Giovanne Ramos
Não vou me prolongar falando da jornada – uso não intencional da palavra – e atitudes em detalhes da rapper Karol Conká durante a sua estadia relâmpago no Big Brother Brasil 21. Mesmo ficando apenas 4 semanas na casa mais vigiada do Brasil, a Mamacita ditou a dinâmica do programa, colocou em destaque personagens da edição e saiu sendo a segunda figura mais odiada do Brasil, título ainda segurado por governantes milicianos, eu espero. Mas o fato é que uma legião sedenta querendo o sangue da mulher preta guardava uma certa expectativa em saber o pós-confinamento de Karol, e isso foi alimentado com o documentário, que na minha humilde opinião, é precoce demais.
O título, quase satírico, A Vida Depois do Tombo foi lançado pelo Globoplay no dia 29 de abril, mas desde a sua primeira prévia, já deu o que falar. O ressentimento do Brasil ainda estava recente quando o documentário, feito às pressas, foi anunciado. A população nacional não estava preparada para uma narrativa redentora de Karol, na verdade não a queria. A posição de criticar seus atos reproduzidos em rede nacional, ameaçar sua família (que não possui culpa alguma), e regozijar do que parecia o declínio da intérprete da canção Tombei, era muito mais confortável.
Mas ainda assim, o documentário foi forçado goela abaixo, tal como a grande turnê de Karol pelos programas da Rede Globo após uma rejeição de 99,17% – a maior de todos os Big Brothers mundiais. A Vida Depois do Tombo é dividido em quatro episódios curtos, onde cada um deles mostra algum pedaço da ‘humanidade’ da rapper e ajuda o público a reconstruir uma trajetória de dificuldades e traumas que eclodiu no comportamento que parte do país acompanhou. E, claro, nas suas consequências fora do reality.
Dois grandes atos se misturam no documentário focado em Karol: a sua perspectiva presente de como lidou diretamente com o cancelamento, e uma pequena biografia de sua carreira artística e também como pessoa. As duas questões vão se desenvolvendo nos episódios com títulos bem autoexplicativos: O Cancelamento, Realidade, Ruptura e O Pai. O seriado documental cria uma narrativa linear coerente com as suas falas e suas defensivas em relação aos seus comportamentos com Lucas Penteado.
Os episódios iniciais da obra são difíceis de assistir. Assim como os pedidos de desculpas imediatos de Karol nos programas televisivos da Globo, a sua desenvoltura diante das câmeras não passa uma verdade ou, até mesmo, naturalidade. É incômodo ver uma figura tão potente e que demonstrou tanta confiança – em expressão e estética – num programa 24/7 adotando uma construção visual e comportamental de mocinha em tão pouco tempo. Isso não significa que o arrependimento não seja verdadeiro, talvez a direção da minissérie não soube valorizar os momentos de vulnerabilidade da artista, que inegavelmente era o foco da narrativa inicial.
O desconforto se prolonga quando é anunciado que os seus convidados para um ‘bate-papo’ recusaram a participação no projeto. Reforçando o que todos, de maneira subconsciente, pensavam: “não é o momento para isso”. Ainda assim, uma cena quebra-gelo foi proporcionada pela única que se dispôs a encarar o momento constrangedor de um flashback. Lumena Aleluia, talvez a segunda mais afetada com o ódio popular, chegou no sincero “erramos”, proporcionando então um momento de apoio entre duas mulheres negras.
À partir de Ruptura, o penúltimo episódio da série, há uma reviravolta no enredo. O foco passa de uma redenção insossa para uma biografia, pontuando o início de carreira da Karol Conká junto de polêmicas, revelações e exposição de desafetos no meio artístico. Uma escolha inteligente, pois nada prende mais a atenção de um espectador do que os bastidores conturbados da vida de uma figura pública. Para além da estratégia, essa foi uma ótima dose de humanidade e uma oportunidade perfeita de conhecer as dificuldades e o processo de construção da rapper curitibana.
A jornada pela carreira da Mamacita desde o seu início mostrando a relação com a família – e aqui, já entrando no último capítulo O Pai -, as barreiras que teve de enfrentar e seu carisma no palco destrói aos poucos a visão de vilania construída no Big Brother Brasil. É a Karol apaixonada pela música e só. Nesse sentido, para quem enfrenta o início embaraçoso da série, a recompensa é boa: conseguimos imergir em um relato de vida bastante envolvente e empático de uma protagonista que é a definição de resiliência.
A questão é, se o documentário desde seu início fosse pensado para contar a história de quem é a Conká e os perrengues pelo qual ela passou para chegar até à fama, esse seria um baita material. O seu lado musical é o mais interessante da proposta toda, não é à toa que conseguiu emplacar um sucesso mesmo “detestada”. Mas é compreensível que nem todos aceitariam o desafio de deixar o desafeto pela antagonista do reality global para prestigiar um pouco de sua história. Então fica explícita a necessidade de usar um gancho para que o público sádico, sedento pela derrota da artista, possa consumir o produto. Mas para alguém que espera encontrar uma Karol Conká derrotada e se lamentando, já aviso que A Vida Depois do Tombo vai te decepcionar.