Henrique Marinhos
Em Avatar: O Caminho da Água, não há como negar uma qualidade técnica impressionante, que nos leva ainda mais fundo no mundo de Pandora que revolucionou o Cinema com a tecnologia CGI em 2009. O diretor James Cameron e o produtor Jon Landau criaram um marco ao proporcionar um nível de realismo nunca antes visto. A sequência de 2022 é também uma experiência cinematográfica única, com uma meticulosa atenção aos detalhes e uma riqueza de elementos visuais que são aprimorados pelos efeitos em 3D, imergindo o espectador e garantindo indicações ao Oscar 2023 nas categorias de Melhores Efeitos Visuais, Melhor Fotografia e Melhor Design de Produção.
O merecido sucesso do filme também abriu portas para o debate sobre questões ambientais e culturais, tornando-se uma referência para as discussões sobre sustentabilidade e respeito às diferentes culturas. Porém, a trama não é tão profunda emocionalmente ou original quanto seu antecessor. Apesar de abordar questões relevantes como o ambientalismo e a colonização, a obra não apresenta nada de novo ou significativo. Com desenvolvimentos simplórios que beiram a linha da mediocridade, em uma produção maravilhosa e de escala tão grande, servindo um banquete aos olhos, erros como esses se tornam gritantes.
O vencedor do Oscar, James Cameron, comentou em entrevista que a ação do novo filme é baseada na sua própria experiência como pai, focando mais em personagens, trama, relacionamentos e emoções do que no de 2009. Ele também destaca que a sequência é mais longa, pois há mais personagens e histórias para contar, enquanto Zoe Saldana (que interpreta Neytiri) acrescenta que sua personagem está mais comprometida e preocupada com o bem-estar de seus filhos.
Em paralelo, o diretor exemplifica que, no primeiro filme, o personagem de Sam Worthington (Jake Sully) mudou o curso da história com um salto quase suicida, enquanto a personagem de Zoe pula de um galho assumindo que haveria folhas grandes para amortecer a queda. Como pai de cinco filhos, ele questiona o que acontece quando esses personagens amadurecem e percebem que têm uma responsabilidade maior do que sua própria sobrevivência. Ao mesmo tempo, ele compara Avatar 2 com filmes da Marvel e DC: “Eles têm relacionamentos, mas na verdade não têm. Eles nunca penduram suas botas por causa de seus filhos. Esses personagens não experimentam as coisas que realmente nos fundamentam e nos dão poder, amor e propósito, e acho que essa não é a maneira de fazer filmes”, defende.
O elenco com certeza é parte fundamental de todo sucesso do longa, em especial a presença de Sigourney Weaver, indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1989 por A Montanha dos Gorilas (1988), uma adição que vai muito além de todas as expectativas. Em Avatar, ela interpreta a personagem Dra. Grace Augustine, uma cientista que estuda a vida dos Na’vi, povo alienígena nativo de Pandora. Agora, Weaver retorna à franquia, mas em um papel diferente, interpretando Kiri, a filha adotiva de Jake Sully e Neytiri.
Em ambos os filmes, a veterana entregou uma atuação cativante e emocionante na trajetória dos Na’vi, e é impossível ignorar sua evolução e versatilidade ao interpretar uma garota com um quarto de sua idade real. James Cameron brinca ao convidá-la para o papel: “Eu sei o quão imatura você é, então acho que você aguenta essa”. E posteriormente a elogiando: “Ela inconscientemente se tornou jovem, foi louco de assistir”. De fato, sua performance é cheia de nuances e emoção, trazendo vida a uma personagem complexa e multifacetada.
Não somente pelo seu talento como atriz, o arco de Sigourney Weaver como Kiri também ganha destaque como um dos mais interessantes do longa. Na realidade, talvez essa característica não fosse tão evidente caso os demais fossem inovadores e mais independentes do que sua prequela. Nessa trajetória, a vemos passando por um processo de autoconhecimento e amadurecimento, aprendendo a lidar com suas próprias limitações e descobrindo suas habilidades. É especialmente interessante ao mostrar que mesmo personagens secundários podem ter uma jornada significativa e contribuir para a trama de maneira profunda. Em junção a todos os seus outros acertos, Avatar: O Caminho da Água garantiu a indicação ao Oscar de Melhor Filme neste ano.
Enquanto isso, em primeiro plano, infelizmente a obra mantém a previsibilidade da jornada do herói de Jake, em que o espectador sabe exatamente o que esperar: o protagonista enfrentará o vilão, o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang). Essa previsibilidade tira parte do impacto da narrativa, deixando o público esperando pelo inevitável confronto final (de novo). Apesar de ser um elemento comum em muitos filmes de ação, a falta de originalidade nesse aspecto é um ponto negativo para a narrativa, especialmente ao compará-lo com seu antecessor e ao olhar o patamar de sucesso e expectativa sob o longa, contribuindo, também, na premissa de que a violência seria o método de solução para sustentabilidade e respeito.
Em mais um acerto, contemplando toda fantástica experiência visual, o trabalho do compositor James Horner é belamente continuado na sequência por Simon Franglen, criando uma trilha sonora emocional e complementar. Com 22 faixas, o compositor vencedor do Grammy passou grande parte dos últimos três anos em uma obra de cerca de três horas de duração, e junto a Edição de Som como um todo, o longa foi reconhecido, merecidamente, com uma indicação a Melhor Som no Oscar 2023. Franglen segue trabalhando na sequência de Avatar, prevista para 2024, honrando a memória do artista Horner, falecido em 2015.
Anos atrás, o primeiro Avatar foi indicado em nove categorias no Oscar, incluindo Melhor Trilha Sonora Original, composta por Horner, com auxílio de um especialista em música étnica, através de instrumentos e referências de todas as partes do mundo, como corais, por exemplo, para criar uma sensação de mistério e maravilha que complementou perfeitamente os visuais deslumbrantes do filme. Passando por temas épicos e emocionantes a melodias mais suaves e contemplativas, a trilha foi tão bem recebida que chegou a ser indicada ao Grammy de Melhor Trilha Sonora para Mídia Visual.
Merecendo e recebendo atenção pelos seus muitos aspectos fantásticos, ao todo a produção conquistou mais de 20 indicações em premiações, em que 14 delas são pelo Sindicato dos Efeitos Visuais dos Estados Unidos, especialmente por sua qualidade técnica impressionante e riqueza de detalhes em paisagens deslumbrantes, em conjunto com a trilha sonora que complementa maravilhosamente o visual do filme. Tecnicamente bem executado, com performances excepcionais do elenco e uma variedade de elementos, Avatar: O Caminho da Água torna-se uma experiência única. Contudo, embora chegue perto da perfeição nesses quesitos, é frustrante ver como alguns aspectos previsíveis da narrativa impedem que o filme alcance seu potencial máximo.
Em seus sucessores, a dependência da glória do filme original ameaça esse legado construído. Ainda que o terceiro filme tenha sido filmado em conjunto ao segundo, podem destacar-se ao focar no aprofundamento dos personagens e suas histórias, ao buscar uma maior conexão emocional com o público a partir de motivações e arcos narrativos significativos, em vez de apenas veículos para a ação; e ao abordar temas como a sustentabilidade e a diversidade cultural através de uma abordagem impactante e inovadora, não apenas da bruta comoção da destruição de Pandora, apesar de ter se mostrado uma voz importante em sua prequela. Assim, suas sequências poderão seguir em uma dízima periódica rumo à perfeição.