
Guilherme Moraes
Depois da trilogia original, a volta de Star Wars nos anos 2000 causou grande alvoroço. Eram muitas expectativas para a história de origem de Darth Vader, que, na época, não foram atendidas (ainda que o último capítulo tenha sido poupado). A mudança de tom pode explicar tal aversão a trilogia prequel. Se a original conservava um espírito aventuresco, esta foi tomada por uma dramaticidade muito teatral. Contudo, 20 anos depois, a trajetória de Anakin Skywalker (Hayden Christensen) e, principalmente, Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith está sendo revisitada e entendida como é: um grande conto sobre destino e tragédia greco-romana.
Dentro do contexto da Nova Hollywood e do surgimento dos primeiros blockbusters, os episódios IV, V e VI adotaram um teor heróico que estava em voga entre alguns cineastas do período, como Steven Spielberg, Robert Zemeckis e o próprio George Lucas, que assinou apenas o primeiro capítulo da saga. A jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill), não apenas está inserida dentro desse cenário, como também foi um dos pilares desse momento do Cinema norte-americano e mundial.
Desta vez, o criador dirigiu todos os três filmes, o que deu uma maior consistência para essa saga. Não necessariamente em questão de qualidade, mas, sim, em questões estilísticas: havia uma ideia clara de com o que trabalhar, e como a derrocada de Anakin aconteceria. A Vingança dos Sith é o ápice qualitativo, em que a teatralidade assume totalmente o tom, com o intuito de valorizar as concepções de tragédia e destino, algo muito associado ao Teatro Grego e, neste caso, a Édipo Rei (427 a.C).

Na obra de Sófocles, o Oráculo de Delfos prevê que Édipo irá matar seu pai, o Rei de Tebas, e se casar com sua mãe. A fim de driblar o destino, eles o enviam para a morte. Entretanto, a criança sobreviveu e foi adotada por outra família. Anos depois, já adulto, o herói descobre sobre a Profecia a qual está ligado e, como consequência, decide abandonar sua cidade, também com o intuito de evitá-la. No meio de sua jornada, Édipo se desentende com um homem e o mata, sem saber que aquele era seu pai biológico. Assim, a primeira parte da profecia se cumpre. Chegando a sua cidade natal, encontra uma esfinge que lhe faz uma pergunta, até então, nunca solucionada. Ao acertá-la, ele é bem visto por todos e, desta forma, é proclamado o Rei, se casando com a sua mãe, a Rainha. Ao consultar o Oráculo pela última vez, Édipo descobre que o seu destino se concretizou e, vendo todo este horror, decide arrancar os próprios olhos, enquanto a matriarca se suicida.
Em A Vingança dos Sith, Anakin tem sonhos com a morte de Padmé (Natalie Portman) durante o parto. Uma vez que a vida de sua esposa e filhos estão ameaçadas, ele busca a qualquer custo evitar a fatalidade. No entanto, seu empenho pela salvação o leva cada vez mais ao “lado escuro da força”. A história de Skywalker se associa a de Édipo, na medida em que, quanto mais eles tentam fugir de sua sina, mais seus caminhos os levam a ela. Assim como a Rainha se suicidou, Padmé perdeu a vontade de viver e, assim como o Rei arrancou os seus olhos, o Jedi perdeu vários membros de seu corpo, desta forma, selando seu destino trágico.
Diferente de outras histórias de origem, que estão interessadas apenas em retratar a transformação de um personagem, essa se destaca por pensar no como contar. A inspiração em Sófocles não está apenas no enredo e, sim, na narrativa; no tom adotado. O público já sabe o final da história, mas o que interessa é a abordagem. A criação de Darth Vader não é uma consequência, é um destino que deve ser cumprido. É uma tragédia grega, inevitável, reforçada pela teatralidade da obra.

George Lucas sabe muito bem conciliar o surgimento de Luke e Leia (Carrie Fisher), com a criação do Sith. São contrastes que vão muito além de dar coesão ao universo, eles dão força à narrativa. É a gênese de um herói, com a de um vilão. Falece o pai, nasce o filho. Cai o falso profeta, enquanto ascende o verdadeiro. Vários paralelos são concebidos em poucas cenas, é uma carga emocional que foi trabalhada durante as duas horas do longa-metragem. A construção do Lorde Vader representa a destruição total de Anakin. Some o humano, intenso, imprevisível, cheio de personalidade, em detrimento da máquina, fria, arrogante, inócua, burocrática e perfeita. A persona de Skywalker é queimada para surgir o Lorde Sith. Ele morreu para renascer de outra forma.
A teatralidade está impregnada na obra, não apenas pela história, mas principalmente pela forma. A maneira como a câmera de David Tattersall dramatiza o protagonista, muito por closes e com uma iluminação que realça os olhares. Ademais, os cenários de Piero Di Giovanni e Richard Roberts o transformam, enquanto o templo dos jedis tem cores mais amenas, e a sua casa tons mais românticos, o apartamento do Senador Palpatine (Ian McDiarmid) é vermelho vivo, assim como o planeta da batalha final. Outro ponto que chama a atenção são as atuações. Os atores colocam mais energia nas falas do que na fisionomia, além de expressarem seus sentimentos de forma mais intensa, o que é muito típico do Teatro.
Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith, em conjunto com seus dois antecessores, talvez sejam os que melhor entendem as verdadeiras qualidades da franquia. Contemporâneo à Indiana Jones (1981) e Taxi Driver (1976), a saga de Luke Skywalker não consegue acompanhar o senso aventuresco do longa de Steven Spielberg, nem o discurso político de Martin Scorsese. Nesse sentido, a trilogia prequel entendeu que sua maior força está na análise da jornada do herói e coloca a aventura como motor do filme, além de emular a política da Roma Antiga para fortalecer essa relação teatral. De Anakin a Luke, e de Luke a Kylo Ren (Adam Driver) e Rey (Daisy Ridley), é sobre figuras que, popularmente, se tornam lendas, mas falham constantemente, afinal, são todos humanos. É a jornada do herói que é, simultaneamente, idealizada, humana e shakespeariana.