Isabella Siqueira
“Roubou-me metade da vida, agora não me rouba mais nada” – Leonor
O drama histórico A Herdade (2019) explora uma trama clássica, mas já conhecida, conta a história de uma importante família durante décadas, desde seu apogeu até seu declínio. Dirigido pelo cineasta Tiago Guedes, o filme é parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e foi a escolha de Portugal para o Oscar 2020. Contudo, apesar de ser encantador, não inova em absolutamente nada.
Para compreender a trama do filme, é importante saber a qual período históricos somos apresentados. A história se passa em Portugal durante o conturbado século XX, sendo contada em três momentos diferentes: começa em meados de 1940, passando para a revolução de 1974 e por fim terminando nos anos 90. Situada na margem sul do Tejo, a herdade da família Fernandes é um dos maiores latifúndios da Europa, e abriga uma tradicional família portuguesa duramente afetada pelo tempo.
No centro da história está João Fernandes, o patriarca da família, que ostenta nuances impressionantes. Interpretado pelo sensacional Albano Jerónimo, o protagonista de certa forma foge às expectativas, sendo apresentado como um patrão justo e que até apoia a busca pelos direitos trabalhistas que ganhava força nos anos 70. Contudo, a rigidez que mostra com sua esposa, Leonor (Sandra Faleiro) e seus filhos, prova que ele exala poder, amando apenas, e somente, suas terras.
Ao redor de um protagonista tão expressivo, Leonor é outra personagem que se destaca. Vivida pela atriz Sandra Faleiro, a mulher mesmo que calada e até submissa, esbanja emoção e indiferença mesmo quando está em silêncio. Não à toa, a decisão final da personagem é a cereja no bolo para o fim do reinado de João Fernandes, que segundo ela possui o que quer, quando quer.
Além dos dramas estilo novela que abalam essa família tradicional, os acontecimentos históricos, sociais e financeiros da época abalam a vida dos que vivem na propriedade. A exemplo da grande Revolução de 25 de Abril, que pôs fim à ditadura militar vigente ,e que aconteceu, principalmente, no exterior das terras. Já nos anos 90, fica claro que o declínio é inevitável, sendo a terceira e última parte marcada pelos conflitos familiares, com os atos de João voltando diretamente a ele.
Não é de hoje que histórias sobre grandes famílias são exploradas, tanto na literatura quanto no cinema. As obras literárias Cem Anos de Solidão e Os Buddenbrook são ótimos exemplos de como explorar o auge e a queda familiar. Ambos, sem sombra de dúvida, possuem aspectos que os consagraram, indo muito além da questão histórica e dos dramas apresentados. Sendo assim, podemos supor que A Herdade seria apenas como um longo livro clássico e entediante.
Com planos belíssimos que chamam a atenção desde a primeira cena. O longa contou com o diretor de fotografia João lança Morais, responsável pelo trabalho em Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, que esteve presente na edição anterior da Mostra de SP. Contudo, ainda que muito bonito e bem planejado, possuindo simbolismos e ricas referências históricas, o filme é incapaz de prender completamente o espectador. E apesar da trama rica em detalhes e uma tragédia convincente, a produção atinge seu ápice apenas nos minutos finais.
A Herdade, concorrente ao Leão de Ouro do Festival de Veneza, é um épico português que se propõe a cobrir um tempestuoso período de Portugal, e merece ser contemplado mesmo um ano após seu lançamento. Por fim, entendemos que a herdade da família Fernandes se prova como um lugar dramático e sem salvação, e o longa acerta justamente na construção desse universo perdido.