Mariana Chagas
O que faz de alguém uma candidata perfeita? A pergunta não é feita em nenhum momento durante os 101 minutos do longa, mas mesmo assim é respondida. Na reta final do Festival do Rio de 2021, o filme dirigido por Haifaa Al-Mansour não precisa de muitas reviravoltas ou ação para discutir política e feminismo no contexto conversador em que se passa.
Protagonizado por Mila Al Zahrani, A Candidata Perfeita conta a simples, porém emocionante história de Maryam. A médica, cansada de pedir para pavimentarem a rua na frente de sua clínica, decide por tentar fazer mudanças com suas próprias mãos. Com muita luta, a protagonista vai descobrir que o caminho da revolução é feito por pequenos, mas efetivos passos.
Por 30 anos, os cinemas foram fechados e proibidos na Arábia Saudita. Essa arte que é tão rica, política e necessária foi excluída da vida de um povo por completo. A volta foi gradual e se iniciou com muitos filmes comerciais – como os queridinhos da Marvel, claro, pois quem não ama um super-herói? Tudo isso dificultou o trabalho de Haifaa Al-Mansour, que ainda tinha de lidar com o peso de ser desmerecida pelo gênero.
Seu amor por filmes, porém, falou mais alto. Desafiando todas as probabilidades, a cineasta se tornou a primeira mulher da Arábia Saudita a produzir um filme. O marco histórico ocorreu em 2012, com sua obra de estreia O Sonho de Wadjda. E isto foi apenas o ponto de partida, já que a diretora segue trabalhando em obras que não apenas abrem as portas da Arábia Saudita para o Cinema, mas também abrem as portas do mundo para conhecer um pouco da cultura tão rica do país do Oriente Médio.
Em A Candidata Perfeita, a apresentação do povo saudita e sua terra não é decorada nem desvalorizada, apenas carregada pela mais nua e crua realidade. A diretora escolheu atores não treinados para realizarem a maior parte dos papéis, de forma a ser o mais honesto possível, e a fotografia é autêntica ao mostrar a simplicidade e a beleza dos lugares escolhidos como cenário.
O objetivo, segundo Haifaa, era que o filme soasse quase como um documentário. A mulher não queria esconder ou mudar nada da sua terra natal, apenas retratá-la de forma sincera. Talvez seja tamanha transparência que facilite a entrada do telespectador na história, que consegue ser envolvente mesmo sem grandes acontecimentos ou muitas cenas de tensão.
Toda a honestidade e ousadia da roteirista é derramada em suas personagens. O trio que protagoniza a narrativa é inspirado em sua própria família, que conta com um casal e seus 12 filhos. O companheirismo e suporte que ela recebia foi o que a incentivou a construir a relação de Maryam com suas irmãs. Mesmo diferentes, as garotas estão sempre se ajudando e levando uma mensagem para quem estiver assistindo: quando mulheres apoiam mulheres, coisas incríveis acontecem.
Esse suporte é instigado nos momentos de festas e comemorações do filme, onde as personagens femininas podem tirar seus hijabs, dançar e se sentirem seguras em um ambiente apenas para elas. Mas se por um lado essas questões femininas são discutidas de forma sutil, outras escancaram a comunidade machista e opressora em que se situa a narrativa.
Uma das primeiras cenas do filme já choca pelo desrespeito que a jovem sofre em seu próprio local de trabalho. Sendo médica, Maryam se preocupa quando um senhor entra machucado em sua ala. Porém, quando ela lhe socorre, o que recebe em troca é um puro grito de não quero ser atendido por uma mulher. Independente das suas insistências, ela é afastada do paciente e impedida de lhe dar os devidos cuidados.
Esta é apenas uma das diversas situações que a protagonista se vê sendo diminuída pelo seu gênero. Quando se vê participando da corrida eleitoral para ser ministra do município, a doutora vai descobrir que, para ser ouvida por qualquer homem, ela precisa falar em alto e bom tom. Mas, mesmo com seus planos certeiros e dicção convicta, nada garante seu sucesso.
A paciência de Maryam é um de seus valores mais admiráveis. No fim das contas, o longa mostra que uma revolução não acontece do dia para a noite. Entre discursos, brigas, palmas e julgamentos, a protagonista dá um pequeno passo em direção a um ponto de chegada um tanto longe de ser atingido: igualdade de gênero.
“Quem se importa com quem vai ganhar semana que vem?”, pergunta uma das mulheres que trabalha no hospital, em um dos momentos finais do filme. E realmente, durante o desenvolvimento da história, poucas pessoas parecem se incomodar com a política local. Mas Maryam se importa. Ela sempre se importou. E talvez seja por isso, além de tantos motivos, que ela é A Candidata Perfeita.