A Tribe Called Quest e Metallica: os dois lados da nostalgia

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João Pedro Fávero e Nilo Vieira

Este mês foi marcado por dois lançamentos muito aguardados de artistas seminais em suas áreas: o álbum final do grupo de rap A Tribe Called Quest, We Got It From Here… Thank You 4 Your Service e Hardwired… To Self-Destruct, nova empreitada do Metallica. Além de serem discos duplos com títulos enormes, possuem o apelo nostálgico como semelhança notável e são exemplos distintos de como construir o futuro se utilizando das raízes do passado.

O A Tribe Called Quest havia se separado em 1998, com pequenas reuniões durante o novo século, como durante a turnê Yeezus de Kanye West em 2013. Porém, o grupo só decidiu se reunir para um álbum novo após a apresentação no The Tonight Show de Jimmy Fallon, onde o grupo promovia o relançamento do seu clássico debut People’s Instinctive Travels and The Paths Of Rhythm (1990). A noite ficou marcada pelos ataques terroristas em Paris, fato que foi decisivo para o grupo voltar a gravar.

 

Ainda não é de conhecimento geral a que passo estavam as gravações de We got it from here…Thank You 4 Your Service quando Phife Dawg faleceu em março deste ano, devido à complicações da diabetes com a qual vivia desde 1990, mas não antes de gravar uma boa quantidade de versos. Obviamente isso teve um grande impacto no restante dos membros do grupo, que fazem homenagens ao companheiro durante o final do tracklist e decidiram manter a ideia do título do álbum dado por Phife, mesmo com os outros membros não entendendo o seu significado.

O que chama a atenção é ver como o A Tribe Called Quest se manteve fiel ao seu som, sem soar chato ou passado. Isso vem de um grupo que fez álbuns que mesmo lançados há quase trinta mantiveram seu som relevante e influenciando a nova escola de rappers, na qual o grupo cita durante a música “Dis Generation”. O encontro de gerações é um dos melhores fatores do disco, que conta com velhos conhecidos do grupo como Busta Rhymes e Consequence, passando por grandes nomes da década de 90 como André 3000 (Outkast) e Talib Kweli, chegando em Kanye West, Kendrick Lamar, Anderson .Paak e surpreendentemente Jack White, que faz participações instrumentais em “Ego” e “The Donald”.

O grupo mostra que ainda está afiado em suas rimas com temáticas políticas e sociais, como na faixa que abre o álbum “The Space Program” e principalmente em “We The People”, que ganha uma importância ainda maior no seu discurso dada a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e sua conhecida agenda baseada na discriminação religiosa e étnica.

Há espaço para pequenas experimentações em seu som, mostradas em “Melatonin” e “Black Spasmodic”. Nada gritante, mas há um frescor que não é visto em muitos álbuns de reunião. As homenagens a Phife Dawg estão em “Lost Somebody” e “The Donald”, com grande destaque para os versos de Busta Rhymes e do próprio Phife.

No geral, We got it from here…Thank You 4 Your Service dá aula de como fazer material novo. Sem abandonar suas raízes mas não deixando-as dominarem completamente o som, o grupo mostra criatividade ao mesmo tempo em que absorve o que há de novo no estilo, passando a tocha para a nova geração de rappers e assim, confirmando o hip hop como o gênero musical mais criativo desta década.

Em contrapartida, o Metallica parece bastante conformado com o status atual do heavy metal. O quarteto permanece como a maior banda do gênero em atividade e tamanha popularidade lhes assegura uma zona de conforto invejável: as longas turnês rendem shows antológicos e muito dinheiro, o que permite bastante liberdade ao grupo para trabalhar em novas músicas, ainda mais agora que possuem um selo próprio (Blackened, criado em 2012) – independente de quanto tempo levarem e do quê lançarem, público e repercussão midiática são sempre garantidos.

Se no polêmico Lulu (2011), álbum conceitual lançado em parceria com Lou Reed, o esse conforto foi aproveitado para correr riscos, em Hardwired… To Self-Destruct a realidade é o oposto simétrico. Nos setenta e sete minutos distribuídos entre os dois discos, a banda entrega tudo o que seus fãs aguardavam ouvir, e as doze canções são guiadas por riffs de guitarra que remetem à clássica fase oitentista do Metallica. Aquele thrash metal enérgico carregado de traços da New Wave of British Heavy Metal é a regra aqui, sem espaço algum para baladas ou experimentações – do jeitinho que o headbanger médio, tradicionalista como só ele, adora.

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No entanto, se as qualidades do novo álbum da trupe de James Hetfield são velhas companheiras, os defeitos são bastante atuais. A produção é simplesmente terrível, e diminui o impacto do que deveria ser destaque e aumenta, literalmente no último volume, o calcanhar de Aquiles da banda: enquanto os timbres de guitarra possuem a mesma sustentação de uma folha sulfite, o som das caixas de bateria beira o insuportável e realça o quanto Lars Ulrich regrediu em seu instrumento, em todos os aspectos.

Esse relaxo também se estende às letras, de um simplismo digno de bandas adolescentes. “Agora que estamos mortos, minha querida/ Podemos ficar juntos/ Agora que estamos mortos/ Podemos viver para sempre“, diz o refrão de “Now That We’re Dead”. Trechos assim já soariam mal por natureza, e ficam ainda piores ao lembrar que vieram da mesma mente que construiu os relatos crus e eficientes de “Fade to Black” ou “My Friend of Misery”. Uma mente de 53 anos, aliás.

Assim, mesmo que Kirk Hammet entregue um bom desempenho em seus solos e que alguns riffs empolguem, a tarefa de ouvir o álbum em sua integridade se torna um desafio hercúleo, mesmo com a duração repartida. A opção por um disco sem canções mais cadenciadas se revela um erro, ainda mais quando o grande destaque do antecessor foi justamente a competente “balada” “The Day That Never Comes”. Mas nada disso realmente parece importar para a imprensa especializada e fãs.

O fato de incontáveis resenhas de publicações respeitadas focarem mais na importância histórica da banda do que no conteúdo de Hardwired dá o tom da conversa. O Metallica que realmente importa hoje é a empresa, não a banda. E essa afirmação não tem nenhum teor de sarcasmo ou mesmo indica demérito: a banda faz com que cada álbum novo seja um evento, tanto pelos pacotes luxuosos oferecidos como pelo investimento pesado em videoclipes (para este álbum, cada canção ganhou um, indo de animações bizarras à curtas homenageando o Mayhem).

O planejamento de marketing é muito bem feito, os shows são arquitetados para fornecer um verdadeiro espetáculo ao público e, o que talvez seja o maior diferencial, o grupo sabe se divertir com tudo isso. Em um nicho tão conservador e “anti comercial” (isso é, até aparecer a primeira oportunidade para reclamar do pouco espaço oferecido pela mídia) como o heavy metal, atitudes assim são indispensáveis para incentivar a expansão do gênero e atestar que, sim, peso e sucesso podem andar juntos.

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Diz muito, porém, que mesmo com o Metallica tendo visão empresarial, quem chegou ao topo da parada Billboard foi o A Tribe Called Quest. Nestes dois olhares sobre a nostalgia, um se limita a admirar o próprio umbigo de maneira narcisista e emula-lo décadas depois, enquanto o outro percebe que a visão sobre o passado pode ser enganosa e se propõe a usar elementos dele sob uma postura crítica, atual. Há quem relativize, mas renovações artísticas são indispensáveis: afinal, a história continua sendo construída, aqui e agora.

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