Rafael Gomes
Ao estrear em 23 de Junho de 1989, Batman surpreendeu ao apresentar uma história de super-herói sombria, diferente do que estava na mente do grande público após o filme Superman (1978) se tornar um marco cultural na época, com um marketing que se tornou modelo para a indústria cinematográfica. Por meio de estratégias como parcerias de merchandising, produtos licenciados e eventos especiais, o filme garantiu que ele estivesse em todos os aspectos da cultura pop – tornando a ‘batmania’ real. Dessa forma, o longa foi um sucesso e, posteriormente, sendo vendido pelo estúdio como o filme da década para o home video.
Após seu sucesso comercial, a franquia teve sua continuação em Batman: O Retorno (1992). Tim Burton teve carta branca do estúdio e pode fazer um Batman mais sombrio e torturado, tornando a sequência um filme mais coeso e impactante. A produção não foi tão rentável, fazendo com que Burton fosse substituído por Joel Schumacher nas duas próximas continuações, Batman Eternamente (1995) e Batman e Robin (1997). O novo diretor fez a franquia obter uma visão mais lucrativa com foco infantil, destruindo a essência do personagem, além da estratégia não ter sido bem sucedida. O herói só foi se recuperar da imagem negativa deixada pelos dois últimos filmes com a franquia Cavaleiro das Trevas (2005-2012), dirigida por Christopher Nolan.
Ao assistirmos Batman (1989), 35 anos depois de seu lançamento, após diversos diretores e estúdios conseguirem sucesso no gênero de heróis, encontramos um protótipo que acerta e erra na mesma proporção. O longa funciona como uma forma de introdução ao mundo realista do Batman, porém, peca com o personagem principal (Michael Keaton) e com seu arqui-inimigo Coringa (Jack Nicholson), para se ajustar aos clichês da época. Há uma desconexão entre a essência solitária do herói e a necessidade que o filme apresenta em envolvê-lo em um romance. Outra incongruência é em relação à natureza caótica e misteriosa do Palhaço do Crime, com a necessidade de alterar sua história para obter uma identidade e uma origem definida.
Ao invés da narrativa ser guiada pelo ponto de vista de Bruce Wayne, o filme utiliza os repórteres Vicky Vale (Kim Basinger) e Alexander Knox (Robert Wuhl) como fios condutores, levando, aos poucos, o espectador ao encontro do Homem-Morcego e a sua origem. Em paralelo, temos a introdução de Jack Napier, um gângster que se torna o Coringa ao se deparar com o Batman, sendo movido pela necessidade de se vingar.
Alguns dos pontos fracos do filme estão em um Bruce Wayne silencioso e torturado se apaixonar por Vicky logo no primeiro ato, e começar a atuar mais como um segurança dela do que como um protetor de Gotham – foi um caminho que o roteiro deu para justificar a atenção dada para ela desde o início da produção. Já o Palhaço do Crime, que deveria ser o agente do caos, acaba sendo um mafioso espalhafatoso, fazendo uma mescla entre o Coringa dos quadrinhos, com pitadas de humor remetentes à série de 1966.
A decisão mais polêmica do filme é revelar que o autor da morte dos pais de Bruce Wayne foi Jack Napier. Por isso, o Coringa se torna uma espécie de criador do herói e Batman passa a ser movido por vingança: chegando a afirmar que irá matar o vilão. O grande problema dessa abordagem é não ser uma chegada de limite forçada pelo Coringa, através dos absurdos que cometeu com a população da cidade, mas por sua tragédia pessoal, tirando a essência do herói de lutar contra um inimigo sem fim – o crime – e do altruísmo presente em todos os super-heróis.
A repórter Vicky Vale ganha um grande destaque na trama, mas seu desenvolvimento não a acompanha. Mesmo sendo uma fotógrafa bem sucedida e o amor à primeira vista de Bruce Wayne, a trama a coloca apenas como a donzela em perigo, usada para cruzar o caminho dos dois antagonistas. Sua história de romance com Wayne é completamente apressada e é também sem sentido: sua insistência em ficar com Bruce mesmo com todos os indicativos de não ser uma boa ideia. Isso se confirma quando a jornalista aparece na Batcaverna sem nenhuma razão, mostrando como a produção desistiu de dar alguma lógica para a relação dos dois.
Apesar desses problemas que ficam mais evidenciados a partir dos anos, Batman se sustenta por conta do talento de toda a produção. O filme constrói uma Gotham completamente única, com diversas edificações góticas, carros da década de 1970 e figurino de 1940: essa mistura de elementos torna a cidade um personagem à parte na trama. Além disso, a trilha sonora de Danny Elfman é espetacular, e dá um toque especial ao longa, também se tornando o tema musical de diversas outras produções do Homem-Morcego, como a série animada de 1992 e os jogos da franquia Lego Batman. Além disso, Batman ainda conta com uma canção feita por Prince, Partyman, que foi um sucesso e dá um toque especial para a película.
A atuação de Michael Keaton é excelente. Com a voz sussurrada, interessado em agir e com poucas palavras, o ator fez a melhor representação do personagem até a interpretação de Christian Bale na trilogia Cavaleiro das Trevas. Bruce Wayne é bem retratado em tela, como um homem aparentemente tranquilo, mas que tem o peso do mundo nas costas. O grande destaque fica com Jack Nicholson: toda cena em que o Coringa aparece é espetacular. Mesmo não sendo o típico ‘Joker’ dos quadrinhos, Nicholson entrega um excelente vilão.
Após 35 anos da chegada do filme aos cinemas, tivemos mais nove produções do personagem nesse período, assim, é inegável a influência do longa para o que conhecemos do Batman hoje e para o tom dos que vieram posteriormente a esse primeiro. Batman foi o responsável por abrir caminho para que os filmes de super-heróis fossem explorados de formas diferentes das habituais, tomando novas formas. Ainda que tenha pontos fortes e fracos expostos pela sua idade, é algo que sempre terá espaço com os fãs de história em quadrinhos, porém, a cada ano que passa, vai ficando mais datado e se distanciando de ser chamado de ‘um bom filme’.