininos que mais permaneceu na Billboard 200 na História. Ele simplesmente nunca saiu de lá. Ultrapassando cantoras que estavam há anos nessa jornada, SZA, em poucos meses, se sentou no topo, e hoje é considerada a cantora de R&B com mais sucesso da última década. Mas já que sucesso não necessariamente significa boa Música, é necessário explicarmos o porquê de Ctrl ser um projeto fora da curva.
O nome do CD significa controle, e traz uma pessoalidade admirável em suas letras, sejam sentimentos, temas difíceis ou coisas que até seriam erradas demais para serem ditas em voz alta. Para criar as letras das canções, SZA não restringiu nenhuma dessas coisas. As músicas parecem ter sido tiradas diretamente de seu diário secreto. Ou, parecem ter sido baseadas em uma conversa íntima na qual ela desabafa com uma amiga sobre seus problemas do dia a dia, suas relações conflituosas, seus medos e seus anseios. A artista não esconde suas cicatrizes; na verdade, as expõe de forma direta e, sinceramente, muito dolorosa.
Em um álbum que desafia as fronteiras do R&B, inserindo sons melancólicos junto com batidas de hip hop e boom bap, SZA canta sobre as experiências de uma garota negra de 20 e poucos anos e suas dores de crescimento. Ela coloca para fora, através de uma honestidade e sensibilidade absurda, vários momentos de sua vida desde o colegial e nos leva a crer na força enorme que possui. Ela abre um espaço para o sentir, e dá liberdade a si própria e às outras mulheres que vivem o mesmo que ela. É como se ela falasse para as ouvintes: fique à vontade, não se esconda, eu sei o que você está sentindo.
A imersão no universo construído por SZA se inicia com uma gravação telefônica de sua mãe, que é fragmentada na música Supermodel e em outras do álbum. As palavras manifestam de forma simples (e não por isso menos intensa) o conceito geral de Ctrl: “Esse é meu maior medo/Que, se eu perdesse o controle/Que se eu não tivesse controle, as coisas seriam… fatais”. A cantora parece estar em busca de ter o controle de sua vida e de ter em suas mãos o poder de escolha de seus caminhos.
Em uma entrevista concedida à GQ, SZA afirmou que Supermodel era sua canção favorita do álbum, por ser diferente de tudo que ela já tinha feito. Com poucos acordes sendo tocados em uma solitária guitarra, a melodia criada é bem simples e tranquila. Mas, se prestar atenção, você vai perceber que não existe nada de manso no que está sendo transmitido. Aqui o ouvinte já começa a perceber a insegurança e os sentimentos confusos da cantora.
Apesar de claramente estar em uma relação que não a faz bem, ela diz na Música que precisa desse homem para se sentir confortável, não porque ele é bom, mas porque ela não aguenta se sentir sozinha. E acaba retornando para essa relação tóxica, dizendo: “Eu poderia ser sua supermodelo se você acreditar/Se você vê isso em mim, veja isso em mim, veja isso em mim/Eu não me vejo”.
Amor é amor, um lance é um lance. Seria bom se isso tudo não se confundisse no meio do caminho. Em Love Galore (feat. Travis Scott), SZA está se recuperando de um desses “casos” em que não existe amor. Ela está claramente bem decepcionada, e declara estar farta desses caras que a buscam, mesmo já sabendo que não a querem de verdade. Contudo, parece conseguir reagir a essa situação: “Dê-me uma toalha de papel, dê-me outro Valium/Dê-me mais uma ou duas horas, uma hora com você”. E apesar de estar ansiosa por uma oportunidade de encontrar esse homem nos finais de semana (fazendo referência à canção The Weekend), ela deixa claro o seu arrependimento em ter começado essa relação. Em uma das melhores participações do álbum, Travis Scott representa o traço masculino da história.
Buscando respeito em relação ao seu corpo, ou aos corpos das mulheres de forma geral, Doves In The Wind (feat. Kendrick Lamar) traz SZA falando sobre pombas ao vento, a partir da ideia de pureza e paz. Ela canta sobre os homens nunca conseguirem olhar para além de um corpo e acrescenta que, aqueles que conseguem, merecem uma “caixa inteira de chocolates”. Assim, trazendo referências do Cinema, algo que SZA explora ao longo do CD, a cantora faz uma relação à figura de Forrest Gump.
Como uma das participações mais importantes no álbum, mas que até pode ser questionada, Kendrick Lamar enfatiza como os homens acabam fazendo de tudo para conseguir sexo; muitas vezes, coisas absurdas, ficando cegos com isso. Kendrick traz um ponto que faz sentido para a temática, mas direciona boa parte de suas falas aos homens, e reafirma alguns estigmas relacionados à mulher negra.
