Gabriel Oliveira F. Arruda
Quase 14 anos após seu último disco, o duo pop Aly & AJ volta com um som completamente repaginado em a touch of the beat gets you up on your feet gets you out and then into the sun, o novo álbum de estúdio produzido independentemente pelas irmãs Michalka. Vindo depois de dois EPs que reintroduziram a dupla no cenário musical, fica claro desde as primeiras notas que o novo CD é algo especial.
Buscando resgatar na sua sonoridade um clima e uma estética que capturasse as paisagens californianas que elas habitam, Aly & AJ produziram um álbum de verão que abriga uma série de ritmos diferentes que conversam entre si através de seus temas. Desde a angústia atordoante de Stomach até o entusiasmo adolescente de Listen!!!, acompanhar a trajetória das irmãs do início ao fim é um deleite.
Deixando um pouco de lado os sintetizadores que marcaram seus últimos trabalhos, a touch of the beat começa com o country pop romântico e compassado de Pretty Places, um single marcado pela vontade de botar o pé na estrada e abandonar o passado e partir em direção ao desconhecido: “Podemos esvaziar essa casa, sair da cidade/Dirigindo pelo país, uma lanterna traseira quebrada/Você não iria precisar de mais nada, certo?/Só os meus livros e o seu velho Daytona”. A faixa marca o amadurecimento da dupla ao longo da última década e a sua posição no álbum destaca essa importância:
“AJ: Eu acho que é uma canção incrivelmente importante para esse álbum e, para mim, o momento em que nós realmente nos sentimos como compositoras. Se eu tivesse ouvido outro artista lançar essa música, eu provavelmente pensaria ‘Uau, queria que eu e Aly tivéssemos escrito isso’. É difícil se sentir confiante sobre as músicas que você lança, mas eu verdadeiramente sinto que ‘Pretty Places’ é muito especial para Aly e eu.” – via Bustle
Descrita como “a canção que elas mais gostaram de ter escrito”, é difícil não se apaixonar desde os primeiros tentadores acordes da guitarra bem guiada de Aly e de como as vozes da dupla se complementam não só na sua sonoridade como também na coesão temática. Nas próximas canções, Aly e AJ se alternam para reforçar a vontade de se afastar daquilo que te faz mal, seja de relacionamentos fadados ao fracasso em Lost Cause (“Como uma causa perdida/Como se estivéssemos perdendo tempo/Eu tento te alcançar de braços abertos/Por algo que nunca existiu”) ou de si mesmas, no desejo de se reinventar em Break Yourself (“É um dia impossível/Talvez seja a hora de mudar/Sempre oculta, escondendo o parasita/Está cada vez mais difícil de domar”).
Ambas as faixas carregam suas inspirações no rock pop dos anos 70 e 80, trazendo toda a energia que esperamos de um álbum de verão. Mas com letras amadurecidas e confiantes em sua mensagem, o final de Break Yourself se entrega completamente à ela e praticamente se desintegrando em uma linda cacofonia de instrumentos.
Depois dessa introdução estelar, AJ toma as rédeas e diminui o ritmo na graciosa Slow Dancing. Uma balada lenta e sedutora, inspirada pelo ano de distanciamento social pelo qual passamos em 2020, ouvimos as irmãs enaltecendo um tipo de amor mais simples, mas não menos tenro: “Eu quero que você saiba/Que eu não preciso de nada chique/Só preciso de você e eu, dançando lentamente/O Inferno lá fora, me deixando em cativeiro/O paraíso está aí aonde você está pisando/Dançando lentamente”.
“Aly: Na verdade é uma música em que a melodia nós já havíamos começado alguns anos atrás, mas o tema e a letra foram trabalhados em meio ao COVID. Acabou sendo uma das últimas músicas que escrevemos.” – via Entertainment Weekly
É bem peculiar esse ter sido o primeiro single do novo projeto, já que é uma expressão mínima e delicada das intenções musicais da dupla. Isso por si só já é uma declaração bem ousada, mas o seu lugar no disco é bem acertado, entre o desprendimento da sua abertura e as ambições do que vem a seguir.
