
Livia Queiroz
“Você está maluca, pirada, mas vou te contar um segredo: as melhores pessoas são assim”. Esta é a última frase transmitida pelo pai de Alice (Mia Wasikowska) antes do corte temporal para mencionar sua morte na narrativa, uma referência a mesma fala dita pelo Chapeleiro Maluco à menina no livro de Lewis Caroll. Em paralelo com a vida não-ficcional, quantas vezes você já se viu como diferente da maioria por pensar demais ou por sonhar além do que os outros dizem que é possível? Quantas vezes desejou viver em histórias que viu em livros e filmes ao invés da sua realidade? Há 15 anos atrás, Alice no País das Maravilhas, dirigido por Tim Burton, o cineasta antagônico de Hollywood, nos apresentava por meio de um mundo extraordinário e imaginário o recorrente sentimento de estranheza com a realidade.
Sem dúvidas, a produção da obra estava à frente de seu tempo. A qualidade das edições e efeitos especiais são muito agradáveis aos olhos, bem melhores do que muitas produções atuais do mundo cinematográfico como Thor: Amor e Trovão (2022) e Homem Formiga e a Vespa: Quantumania (2023), especialmente quando consideramos que é uma obra de 2010. É realmente impressionante a forma como a maioria das personagens tem características fora da realidade, mas não causam nenhum incômodo à audiência, sendo possível imergir dentro da história e abraçando tais diferenças graças a falta de artificialidade visual; sem contar os cenários magníficos criados em CGI que só agregam para a narrativa.
Para que todos esses aspectos fossem completados e se tornassem positivos, foi necessário uma força de trabalho muito mais experiente e competente, graças ao casting para lá de brilhante. Constituído por Johnny Depp (Chapeleiro), Helena Bonham Carter (Rainha de Copas), Anne Hathaway (Rainha Branca) e Mia Wasikowska (Alice), o longa metragem instiga diversas reflexões sobre a vida – apesar de ser direcionado ao público jovem.

O momento mais reflexivo do filme – abordado por meio de metáforas em toda sua extensão – é, com certeza, a construção da protagonista com Absolem (Alan Rickman) ao tratarem sobre a identidade dela. Em seu primeiro diálogo, a lagarta afirma que ela não é a verdadeira Alice mesmo com a jovem afirmando que “sabe muito bem quem ela é”. No decorrer da narrativa, a londrina vai se descobrindo para além de uma sonhadora e inteligente, percebendo sua coragem e determinação. Dentro dessa evolução, Alice percebe que, na verdade, não sabia de fato quem era, pois não conhecia sua capacidade para superar desafios e enfrentar quem a afronta. Nesse sentido, Alice no País das Maravilhas nos ensina que só se pode conhecer a si mesmo ao aventurar-se no desconhecido.
Apesar de algumas fortes interpretações a serem absorvidas pelo público, o longa não se compara ao livro – ou até mesmo a animação de 1951 – que inspirou a adaptação quando o assunto é psicologia. Um exemplo dessa genialidade é a mais famosa passagem do livro, uma conversa de Alice com o Gato de Cheshire na qual a jovem pergunta se ele poderia ajudá-la a achar o caminho mesmo não sabendo para onde ir. Gato termina com a icônica frase “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”. Portanto, ele ajuda Alice a tirar suas conclusões de acordo com o que a própria responde, instigando o entendimento sobre si mesma e a necessidade de objetivos concretos. Desse modo, Tim Burton segue o modelo de Lewis Caroll, aplicando lições de vida valiosas dentro de um cenário fantasioso, ou seja, uma maneira mais divertida de aprender, este sendo com certeza o maior diferencial de Alice no País das Maravilhas.
Apesar da bagagem enorme de possíveis lições a serem extraídas do filme, ele continua sendo leve, com elementos infantis que atraem o público e desenvolvem afeto pela história e seus personagens. Não à toa, 15 anos depois de seu lançamento a obra continua sendo comemorada e passada como entretenimento para as novas gerações. Alguns itens contribuintes para esse aspecto são os elementos visuais, coloridos e em formatos exagerados, o ‘passo maluco’ de Chapeleiro, as loucuras da Lebre de Março (Paul Whitehouse), as breves aparições divertidas do Gato de Cheshire (Stephen Fry) e o final feliz de Alice, que deixa um mistério no ar para o segundo filme que viria a ser desenvolvido por James Bobin, Alice Através do Espelho (2016).

Além disso, as atuações de Helena Bonham Carter, Johnny Depp e Mia Wasikowska devem continuar sendo aplaudidas de pé. Dentro de um cenário construído quase que 100% em CGI, é de extrema importância a presença de atores qualificados e com a imaginação nas alturas para realizar um bom trabalho dentro de um ambiente completamente verde fluorescente e sem ‘pistas’ de como será o produto final. Um fator auxiliar para uma boa performance é, sem dúvidas, a caracterização de cada personagem. Graças ao design de figurino liderado por Colleen Atwood e a direção de arte de Robert Stromberg e Karen O’hara, a equipe de atores puderam ultrapassar a barreira de cenários para completar papéis que são admirados até os dias de hoje.
Portanto, em seu aniversário de 15 anos de lançamento no Brasil, Alice no País das Maravilhas segue sendo um exemplo para a cinematografia, tornando-se uma das melhores e mais fiéis adaptações de livro para filme em Hollywood. Além de marcar a geração dos atuais jovens adultos, vive na prateleira de sucessos absolutos da Disney, assistido e comentado por amantes da produtora e leitores de Lewis Caroll, firmando a beleza dentro da loucura de cada um de nós. Afinal, a loucura é somente uma subjugação da falta de pensamento padrão, e deixe-me contar-lhe um segredo: as melhores pessoas são assim.