O primeiro cineclube de 2018 discute títulos premiados no Globo de Ouro e indicados ao Oscar, bem como mostra que há vida pulsante fora de Hollywood. Confere aí:
120 Batimentos por Minuto
Em seu terceiro trabalho como diretor, o franco-marroquino Robin Campillo introduz sua narrativa com 15 minutos quase ininterruptos de uma discussão política. Em 1990, membros da filial parisiense do ACT UP — organização real que surgiu nos EUA e promovia ações diretas na busca por políticas públicas de combate à pandemia do HIV — discordam se seu último ato foi vitorioso ou apenas violento. Os ativistas buscam chamar atenção para um governo negligente. Cortes secos e rápidos expressam a emergência da causa. O tom é quase documental.
Em meio à urgência política, no entanto, o longa não deixa de ser extremamente humano. A forte personalidade do protagonista, Sean (Nahuel Pérez Biscayart), e seu realismo são o que tornam 120 Batimentos por Minuto um registro tão emocionalmente pesado: sua luta é por um futuro mais promissor, já que no presente o jovem já sabe que as esperanças são escassas.
Tanto caos rende um cenário árido para o romance que o roteiro languidamente desenvolve, impedindo que o relacionamento de Sean com Nathan (Arnaud Valois) sirva de escapismo ao espectador. Longe disso, o roteiro de Campillo e Philippe Mangeot (ambos ex-membros do ACT UP) nos encurrala em uma realidade que rende cinema dos bons, mas que nem sempre é fácil de ser acompanhada. – Leonardo Teixeira
O Artista do Desastre
Não é exagero afirmar que praticamente todo indivíduo com interesse em cinema e acesso à internet já esbarrou em resenhas, cenas, citações ou memes de The Room (2003). O filme (escrito, dirigido, produzido e estrelado pelo canastrão Tommy Wiseau) é o melhor exemplo do chamado “tão ruim que é bom”: tudo ali é tão absurdo que, no fim, proporciona uma experiência peculiar – o culto ao longa permanece forte até hoje.
Ainda mais bizarro são os bastidores, detalhados pelo ator e parceiro Greg Sestero em seu livro, The Disaster Artist. A obra serviu de base para o filme homônimo de James Franco (que dirige, produz e estrela), cuja intenção era retratar a saga dos dois amigos de modo empático.
Se no papel a ideia era interessante, na prática o resultado não seguiu o mesmo rumo. A impressão que fica é que Franco e seu elenco, repleto de nomes com quem contracena constantemente, se deram a licença poética para “zoarem muito” em uma história bastante propícia. A simples comparação das cenas recriadas com as originais – veja aqui – já denuncia os exageros. Para melhorar, James cai na mesma metalinguagem problemática de The Room, mas sem a espontaneidade deste: um sujeito ególatra na vida real interpretando outro na ficção (multiplicado duas vezes em O Artista do Desastre). Faz jus ao clássico cult trash, mas não no bom sentido. – Nilo Vieira
O Destino de uma Nação
Alguns fatos da vida de Winston Churchill são pouco conhecidos. Churchill foi jornalista e escritor e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1953. Estas atuações parecem ter sido superadas por sua carreira política. De fato, Churchill se destacou pela capacidade de interpretar o perigo representado por Hitler bem antes de seus coetâneos. Segundo historiador John Lukacs, a inflexível oposição de Churchill contra Hitler foi fundamental para os destinos da Segunda Guerra Mundial. Desde a metade da década de 20 Churchill alertava o Reino Unido sobre o perigo da mística teutônica do cabo Adolf.
Contra um fraco Chamberlain, primeiro ministro que o antecedeu, de seu próprio partido (conservador), apresentou uma tenaz resistência a qualquer tipo acordo ou tratado com Hitler. Esta postura acabou por forçar o Führer a cometer o erro final, a invasão da União Soviética. O filme acerta no roteiro, retratando o período de maior tensão na carreira deste polêmico estadista. A atuação de Gary Oldman é quase certeza de Oscar. – Eli Vagner
Me Chame pelo seu Nome
O azul do pôster já denuncia – Call Me By Your Name é pura sutileza. Adaptação do romance de André Aciman, o longa nos transporta para a casa de verão da família Perlman em “algum lugar no norte da Itália”, como bem coloca a cena inicial. O filme conta a arrebatadora paixão entre o adolescente Elio (Timothée Chalamet), o primogênito, e o visitante Oliver (Armie Hammer), assistente de seu pai. A direção de Luca Guadagnino é ágil, mas sutil: a tensão sexual entre os dois é instantânea e o desenrolar, suave.
