Júlia Paes de Arruda
São seis horas da tarde. O Zapping Zone começa com aquele gosto de comida de vó no jantar. Os olhos estão compenetrados na TV, aguardando o primeiro episódio da nova série do Disney Channel. A sinestesia é tão grande que quase posso me imaginar no sofá, com o olhar vidrado na vinheta promocional. Infelizmente, já não é 2011 e não tenho mais 11 anos. Porém, a lembrança permanece tão fresca na memória que nem parece que uma década se passou desde a estreia de Austin & Ally.
O novo crush já está garantido ao entrar pelas portas da Sonic Boom, na figura de Ross Lynch (Teen Beach Movie e O Mundo Sombrio de Sabrina). Aqui, ele interpreta Austin Moon, um artista recheado de talentos, com exceção de um dom para as composições. Ally Dawson (Laura Marano, de O Date Perfeito) é uma compositora nata com alcances vocais lindíssimos, mas com um medo de palco incontrolável. Tocando bateria com palitos de salsichas, ele se surpreende com os assobios reprovados da garota. Imprevisivelmente ou não, é ali que uma parceria brilhante entre dois surge, com direito a diversos altos e imensos baixos na vida um do outro.
Sendo uma das últimas produções Disney Channel que realmente valem a pena, a série de Kevin Kopelow e Heath Seifert (Sunny entre Estrelas e JONAS) foi responsável por demolir as paredes de uma fase da vida de muitos adolescentes que acompanharam o auge do canal televisivo. O equilíbrio entre o público infantil e juvenil foi essencial para estabelecer um relacionamento mais próximo com o quarteto principal. Assim como sua plateia, os atores foram amadurecendo com os episódios e aprimorando as características de seus personagens. Além do carisma do casal que nomeia o seriado, as personalidades de Dez (Calum Worthy) e Trish (Raini Rodriguez) são as mais engraçadas e, possivelmente, as mais identificáveis. Entre dar um cochilinho em horários (ou não) de almoço e vestir roupas coloridas e diferentes, os dois sempre davam um jeitinho de ganhar a cena e soltar um riso do espectador.
Falar de Austin & Ally sem citar sua trilha sonora é um completo descaso, ainda mais por ter dado origem a dois álbuns especiais. Não é nenhuma ilusão que nada disso seria um sucesso sem a destreza, a versatilidade e a autenticidade de Ross Lynch com suas incríveis performances musicais. Mesmo que Laura Marano esteja marcando presença em músicas icônicas, o mérito do trabalho artístico das duas primeiras temporadas é de Ross. Double Take pode ter apresentado Austin Moon para o mundo, mas foi com A Billion Hits que seu talento chegou até o público, antes mesmo da série ser estreada, abrindo espaço para que mais canções maravilhosas pudessem ser ouvidas no rádio.
As composições cada vez mais intimistas e descontraídas pintam aquele clima que todo o fã queria desde o encontro do casal na Sonic Boom. Afinal, ninguém caiu no papo de Not a Love Song principalmente porque, uma temporada depois, lá estava Austin com um violão cantando I Think About You na loja de músicas. Já sabíamos desde o princípio suas tentativas de roubar o coração de Ally e mostrar o quanto eles são melhores juntos. A atuação de Ross e Laura é tão fidedigna que em cada troca de olhar, cada abraço e cada performance juntos, conseguimos sentir o que seus personagens sentem. Clichê? Sim, mas era tudo o que eu queria para minha vida naquele momento.
O ápice de todas as temporadas fica nas duas primeiras, especialmente na segunda. Nela, Austin e Ally saem do limite de parceiros musicais para estabelecer um relacionamento amoroso. Os episódios 7 ao 10 são os mais especiais, daqueles que fazem o coração bater mais forte. Contudo, a produção falha miseravelmente em dar continuidade aos eventos. Dá a impressão que os capítulos foram gravados numa ordem cronológica entendível, mas disponibilizados como pipocas estourando na panela. Quando tudo parece desenrolar, novos personagens surgem para complementar o arcos do casal (que não é um casal) e dois envolvimentos amorosos acabam se estabelecendo. Porém, tudo vem e vai com o decorrer das histórias como se eles não existissem. Até parece um enredo criado pelo Dez, com a falta de zalienígenas e cangurus saltitantes.
Na terceira temporada, o episódio sobre cyberbullying é o que merece destaque. Mesmo sendo um tema bastante pertinente nos dias de hoje, acaba passando despercebido com o decorrer do seriado. Trazendo depoimentos de comentários reais, o quarteto alerta sobre o aconselhamento e a busca de ajuda para casos de assédio. Entretanto, essa passagem rápida no assunto acaba prejudicando a transmissão da mensagem, como se a solução para tal problema fosse simples. Essa facilidade de desenvolvimento se deu, talvez, porque no período em que a série estava em exibição, o sucesso das redes sociais ainda estava em hibernação, sem pretensões de virar o fenômeno que é hoje.
O pontapé para a quarta temporada é de Austin tomar uma decisão importante que afeta sua carreira. Sendo um fenômeno na internet desde sua primeira aparição, o personagem chamava a atenção por onde passava por suas danças bem coreografadas e melodias incríveis. Ao assinar com a Star Records, Austin conseguiu elevar ainda mais seu patamar ao mesmo tempo que o obrigava a seguir ordens que não concordava. Infelizmente, os contratos lucrativos acabam prejudicando jovens cantores com muitos sonhos até mesmo na ficção. É nítido a diferença de tratamento entre as gravadoras de Ally e de Austin, tanto no quesito de funcionalidade quanto no respeito ao artista.
Terminar a última temporada parece fazer seu coração se quebrar, como se um ciclo da sua vida tivesse sido fechado para sempre, num cofre a sete chaves. Quando aberto, desabrocha os melhores sentimentos que você pode lembrar, um mix de saudade, alegria, tristeza e nostalgia. Recordar é viver, já diria aquele ditado. E Austin & Ally, não há maneira alguma de eu fazer isso sem você. Va-leu!