É nesse sentido que sua participação traz certo incômodo, por gerar uma quebra da proposta de um CD sensível, com foco na perspectiva de uma mulher jovem negra. A participação é diferente das outras de Ctrl, que parecem ser mais controladas pela presença de SZA. Embora Kendrick sempre entregue participações muito boas, sua colaboração não foi a melhor do álbum.
Em um R&B lento, na música Drew Barrymore, a cantora narra uma situação nada confortável, em que o cara que ela estava interessado levou outra garota para a festa. Ela fica em um grande “vai e volta”, tentando ser agradável e, ao mesmo tempo, demonstrando ter muita raiva da situação e inveja por ele estar com uma garota “perfeita”. No refrão da música (“Suficientemente quente para você fora, baby/Diga-me que aqui está quente o suficiente para você/Está quente o suficiente para você dentro de mim?”), fazendo referência à sua aparência ou ao sexo, ela mostra a origem de sua insegurança e, de certa forma, questiona a pertinência desse sentimento.
Criando de novo uma relação com o Cinema, a artista nomeia a música de Drew Barrymore, pois ela se conecta e se identifica com muitas das personagens que a atriz representou em filmes. SZA fala sobre esses papéis serem, muitas vezes, sobre garotas que não são compreendidas, mas que no final das contas só querem ser amadas. Na faixa, ela fala sobre se sentir sozinha e pede desculpas por não ser “boa o suficiente”: “Tenho tanta vergonha de mim mesmo que acho que preciso de terapia/Sinto muito, não sou mais atraente”.
Em todo o disco, SZA relata momentos de sua adolescência e o começo de sua juventude. Em Prom, uma das canções mais destacadas pela crítica, em um pop estilo anos 70 ela traz as problemáticas de uma adolescente que está prestes a passar por uma mudança enorme em sua vida, e que parece estar triste por não ter amadurecido na mesma velocidade que a pessoa com quem está se relacionando.
A solidão e o desespero da artista a levam a aceitar coisas que ela racionalmente não aceitaria. Em The Weekend, uma das faixas preferidas dos ouvintes, que traz a essência de um tradicional R&B, SZA está mais segura de suas ações, mas mesmo assim podemos perceber uma certa tristeza silenciosa na história. A música é uma das mais sólidas no sentido de produção. Em muitos momentos as batidas não têm nenhuma nota, e vez ou outra aparecem sons de piano. Os compassos se diferenciam ao longo da música (algo que SZA traz bastante no álbum), fazendo com que a escuta seja sempre inesperada. A melodia é uma das mais deliciosas do disco.
No enredo da letra, ela divide o homem não só com uma garota, mas com duas. Ela afirma que não se importa, desde que ele esteja com ela no horário combinado. No trecho “Meu homem é meu homem, é o seu homem/Ouvi dizer que é o homem dela também”, e ainda em “Você pega quarta-feira, quinta-feira e depois manda-o para o meu caminho/Acho que tenho tudo sob controle para o fim de semana”, há essa ideia de liberdade feminina, em que elas não estão sendo enganadas, mas sim têm consciência do que está acontecendo e fazem dele o bobo na situação. É novamente uma das músicas que ela parece ter sentimentos confusos, mas, entre situações difíceis, toma certas posturas para que não sofra tanto; é um certo autocuidado, e não estamos falando aqui de skincare ou de yoga, mas sim de um ato radical de defesa.
Em Go Gina, mais uma vez trazendo referências do audiovisual, SZA faz um trabalho sobre uma personagem da sitcom Martin. Na entrevista ao The Breakfast Club, ela explica que a canção fala sobre Gina (interpretada por Tisha Campbell no seriado). Na letra, a cantora pede para Gina levar uma vida mais tranquila, com menos rigidez e mais diversão. A batida é um pouco mais rápida do que a maioria das outras, e acaba ficando um pouco cansativa no final, mesmo que seja uma das menores canções do projeto.
Em Garden (Say It Like Dat), a artista entrega uma melodia e um vocal incrível. Na letra, ela é transparente sobre as inseguranças que tem com seu corpo e não se importa em deixar claro o quanto realmente é necessitada de afeto. Em uma das partes mais chocantes, SZA diz que ama o homem com quem está se relacionando do jeito que ele é, provavelmente mesmo com todos os seus erros, embora saiba que ele nunca vai amá-la, pois ele preferiria estar com outra garota com um corpo mais desejado. Em um ato desesperado por afeto, ela ainda pede “Você pode me abraçar quando ninguém estiver ao meu redor?”. Esse tipo de sinceridade não é de se encontrar em muitas músicas por aí.
