Ana Júlia Trevisan
Babilônia é sinônimo de grandeza. Uma das sete Maravilhas do Mundo Antigo, seus jardins também são os mais indecifráveis da história. Na alçada da Sétima Arte, Babilônia remete a um livro com suas páginas alimentadas por fofocas escandalizantes do Cinema nas décadas de 20 e 30, quando os roteiros ainda não imaginam ser preenchidos por diálogos. Bebendo da fonte dessa obra, o diretor e roteirista Damien Chazelle concebe seu mais novo trabalho, Babylon, ambientado em uma Hollywood em movimento de transição e abastecida a sexo e drogas.
Literalmente iniciado com um grande elefante na sala, Babilônia prova que Chazelle domina as técnicas e, principalmente, a história do audiovisual. Acima da riqueza de recursos utilizados durante as três horas de segmentação, o diretor arma uma palestra como quem filma a enciclopédia do Cinema, fazendo um preciso recorte no período de passagem do Cinema Mudo para o Cinema Sonoro mediante figuras ficcionais que se assemelham a nomes da realidade.
O ano é 1926 e, no alto de um colina hollywoodiana, em uma festa regada por entorpecentes e lotada de pessoas nuas, os personagens principais são apresentados. A selvageria do evento é apenas a porta de entrada para a apresentação das suas melhores peças. É em meio a peitos, cocaína e um bom jazz que o espectador se encanta pelo magnetismo de Nellie LaRoy, vivida por Margot Robbie, pelo impacto do galã Jack Conrad, interpretado por Brad Pitt, e pela vontade de viver do protagonista Manny Torres, de Diego Calva. Para além deles, que roubam a cena, Babilônia ainda conta com Lady Fay Zhu (Li Jun Li), uma artista de cabaré, a colunista de fofocas Elinor St. John (Jean Smart) e Sidney Palmer (Jovan Adepo), um talentoso trompetista negro.
O trabalho anárquico de Chazelle faz com que o filme caminhe por uma linha tênue entre o sucesso e o desastre. Toda a extravagância dos Jardins Suspensos da Babilônia se converte na grandiosidade da produção, que atua como a própria droga sendo conduzida na corrente sanguínea: oscila entre a euforia e a melancolia, sem que seu usuário perceba a menor noção do tempo. Esse bacanal construído com alto orçamento é respeitável por tamanha audácia em filmar épicos biográficos, usados como materiais de estudo para qualquer amante de Cinema.
O impressionante resgate histórico ganha combustível através da freneticidade de seus protagonistas, que incham o roteiro ao caos. Caos esse com o propósito de refletir a ansiedade que consumia a cidade do show business, transpassando toda a angústia em relação a sobrevivência do Cinema através da suntuosa exploração do sentimentalismo e da fala. Número assustador à primeira vista, as três horas de duração são atraentes quando envoltos em trama e arcos de personagens fortemente entrelaçados e classicamente estruturados, fugindo da simplicidade por meio da adrenalina.
A dicotomia para designar as Eras cinematográficas trabalha em contraste entre o espontâneo e vibrante, e o rígido e frustrante. A ancoragem de Babilônia, que garante a excelência da produção, está nas cenas de Nellie LaRoy. A confiança da moça sobre seu estrelato faz com que sua performance ao lado de Ruth Adler (Olivia Hamilton, esposa de Damien Chazelle) dá o molde ideal à história exposta no longa. Ao mesmo tempo, o excesso de elementos faz com que Adler seja pouco aproveitada em grande parte do longa-metragem. O filme traz várias analogias com Cantando na Chuva, Garganta Profunda e outros grandes clássicos que fazem parte desse período de transição, possuem seus montadores, seus sexsymbols e são admirados pelo diretor.
A abordagem temática é descomplicada, facilitando ao espectador a compreensão dos termos técnicos. Existe crítica ativa às engrenagens da indústria que cerca a liberdade criativa de seus profissionais e a maneira como, de uma hora para outra, os atores são jogados ao ostracismo. É por meio de cenas chocantes ao público, dentro de uma estrutura narrativa esbanjando excesso nas cenas de humor e drama, que Babylon retrata que a indústria apenas sobrevive entre sucessos e fracassos.
A problemática maior da produção de Babilônia, e muito provavelmente o que jogou o filme nas catacumbas do Oscar, está em sua montagem tão confusa quanto a opinião de quem o assiste. Afinal, como um filme que se estende por horas a fio a retratar o umbral de Hollywood pode terminar em tamanha esperança? Erro do diretor? Muito provavelmente não. Babylon é consciente de suas disparidades. As danças entre talento e sorte, identidade e assimilação, criação de mitos apócrifos e verdades menos conhecidas faz parte de todo o balaio de gato que o próprio tenta abraçar.
Para além disso, Damien Chazelle é obcecado pela perfeição, como visto em Whiplash, com suas cinco indicações ao Oscar 2015, incluindo a de Melhor Filme, e La La Land, que o tornou o mais novo diretor a ganhar o Oscar de Melhor Direção. Seja encontrando um ritmo imaculado, voando no espaço ou fazendo sucesso em Hollywood, seus filmes apresentam personagens que estão dispostos a suportar tortura física e emocional para alcançar a linha de chegada, e Babilônia não foge à regra, sendo claramente uma produção realizada para a temporada de premiações.
Apesar de não ter alcançado o panteão de categorias, a excentricidade de Babylon garantiu a nomeação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Direção de Arte e Melhor Figurino. E não é por menos, a trilha sonora sobrecarregada de Justin Hurwitz, o luxuoso design de produção de Florencia Martin e a cinematografia interminável de Linus Sandgren contribuem para o teor exagerado da produção. Essas categorias técnicas também renderam duas estatuetas nesta temporada: Melhor Trilha Sonora Original, no Globo de Ouro, e Melhor Design de Produção, no Critics Choice Awards.
É difícil definir o agridoce deixado por Babylon. A doce carta de amor à Hollywood tem gosto amargo de um bilhete de suicidio e usa disso para ter a liberdade de ser imponente ao lado de suas peças deslumbrantes. A excelência está no calibre da trilha sonora, no conjunto de atores e no conhecimento inegável de Damien Chazelle. Mas Babilônia deixa vazios que nenhuma manipulação é capaz de preencher. Feito para ser desdenhoso, o fim não foge da hipocrisia e apenas o futuro poderá dizer se essa obra é a montagem mais verdadeira do diretor ou o material mais falso da carreira de Chazelle.