Vitória Gomez
Você já sonhou com este homem? Em 2006, um boato correu na internet: mais de oito mil pessoas de diversas cidades do mundo estavam sonhando com o mesmo homem, sem nunca o terem visto antes. Posteriormente, o que era um mistério virou uma piada nas redes sociais, com a verdade sendo revelada. Mas e se, subitamente, isso realmente acontecesse e moradores ao redor do planeta vissem uma mesma pessoa desconhecida durante o sono, todas as noites? É assim que O Homem dos Sonhos começa.
A proposta chega a ser irônica quando quem personifica o Homem é Nicolas Cage. Participante de uma centena de filmes – seis deles só em 2023 –, o ator virou rosto conhecido no imaginário popular. Cá entre nós, se víssemos Cage em algum sonho, ele seria reconhecido de imediato. Não é o que acontece em Dream Scenario (título original): no longa, o veterano é Paul Matthews, um professor universitário sem muito destaque ou ânimo que, do dia para a noite, começa a aparecer no subconsciente da filha, dos alunos, colegas de trabalho e pessoas desconhecidas ao redor do mundo enquanto dormem.
O ponto de partida onírico de O Homem dos Sonhos abre espaço para abusar da criatividade. Se os sonhos são o local onde tudo pode acontecer, a produção coloca Cage no centro de toda essa irracionalidade. O motivo do homem pipocar no subconsciente das filhas e conhecidos, primeiro, e depois no de pessoas desconhecidas sequer precisa de uma explicação – o deslumbramento vem justamente do que ele pode fazer dentro desse espaço sem regras. Parece o sonho de qualquer cineasta e espectador deixar a imaginação correr livre, sem as amarras do real.
Nisso, Nicolas Cage (merecedor da indicação como Melhor Ator de Comédia ou Musical no Globo de Ouro de 2023) transita entre o drama e a comédia, com uma direção e roteiro de Kristoffer Borgli que o dá liberdade para fazê-lo. Paul é apresentado como um homem desinteressante, um professor universitário que não consegue prender a atenção da turma, um acadêmico que não atinge seu potencial completo (ele tem um livro pronto, falta só sentar para escrevê-lo), um pai chato e um marido sem muita paixão. O sonho poderia ser o espaço onde o protagonista – mesmo que uma versão dele no subconsciente das pessoas – escaparia da mediocridade, mas até assim ele é passivo, mais observando do que tomando parte nas ações.
Até que isso muda. O onírico atinge seu auge quando Paul, já familiar aos sonhos do mundo inteiro, toma atitude – claro, apenas no subconsciente, já que na vida real ele continua patético. A escalada à fama é indesejada inicialmente, mas começa a tomar forma conforme o protagonista enxerga as vantagens disso. Nicolas Cage brilha ao dar vida a um homem mediano alçado ao status de celebridade repentinamente, deslumbrado com a atenção, sem deixar de agir desconcertado e inapto à situação. Em uma das cenas mais cômicas do longa, o personagem aceita se reunir com uma agência de publicidade. Enquanto os marqueteiros querem usar sua imagem para fazer comerciais da Sprite, ele quer aproveitar para promover seu livro sobre… plantas?
Nas mãos de Borgli, a primeira metade do filme cria expectativa para o quão longe O Homem dos Sonhos pode chegar. Tratando-se do campo imaginário, nem o céu é o limite. A trajetória desanda quando a sequência coloca os pés no chão. Ao invés de extrapolar o absurdo dos sonhos, algo que faria sentido dentro do selo da A24 e da produção de Ari Aster, o longa toma um caminho comum de abordar as consequências da fama no dia a dia de uma pessoa comum.
Ao passo que a versão imaginária de Paul passa a agir como o completo oposto da versão real, alunos, colegas de trabalho e pessoas na internet passam a acusá-lo por suas ações – que, na verdade, ele nunca chegou a fazer, elas apenas sonharam. Até que ponto o protagonista é responsável por aquilo que fizeram dele? A cultura do cancelamento e os hábitos de consumo da nova geração viram o centro de Dream Scenario, desperdiçando o potencial de continuar fora da caixinha.
Não que isso arruíne tudo que foi construído até ali. Com a liderança de Cage, Paul vira um personagem tosco, perdido dentro do que ele próprio almejou, algo simultaneamente cômico e dramático de se assistir. O debate até chega a promover a reflexão das consequências da celebrização e de levar a internet ao extremo, mas perde a força em se contentar com uma discussão repetitiva.
Sem saber muito bem como se concluir, O Homem dos Sonhos abraça o personagem que Paul se tornou, deixando o campo onírico de lado em prol de uma sátira aos hábitos de consumo modernos. À lá Freddy Krueger, Paul Matthews eventualmente some dos sonhos, tão sem explicação quanto entrou. Agora, ele se contenta em ser alguém que passou pelo ciclo da fama completo, da exaltação à decadência do cancelamento, vendo o seu fenômeno ser repercutido como um estudo de caso publicitário. Ao final, é a sequência de Nicolas Cage vestido de David Byrne, salvando a ex-esposa ao som de Talking Heads, que lembra que todo o caminho até ali valeu a pena, pelo menos em sonho.