Depois de ouvirmos sobre todas essas experiências, em Broken Clocks (terceiro single do projeto) a cantora inicia a parte mais “esperançosa” do álbum, o que parece já ser compreendido antes mesmo da letra começar, já que, ao princípio, a melodia traz uma sensação de paz, quase que angelical. Ela fala sobre o quanto foi cansativo equilibrar seu trabalho com sua vida amorosa no passado, e diz não querer mais voltar à essa vida, demonstrando maturidade para seguir sozinha e levando um dia de cada vez. Ouvimos ela afirmar em um dos melhores refrões do álbum: “Tudo que eu tenho são estes relógios quebrados (talvez fazendo uma relação com o filme Peter Pan) /Eu não tenho tempo/Apenas perdendo tempo”. SZA aponta para o que continua a ajudando a encontrar propósito em sua vida: “Ainda é amor, e ainda é amor”.
SZA continua esse lado mais esperançoso em Anything e Wavy (Interlude) [feat. James Fauntleroy]. Em Normal Girl, uma das preciosidades do disco, ouvimos muitos boom baps e sons repetitivos, que vão ficando mais agudos e se repetem até o final da canção, e que são capazes de te anestesiar logo nos primeiros segundos. Aqui, SZA parece estar inundada por todos esses sentimentos descritos durante as canções. Ela sabe do quanto os rapazes sempre gostam de a ter em suas camas, mas está cansada dessas relações nunca avançarem. Ela gostaria de ser tratada como uma “garota normal”, a qual qualquer um teria orgulho de ter e de apresentar para seus pais.
Mas ela sempre encontra uma saída. Em uma das pontes mais lindas do álbum, ela fala que continuará vivendo sua vida e que um dia não vai lembrar nem do nome desse cara. Em um último fôlego nessa enxurrada de experiências dolorosas, ela diz: “Neste momento, no próximo ano, estarei vivendo tão bem/Não me lembrarei de nenhuma dor, eu juro/Antes de você descobrir, que eu era apenas uma garota normal”.
Quando chega em Pretty Little Birds, SZA evoca a tradicional figura da fênix, um pássaro mítico que ressuscita após a morte. A sensação mítica está na canção, com uma leve bateria e vozes que parecem estar distantes em alguns momentos. Na letra, ela explica: “Você é apenas uma fênix entre as penas/Você está quebrado pelas ondas no meio do mar/Eles o deixarão morrer, eles o deixarão lavar/Mas você nada tão bem quanto você voa”. Um suave trompete introduz a participação de Isaiah Rashad, que traz sua linda voz rouca para compor a obra. Ao final, os dois concluem: “Minhas asas não se abrem como antes/Mas eu quero voar com você”.
Para fechar Ctrl com chave de ouro, 20 Something traz o acústico similar ao de Supermodel, na qual ela canta sobre uma certa separação que não estava preparada para lidar. Nesse amontoado de sentimentos de uma garota de “20 e poucos anos”, SZA percebe que nunca encontrou o amor, pelo contrário, ela só conhece o medo.
Ela definitivamente ainda não tem o controle de sua vida, mas permanecerá buscando. Em uma tentativa de recorrer à Deus e ao que ainda possui de esperança, ela finaliza: “Mas que Deus abençoe esses 20 e poucos/Esperando que meus 20 e poucos não acabem/Esperando manter o resto de meus amigos/Rezando para que meus 20 e poucos não me matem”.
Todos conhecem aquele sentimento de alívio quando alguém entende os problemas pelos quais você está passando. Aquela sensação de que você está mal, mas, pelo menos, está acompanhada. Conexão. Isso é algo que SZA consegue criar de forma majestosa em Ctrl. Entre temáticas sobre o amor, o desejo, a insegurança, traição, competição, ciúmes e baixa autoestima, ela expõe sua alma e todas as suas complexidades. Você se sente quase como invadindo sua privacidade, quase como se estivesse lendo seu diário secreto. Ela traz à tona dores enterradas em seu coração e desperta o mesmo movimento nas ouvintes.
Muitos dizem que o sentir é o primeiro passo para a cura, para que depois seja pensado que é necessário se fazer. Outros talvez possam dizer que esse resgate de feridas não é tão saudável. Mas uma coisa todos podem concordar: SZA consegue criar essa conexão absurda entre as garotas que já passaram ou estão passando por essa fase, trazendo a sensação de naturalidade com sua voz e composições.
Ctrl é baseado em acontecimentos reais. Essas situações acontecem, e muito. Entre produções impecáveis, batidas eletrizantes, grooves deliciosos, melodias intensas e vocais absurdos, SZA sensibiliza para mandar a real. E continua mandando, em seus singles lançados posteriormente. Ela já deixou claro que o próximo álbum chega no próximo verão. E enquanto isso não acontece, seus fãs não tiram as músicas de Ctrl do repeat, voltando sempre para o ambiente confortável que foi criado desde a primeira vez que apertaram o play, 5 anos atrás, naquele 9 de junho de 2017.