Mauê Salina Duarte
Amizade: sentimento de afeição, de estima, de dedicação recíproca entre pessoas. Amigo é quem nos acolhe mesmo se estamos errados, nos aconselha e até briga com a gente, mas não nos abandona. É a pessoa que desabafamos, rimos, confiamos e torcemos. É a pessoa que corremos para contar as novidades, com quem curtimos festas ou mesmo o colo que nos aconchega quando nos sentimos vulneráveis. Amigo é a pessoa que nos faz bem só de estar junto, mesmo se for pra compartilhar o famoso “fazer nada”. São a família que escolhemos ao longo da vida. Amigos verdadeiros são espécie em extinção, se você tem algum, cuide bem.
E é mostrando uma amizade duradoura e complicada que a nova série da Netflix, Amigas Para Sempre, estreou no início de fevereiro, sendo baseada no romance Firefly Lane de Kristin Hannah. Tully e Kate se conheceram na chamada Alameda dos Vagalumes durante a adolescência e, apesar dos altos e baixos, se mantêm unidas na vida adulta. Melhor dizendo, elas são amigas inseparáveis! As duas vivem trinta anos de cumplicidade, porém as personalidades das personagens são bem distintas.
Tully Hart (Katherine Heigl) é extrovertida e se dedica de corpo e alma a sua carreira, ao contrário de Kate Mularkey (Sarah Chalke), mais discreta e que concentrou os últimos 15 anos no matrimônio e na criação da filha. A infância delas também foi bem diferente. Enquanto Kate foi criada por uma família aparentemente tradicional, Tully não sabe quem é seu pai e cresceu com uma mãe completamente sem noção viciada em drogas.
A narrativa se passa nos anos 2000, entretanto se desenvolve junto aos flashbacks da adolescência das personagens nos anos 70 e início da vida adulta na década de 80. A ideia de voltar no tempo para contextualizar algo lembra This Is Us, e é útil por trazer um lado dinâmico ao enredo, em especial quando mostram momentos marcantes, e até pesados, da adolescência de Mularkey e Hart, reforçando traços de cada uma. Porém, Amigas Para Sempre se perde em algumas lembranças vagas e confusas, outras até são desnecessárias, a exemplo a explicação de como Tully conseguiu uma cicatriz no joelho em um momento de descontração entre os colegas de trabalho. Esses deslizes fazem com que o roteiro fique desconexo, prejudicando o entendimento do público.
Sem dúvida, o que realmente salva a produção é a química entre as atrizes. Katherine Heigl (A Verdade Nua e Crua) e Sarah Chalke (Scrubs) formam uma dupla e tanto! Há verdade quando contracenam juntas, não parece ficção. Apesar das diferenças, ambas as personagens escolhem o jornalismo como carreira, inclusive chegam a trabalhar juntas em uma emissora de televisão, rendendo boas cenas sobre o mundo das notícias. O dom para a comunicação faz de Tully uma repórter, depois âncora de jornal, chegando a ter seu próprio programa na TV.
Já Kate, com seu jeito mais tímido e reservado, ficou por trás da câmera atuando maravilhosamente como roteirista. Em meio a isso, quase se desenrola um triângulo amoroso que vira e mexe traz algum desconforto à elas. Apesar dos percalços e das diferenças, as amigas se compreendem e são o porto seguro uma da outra, isso quando Tully não dificulta as coisas com sua postura inabalável e dona de si, deixando Kate de escanteio em certas ocasiões e abalando sua relação.
Pode-se dizer que a vida imita a arte ou vice-versa. Heigl vem tentando recuperar seu status de estrela de Hollywood que conquistou graças ao papel de Dra. Izzie Stevens em Grey’s Anatomy, e protagonizando comédias românticas de grande bilheteria, como Vestida Para Casar. Isso pois ficou com fama de ingrata e prepotente no mercado após declarações sobre filmes em que atuou. A exemplo, quando se referiu ao longa Ligeiramente Grávidos, seu maior sucesso cinematográfico, como “um pouco machista” e criticou os estereótipos da obra e, embora estivesse certa em seus argumentos, foi atacada pela indústria da época e que a rotulou como “díficil de lidar”. Será que com Amigas Para Sempre Katherine Heigl reconquista o seus tempos de glória?
É fato que a Netflix passou anos investindo na sua popularidade entre os jovens produzindo séries teen, mas pelo que parece, quer conquistar um novo nicho. O foco da vez são os melodramas para adultos, tendo destaque para Doces Magnólias e Virgin River, e Amigas Para Sempre é a nova integrante desse time. Pelos temas apresentados, envolvendo mercado de trabalho, maternidade e casamento, nota-se o objetivo da plataforma de alcançar o público na casa dos 30 a 40 anos. No entanto, todo o contexto da amizade, incluindo os flashbacks da juventude, faz a série ser atraente a diversas demografias.
Em seu lançamento, a trama ficou entre os 10 títulos mais assistidos da plataforma. Apesar de alguns problemas no roteiro, a série é gostosa de assistir, tendo uma média de 50 minutos por episódio, com direito a riso, choro, reflexão e sensação de conforto. É bom avisar que contém gatilhos também, como cena de estupro e de aborto espontâneo, deixando a série com uma vibe mais pesada e chocante em certas partes. Entretanto, o mais legal é ver o amadurecimento (ou nem tanto) de Tully, Kate e os demais. Cada fase mostrada tem suas provocações, medos e posicionamentos. Mostra que certas coisas ficam enterradas no passado, mas outras marcam e influenciam até a eternidade.
É nítido que o foco de Amigas Para Sempre é a amizade, o que torna comum se identificar com as personagens. Pode ser nos amores platônicos da adolescência, nos trabalhos da universidade, ou mesmo nas crises existenciais, com certeza você vai lembrar de alguém que vivenciou essas situações com você e esteve ali para te apoiar. Aliás, já fica a dica para assistir com quem veio a sua cabeça ao ler esse texto, ou, já que ainda estamos na pandemia, vale procurar pelo Netflix Party e assistir em tempo real com a pessoa, mesmo separados!