O evento cinematográfico mainstream mais impactante do último mês foi a estreia de Pantera Negra. Goste ou não de filmes de heroi, não há como negar que este ao menos conseguiu gerar comoção autêntica e fomentar o debate social sem pregações engessadas – tudo o que a nonagésima edição do Oscar não conseguiu ontem. De qualquer forma, a seleção de indicados da premiação foi sólida o suficiente, e nesta edição do Cineclube Persona damos alguns pitacos sobre títulos que não foram contemplados por nosso especial. Confira:
Eu, Tonya
A trajetória de Tonya Harding chega a ser surreal. Apesar de seu talento e dedicação na patinação no gelo, a esportista passou a vida toda cercada por relações abusivas: a pressão por parte da mãe era sufocante, e seu primeiro namorado era violento. Com boa atuação de Margot Robbie no papel principal, o filme tinha tudo para ser ao menos um bom passatempo.
Isso é, não fosse o formato semi-documental feat. quebra da quarta parede de Eu, Tonya. Inegável que a opção em retratar a história de Harding como uma comédia de humor negro foge do óbvio, mas atuações caricatas (especialmente Alison Janney, cuja vitória como Melhor Atriz Coadjuvante em cima de Laurie Metcalf foi inacreditável), personagens unilaterais e direção pesadamente didática tornam o longa em um novelão. A melhor homenagem recente à Tonya foi mesmo a canção de Sufjan Stevens. – Nilo Vieira
A Grande Jogada
Biópicos podem até gerar empatia mais rápido no espectador por seu teor verídico, mas tal vantagem não é garantia de qualidade ou mesmo consistência. A Grande Jogada é um bom exemplo: baseado no livro Molly’s Game, retrata a ascensão e queda de Molly Bloom como organizadora de jogos de pôquer de alto risco em Los Angeles. Conhecemos sua relação complicada com o pai, suas falhas e provações enquanto mulher.
Infelizmente, isso não basta para sustentar o longa-metragem por mais de duas horas. O roteiro (única indicação ao Oscar aqui) logo se torna formulaico e, pra piorar, as atuações de Jessica Chastain e Idris Elba mais parecem ensaios. Mesmo com a ajuda de David Fincher, a estreia de Aaron Sorkin na direção deixa muito a desejar – ao final da sessão, o primeiro pensamento que surge é que valeria bem mais usar as 2h20 para ler o livro. – Nilo Vieira
Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi
Após alguns desastres, o Netflix conseguiu emplacar um bom filme. Apesar do filme não ser um dos “originais” do serviço de streaming, é sua primeira distribuição a receber críticas majoritariamente positivas. Mudbound é inspirado no livro de mesmo nome, da escritora Hilary Jordan lançado em 2008, e desenvolve o cotidiano de duas famílias de uma mesma fazenda no Mississipi durante o inverno de 1946: os McAllan, brancos donos das terras e os Jackson, negros que são empregados no terreno. Além da fazenda, ambas famílias compartilham o envio de um dos membros para a Segunda Guerra Mundial: o piloto de aviões Jamie McAllan (Garrett Hedlund) e o piloto de tanques Ronsel Jackson (Jason Mitchell).
As relações entre as famílias flertam com a escravidão, apesar dos negros já estarem livres há mais de 80 anos na época. Ronsel e Jamie, compartilham a angústia do retorno à “civilização pacífica”, após anos de guerra em que lutaram lado a lado, mas não podem ser vistos no mesmo carro no Mississipi. Na desolada e lamacenta fazenda, as mães das famílias, Laura McAllan (Carey Mulligan) e Florence Jackson (Mary J. Blige), buscam conforto uma na outra, esbarrando no patriarcado retrógrado do dono da fazenda Harry McAllan (Jason Clarke) e seu pai, Pappy (Jonathan Banks).
Com temas bastante atuais e excelentes atuações, o filme possui dois marcos em termos de Oscar: Mary J. Blige recebeu duas indicações, como atriz coadjuvante e por melhor canção original, com “Mystic River”. Rachel Morrison se tornou a primeira mulher em 90 anos do prêmio a ser indicada por melhor fotografia – ela também assina o trabalho em Pantera Negra. Os brasileiros só poderão ver Mudbound pelo Netflix daqui alguns meses, sua distribuição por aqui foi comprada pela Diamond Films, e só será disponibilizado quando sair de cartaz nos cinemas. – Guilherme Sette
Sem Amor
Dentre os candidatos à Melhor Filme Estrangeiro, o representante da Rússia era o com menos chance de vencer. Diferente do disco homônimo do My Bloody Valentine, este Loveless é de fato uma obra marcada pela ausência de sensações agradáveis – tal niilismo não se encaixa no perfil do Oscar, cuja preferência são histórias de redenção, inspiradas em fatos reais ou apenas sentimentalóides.
A história do casal em vias de divórcio que sai em busca do filho desaparecido não é entregue sob perspectiva esperançosa (a aridez é realçada pela fotografia, com belos quadros de cores frias) e, de modo semelhante ao “polêmico” Três Anúncios para um Crime, não aponta culpados ou vilões – tudo parece ser consequência, seja de ambientes hostis ou formações familiares complicadas. É um lembrete de que nem sempre o realismo é algo tranquilo de se encarar. Não era mesmo pra ganhar Oscar, mas trata-se de um filme precisamente contemporâneo, que perpetua a qualidade altíssima da escola cinematográfica do país. – Jefferson Garcia
Todo o Dinheiro do Mundo
O trabalho mais recente do veterano Ridley Scott foi cercado de polêmicas. Após as denúncias de abuso sobre Kevin Spacey, o diretor tomou a decisão ousada de substituí-lo no filme, já concluído. As cenas com seu personagem foram refilmadas, com o experiente Christopher Plummer no papel – houve até quem cravasse que só por este peso simbólico a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante já estava garantida.
Claro que isso era presunção exagerada, mas o destaque para Plummer é justo. No papel do bilionário J. Paul Getty, que recusa a pagar uma “alta” quantia em dinheiro exigida pelos sequestradores de seu neto, ele entrega uma atuação sóbria e macabra e, junto de Michelle Williams (cujo pagamento pelas cenas refilmadas foi muito inferior ao do ator Mark Wahlberg, com quem compartilhava agência), é das poucas coisas que se salvam no filme. Desfile de caracterizações afetadas, direção que falha em criar tensão e trilha sonora pomposa são alguns dos vários defeitos de Todo o Dinheiro do Mundo, que no fim está fadado a ser lembrado unicamente por seus bastidores controversos. – Nilo Vieira