Para Aciman não há nenhum problema em criar personagens LGBT sem necessariamente levantar temas comuns nessas abordagens como, por exemplo, a homofobia. A adaptação conserva tal viés, tanto que a palavra gay não é usada. O caso dos protagonistas não demora a se transformar em um segredo discreto e delicioso, parte integrante do cotidiano da casa de verão junto das piscinas, cachoeiras e estradas de terra. Os tons alaranjados da paisagem italiana, inclusive, dialogam com a delicadeza da trama. Para coroar, a trilha sonora de Ryuichi Sakamoto, Giorgio Moroder e Sufjan Stevens (cuja “Mystery of Love” concorre a Melhor Canção Original) embala perfeitamente a história de Elio e Oliver. Para ver e rever. – Gabriel Leite Ferreira
O Motorista de Táxi
O Motorista de Táxi traz um alivio cinematográfico para a delicada situação política da Coreia do Sul na década de 80. O filme coreano, porém, inicia-se como uma comédia um pouco fraca, mostrando um humor caricato de Kim, um simpático motorista de táxi interpretado pelo já experimente Kang-ho Song (Memórias de um Assassino, O Hospedeiro).
Seu ato inicial, porém, nada mais é do que uma pintura que o ex-presidente Chun Doo-hwan vendia ao mundo. Mas essa imagem de comédia pastelão se dissolve quando Kim vê seus amigos nada convencionais prestes a serem presos em Gwangju, no sul do país. Lá, o silêncio da ditadura coreana coloca os sonhos de pessoas comuns em jogo, incluindo o próprio Kim.
A jornada para salvar seus clientes se torna, então, sua própria jornada. Com a interpretação apaixonante de Song, O Motorista de Táxi nos deixa com vontade de saber mais dessa figura tão cativante e espontânea que, como tantos outros, contribuíram anonimamente pelo fim do golpe de estado sul-coreano. – Adriano Arrigo
The Post – A Guerra Secreta
A relação entre jornalismo e cinema data de um período em que o próprio jornalismo pós 2º Revolução Industrial se tornou extremamente fundamental para a discussão politica contemporânea. Cidadão Kane abre essa discussão no cinema de grande público não só como um dos filmes mais importantes para a história do cinema, mas também como um espaço para explorar a simbiose desse elo. O auge dessa relação com Todos os Homens do Presidente e o escandalo de Watergate abriu precedentes para o gênero que, em 2016, foi marcado por Spotlight e, agora, com The Post – A Guerra Secreta.
Não podemos dizer, porém, que a empreitada de Steven Spielberg acrescenta algo a essa relação. Inegavelmente há uma direção segura com um tema que vem, inclusive, temporalmente antes de Todos os Homens do Presidente mas que, ao mesmo tempo, se mantêm atual por cutucar a liberdade de impressa na era Trump.
A luta amiga entre The Washingon Post e The New York Times é bem orquestrada por um Tom Hanks um pouco afetado, mas que compensa nas mãos de Meryl Streep. Mas a falta de artifícios que mostrem a real importância da discussão e de algo que não romantize o jornalismo deixam o filme de Spierberg cansativo e preso a um lugar comum perante os seus antecessores.
Mesmo com seus exageros, The Post é competente em mostrar que o jornalismo é – e talvez continue sendo por um bom tempo – pivô na politica nacional de qualquer país. No mais, soa como mais um filme encomendado para a temporada de Oscar. – Adriano Arrigo
Visages Villages
De um lado, a experiente diretora Agnès Varda (Cléo de 5 à 7). Do outro, o jovem artista gráfico JR (responsável pela capa de Everything Now). O fascínio conjunto pela questão de (re)construção de imagens – estética e historicamente – leva estes dois à viagens por pequenas vilas de seu país natal, a França, onde fazem ensaios fotográficos e convertem as melhores peças em instalações.
Este documentário registra tal jornada, e não dá pra negar que a dupla sucede na missão artística. Infelizmente, as partes de “bastidores” com as conversas dos dois parecem ensaiadas demais e tornam o longa levemente maçante. Não deixa de ser um bom programa leve para o fim de semana, porém. – Nilo Vieira
Viva – A Vida é uma Festa
Após uma sequência de dois anos consecutivos lançando continuações pouco pertinentes de suas histórias, Viva – A Vida é uma Festa traz o que os admiradores da Pixar esperam do estúdio. Viva é colorido, alegre mesmo que lide com a morte, arrependimento e a saudade, temas já consagrados pelo estúdio que se tornou o braço direito da Disney.
Felizmente, Viva também dá um passe a frente a esses temas. Talvez não seja o propósito do longa, mas o cenário da cultura mexicana traz um ar de pluralidade ao longa. Tal qual a Disney já fizera anteriormente em Moana: um Mar de Aventuras, o filme explora também a crença da vida após a morte e guias espirituais, temas esses que poderiam se tornar espinhosos para qualquer estúdio americano.
O resultado, porém, não é audacioso e muito menos polêmico, pelo contrário. Viva é agradável e palpável para adultos e crianças, sem deixar-se cair na infantilidade. Como se não bastasse, a história é convincente, seu visual é deslumbrante, tanto quanto no uso de cores muito vivas quanto na criação de personagens exclusivos daquele mundo. Apesar de tanta felicidade, será difícil também não sair chorando da sessão, o que o eleva a categoria de um autêntico filme Disney/Pixar. – Adriano Arrigo