Paradise e Symptom of Your Touch retornam um pouco do synthpop presente nos EPs Ten Years (2017) e Sanctuary (2019), mas se atendo à sonoridade de a touch of the beat. Em Paradise, uma das melhores faixas do disco, a indagação de como alguém sabe realmente se já chegou em seu auge é o tema principal, acompanhada por um dos refrães mais marcantes da história recente das irmãs, enquanto Symptom captura o amor romântico e a angústia adolescente na indagação mais clássica já feita: “Se faz eu me sentir tão bem/Porque dói tanto?”.
Em contraste com Insomniatic (2007), é interessante ver o amadurecimento de Aly e AJ ao longo dos anos, e de como seu som evoluiu através de seu hiato na indústria. Em faixas como Lucky to Get Him e Personal Cathedrals, vemos o duo confrontar temas e frustrações unicamente adultas, mas sempre com leveza e claridade. A impressão que fica é que esse é realmente um disco que levou 14 anos para ser feito, carregando todas as experiências e expectativas de Aly & AJ em seus ritmos e composições.
Em Listen!!!, vemos algo do som antigo da dupla, uma música que não ficaria fora de lugar perto de faixas como Like Whoa e Potential Breakup Song. Contando com uma participação especial da cantora Nancy Wilson (mentora do duo) na guitarra, elas conseguem criar uma batida eletrizante que remete ao pop rock dos anos 2000 sem perder as experiências adquiridas até então.
Don’t Need Nothing, é a faixa que dá título ao disco e orgulhosamente proclama que a dupla não precisa de mais nada, é realmente uma declaração de suas intenções com o álbum. Seu refrão vai se repetindo até que os versos fiquem gravados na sua cabeça e o ritmo fique na ponta dos seus dedos:
“Um toque da batida
Te deixa de pé
Te faz sair em direção ao Sol”
Terminar o disco com essa faixa teria sido apropriado mas, seguindo a linha do primeiro single lançado, elas decidem terminar com um trio de faixas contidas, mas poderosas em sua suavidade. Em Stomach, há uma tristeza palpável que percorre todos os versos, um sentimento de desesperança que destoa de quase todas as outras canções do álbum, afundando como uma pedra após a euforia de Don’t Need Nothing: “No início, tudo que eu dissesse iria te fazer rir/Mas agora você me dá as costas sem nem sorrir”.
Ecoando e, aos poucos, adicionando ao country pop do início, Personal Cathedrals constrói uma imagem vívida e poética de uma espiral decadente, na qual Aly e AJ confrontam a apatia e a indiferença. Estas, personificadas na imagem de “Caubóis e coroas de desespero/Nos girando por todo lado/Nos olhando de cima a baixo/Eles tratam essas pistas de dança solitárias/Como catedrais particulares/Até mesmo diamantes não brilham aqui”.
Após tanta angústia, o álbum se fecha com um apelo e, quem sabe até, uma resposta. Na melódica Hold Out, vemos todas as vulnerabilidades expostas na letra, que nos pergunta em seu refrão: “Você vai me segurar?/Vai estender seu braço e me segurar?”. Depois de duas músicas carregadas de sentimentos negativos, um apelo tão sincero chega com impacto e urgência que terminam a experiência em um momento de reflexão inesperado, mas definitivo.
Ao final de tudo, a touch of the beat gets you up on your feet gets you out and then into the sun é muitas coisas. Um comeback há anos no forno, uma reimaginação de uma das duplas musicais mais icônicas dos anos 2000, um disco sofisticado em sua construção mas que retém simplicidade em suas letras. Mas o mais impressionante é o quanto ele é uma expressão completamente honesta de suas artistas. Aly & AJ voltaram para mostrar ao mundo que, de fato, não precisam de nada além disso.