Sabrina G. Ferreira
Quem nunca ouviu falar sobre uma história de um filho que tem uma relação complexa, quase incensuosa (ou melhor dizendo, de “estranha proximidade”), com a mãe, que ao perdê-la de forma repentina e trágica, passa a cometer assassinatos ao incorporar a personalidade da mulher? Este é o ponto de partida de Bates Motel, que chama a atenção dos amantes de Terror, principalmente pelo seu nome, que tem como referência uma história contada já a algumas décadas atrás, no clássico filme Psicose (1960), do aclamado diretor Alfred Hitchcock.
Criada pelo roteirista Anthony Cipriano (da série The Jersey), e produzida por Carlton Cuse (Lost), e Kerry Ehrin (de Friday Night Lights), a série conta, em cinco temporadas, a história de uma mãe, Norma Bates (interpretada de forma impecável por Vera Farmiga), que após a misteriosa morte do marido, muda-se para a pequena cidade de White Pine Bay, em Oregon, levando consigo seu filho adolescente de dezessete anos, Norman Bates (Freddie Highmore). Com o propósito de conseguir uma forma de sustento, ela adquire um velho e abandonado motel e o casarão ao lado (também antigo, claro!). Outro detalhe é a localização destes imóveis, que ficam em uma estrada remota, de difícil acesso aos motoristas, tornando o motel um local de pouca procura para hospedagem.
Logo no primeiro episódio, somos introduzidos ao protagonista: o jovem Norman Bates; e nos damos conta dos distúrbios mentais que o personagem enfrenta. Norman sofre de um transtorno de bipolaridade, que algumas vezes o fazia pensar ser a própria mãe, a tal ponto de se vestir e falar como ela. Nesses momentos de “apagões”, ele podia fazer coisas abomináveis com as pessoas que estivessem próximas a ele, e logo depois, quando voltava a si, não se lembrava de nada que havia acontecido, e ainda culpava a mãe por seus atos maldosos.
A mãe de Norman, Norma Bates, também sofre de evidentes distúrbios de bipolaridade, com seu humor alternando entre explosões de raiva e momentos de extrema delicadeza. Em alguns episódios, ela se mostra como uma mãe controladora do filho, mas em outros, ela se torna uma espécie de vítima, cujas ações nada mais são do que reflexos de tudo o que ela já passou. Estes elementos se manifestam na personagem de forma a construir uma mulher visivelmente angustiada, que guarda um segredo “a sete chaves”; ou até mesmo como alguém que vive perturbada por seus próprios demônios, pois consciente do comportamento psicopata de seu próprio filho, Norma tenta de todas as formas mantê-lo longe das pessoas.
Assim, alguns dos principais distúrbios comportamentais presentes nos genes de Noman também são visíveis em sua mãe. Filha de pai abusivo, quando jovem, Norma desenvolveu uma relação semelhante, porém, com seu irmão mais velho, Caleb (Kenny Johnson), e isso a atormentou por anos, pois ela teve que conviver com a constante culpa por ter, na época, amado seu irmão de volta. Este relacionamento violento e com abusos psicológicos de Caleb com Norma pode ser interpretado como uma Síndrome de Estocolmo.
Analisando a dependência de Norman com sua mãe, podemos supor que, por não possuir uma figura paterna, o filho cria uma grande conexão com a materna, e da mesma maneira – como Freud explica -, acaba vinculando a sua libido a ela. Há até mesmo uma suposição de que Norman, quando criança, possa ter sido abusado pela sua mãe, e como consequência, passou a ter sentimentos conflitantes por ela, pois a confusão de sentimentos e a culpa são muito frequentes em crianças e adolescentes que sofrem este tipo de trauma.
Ademais, é válido salientar que além de se tratar de uma série de horror, Bates Motel traz também uma conscientização quanto aos distúrbios mentais em pessoas de uma mesma família, e os possíveis traumas que podem ser ocasionados em indivíduos, ainda em fase de desenvolvimento, vítimas de abusos, físicos e mentais, por exemplo. Na maioria das vezes, o abusador também já foi um dia abusado, igual Norma, que além disso, também não aprendeu, ainda na infância, sobre os limites de intimidade que precisam ser impostos entre familiares, e tem algumas atitudes equivocadas, como dormir na mesma cama do filho de dezoito anos de idade. No caso de Norman, há uma releitura moderna de Édipo, com momentos que alternam entre raiva e uma enorme dependência emocional pela mãe, assim, quando ela inicia um relacionamento amoroso com outro homem, Norman se sente ameaçado e manifesta medo em perdê-la.
No decorrer das temporadas, vão surgindo outros personagens na trama, como a misteriosa Emma Decody (Olivia Cooke), que, possivelmente, é aquela em que o espectador mais poderá se identificar. No início, Emma era uma amiga próxima de Norman, e pensamos até mesmo haver uma possível paixão entre os dois. Porém, após ela conhecer o meio-irmão (e primo) de Norman, Dylan (Max Thieriot), acaba se apaixonando por ele, e no decorrer das temporadas, acabam tendo uma relação estável, formando uma família juntos.
Sendo assim, a cada episódio, as “nuances” dos personagens se acentuam ainda mais, principalmente na terceira temporada, que é quando Norman se torna cada vez mais parecido com a sua versão no filme Psicose, uma vez que a personalidade de sua mãe passa a aparecer com mais frequência para ele. Desta forma, ele passa a ter a postura de enfrentá-la, ou assumir seus atos, que já não passam mais tão despercebidos para ele, e as máscaras começam a cair para Norman e Norma Bates.
Enfim, Bates Motel é uma série obscura, que não começa com um assassinato de uma jovem de cabelos loiros em um banheiro de motel, como no filme dos anos sessenta. A nível de comparação, só temos um vislumbre da personagem principal do longa, Marion Crane (desta vez, interpretada por Rihanna), em dois episódios da última temporada, e até mesmo o desfecho desta personagem na série, felizmente, é outro. Essa é uma história sobre a família Bates, ou seja, Norman e Norma, e nada mais. O que espanta, no entanto, é que ao contrário do que acontece no filme, aqui, criamos uma relação de empatia pelo psicopata, sentindo muitas vezes compaixão por ele, e passamos a vê-lo como alguém de “bom coração”, mas que sofre de uma doença mental que toma conta dele de forma involuntária.
A série, assim como muitas, não é isenta de erros, como por exemplo, quando dá soluções rápidas e fáceis aos problemas que surgem nos episódios, quando poderia trabalhar na construção dos personagens e das situações aos poucos, a longo prazo. Mas de forma geral, no final temos um enredo muito bem construído, com um final surpreendente, e até mesmo aceitável, para a maioria dos personagens. Bates Motel explica de forma espetacular a doença de Norman e constrói uma rede em torno dele, dando um ressignificado para algo que foi a muito tempo contado, mas agora, com o jeito crível e detalhado de contar história, com capacidade para conscientizar o espectador, próprio da nossa geração.