Nathan Nunes
Desde que nos entendemos por gente, somos ensinados a não julgar um livro pela capa. Esse ensinamento é válido em diversos contextos, e um deles é o Cinema. Uma prova recente disso é a comédia Cidade Perdida, cujo pôster principal possui duas imagens pavorosamente retocadas e artificiais dos protagonistas Channing Tatum e Sandra Bullock na parte superior, além de uma colagem dos coadjuvantes Brad Pitt, Oscar Nunez e Da’Vine Joy Randolph em meio a um efeito de explosão que parece saído do pacote mais básico do Photoshop.
Não bastasse isso, seria fácil olhar com desdém para um filme como esse baseando-se em sua premissa, que já foi retratada diversas vezes no Cinema e cujas batidas se repetem: o romance desenvolvido em meio a uma trama de arqueologia, o casal que não se gosta no começo e vai se aproximando ao decorrer do filme, o vilão caricato, entre outros. De fato, Cidade Perdida não se distancia de nenhuma dessas convenções e nunca tenta reinventar a roda desse subgênero, assumindo-se como pleno entretenimento escapista do início ao fim; e é justamente por isso que funciona tão bem.
O filme começa acompanhando a rotina de Loretta Sage (Bullock), autora de uma famosa saga de livros de aventura e romance. Vivendo reclusa desde a morte de seu marido, ela relutantemente aceita participar da turnê de lançamento de seu novo trabalho, ao lado de Alan Caprison (Tatum), modelo que faz o papel do herói da saga Dash McMahon. Loretta acaba sendo sequestrada pelo bilionário Abigail Fairfax (Daniel Radcliffe), que está obcecado em encontrar um tesouro mencionado no mais recente escrito da autora. No fim, tudo se direciona para que Alan vá atrás de Loretta e ambos fiquem perdidos na selva, com o único objetivo de sobreviverem e encontrarem o tal tesouro.
O roteiro – escrito a cinco mãos por Oren Uziel, Dana Fox e os também diretores Aaron e Adam Nee (além de crédito de história para Seth Gordon) – se calca muito mais na dinâmica do texto entre Bullock e Tatum do que em qualquer outra coisa, e felizmente ambos estão sensacionais dentro da proposta. A química entre os dois é divertida e funciona através da diferença de personalidade. Loretta é decidida e intrépida, enquanto Alan é medroso e desastrado. Eles convergem para a clássica linha dos opostos que se atraem.
Mesmo operando em uma linha familiar, ainda há espaços dentro da história para algumas sacadas bem inspiradas. Uma que se destaca é a revelação acerca do famigerado tesouro, que se conecta ao arco narrativo de Loretta e reflete a sua evolução ao longo da rodagem, indo de uma mulher abatida pelo luto para uma pessoa muito mais espirituosa do que antes.
Outra sacada interessante na trama envolve a participação de Brad Pitt como Jack Trainer, a personificação clássica do herói de ação: alto, forte, atlético, sedutor e com uma peruca loira absurda. Pitt – claramente se divertindo no papel, diga-se de passagem – é colocado para contracenar com Tatum, que não só é o exato oposto enquanto personagem como também é vendido para o público dentro do filme com base nesses mesmos arquétipos. É uma oportunidade que o roteiro aproveita para brincar de uma forma metalinguística com esse tipo de figura do gênero.
Ainda assim, é evidente que a narrativa possui seus desfalques, e o maior deles recai sob os ombros de Daniel Radcliffe como o vilão Abigail Fairfax. Divertido e intencionalmente exagerado, o personagem passa a ser pouco explorado a partir do segundo ato, deixando um gostinho de quero mais devido a boa performance do ator. Da’Vine Joy Randolph e Oscar Nunez passam por uma situação parecida: “não fedem, nem cheiram”, e somente estão ali para entreter rapidamente.
Se narrativamente Cidade Perdida não se compromete com grandes pretensões, visualmente tampouco. A direção dos já citados irmãos Nee não chama atenção na sua construção da mise-en-scène, sendo bastante formulaica e burocrática. Não que isso seja um problema quando se leva em conta a proposta do projeto, mas um aproveitamento mais inspirado das belas locações na República Dominicana certamente seria muito bem-vindo.
Contudo, há uma cena que se destaca: antes da virada que inicia o terceiro ato da projeção, temos um momento de dança entre Tatum e Bullock filmado em frente a uma fogueira. A junção da canção suave com a dança lenta, a iluminação baseada no fogo de fundo e os figurinos belíssimos (o vestido vermelho que Bullock utiliza nessa cena é fantástico) realçam a beleza do casal principal, bem como a crescente de intimidade que está se formando entre os dois.
Indo além dos elogios e reclamações comuns, é inegável reconhecer a influência de filmes passados sob a história de Cidade Perdida. A mais óbvia dessas referências é Tudo por uma Esmeralda (1984), dirigido por Robert Zemeckis. Ambos são comédias românticas ambientadas em um contexto de aventura arqueológica e possuem como maior atrativo de marketing a presença de duas grandes estrelas de Hollywood como protagonistas (Michael Douglas e Kathleen Turner no filme de Zemeckis, Bullock e Tatum aqui). No fundo, Cidade Perdida é uma ode bem feita a esse tipo de filme que não se vê mais com frequência por aí.
Dito isso, se The Lost City irá influenciar uma futura geração de diretores e interessá-la em revitalizar esse subgênero daqui 40 anos (exatamente o que Tudo por uma Esmeralda está fazendo hoje), cabe apenas ao tempo nos responder. Hoje, o que se deve ter em mente é que Cidade Perdida é um conforto que estávamos precisando há um tempo e definitivamente não sabíamos.