10 anos do Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui

Capa do álbum O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui. Na imagem, Emicida está em destaque, centralizado, com o enquadramento da foto cortando seu rosto do nariz para cima, e da cintura para baixo.Ele usa um terno na cor cinza claro e segura nas mãos um microfone de modelo clássico. O fundo da imagem é bege. No canto superior esquerdo, está escrito em letras pequenas “Emicida”, na mesma cor do fundo, e ao lado direito do Emicida, mais ao centro, está escrito em letras pretas “O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui”.
O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui foi o primeiro disco de estúdio de Emicida (Foto: Laboratório Fantasma Produções)

Tharek Alves

Em 2013, com duas mixtapes e dois EPs lançados, Emicida já tinha grande impacto dentro do cenário do rap e era reconhecido como um grande músico e compositor. Contudo, foi apenas com o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio que ele atingiu o público geral e consagrou seu nome dentro da música nacional. Após dois anos sem lançar novas composições, O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui foi uma volta do cantor para os fãs e, ao mesmo tempo, uma estreia para aqueles que ainda não conheciam suas obras.

Lançado em 21 de Agosto daquele ano, Emicida buscou no álbum a inovação, para evitar a mesmice e a repetição daquilo que já havia lançado. O rapper conseguiu isso através da mistura do rap com outros estilos musicais, como samba, rock e funk. Com letras pesadas e impactantes como Bang!, que relata as dificuldades de não se desviar de seu caminho e o racismo escancarado de nossa sociedade, e faixas suaves e românticas como a declaração de amor que é Alma Gêmea, o debute do artista veio para alcançar variados públicos e mostrar sua versatilidade musical. 

Imagem de divulgação. Emicida segura as laterais do paletó desabotoado, enquanto posa para a foto. Ele usa um terno na cor cinza claro. Ao fundo da imagem, há um fundo liso na cor cinza escuro.
Emicida apostou na mescla de ritmos musicais com rap para inovar em seu primeiro álbum (Foto: Marcos Serra Lima)

Abrindo o álbum com Milionário do Sonho, Emicida se junta à poetisa e atriz Elisa Lucinda (O Pai da Rita, Manhãs de Setembro) para apresentar um recurso que será recorrente durante toda a obra: as poesias. Utilizadas como interlúdio entre as faixas, elas são distribuídas por todo o disco, retratando a caminhada do jovem cantor paulistano, com as dificuldades que passou durante sua vida. Ambos fazem críticas ao preconceito e a sociedade capitalista, e incentivam a união do povo preto e periférico.

Emicida assume um lado Leandro (seu nome de nascença) em algumas faixas, com relatos de sua vida pessoal. Em Crisântemo, o rapper reconta, de maneira forte, a morte do pai, ocorrida durante uma discussão de bar no dia de seu próprio aniversário. Através de uma melancólica poesia, Dona Jacira, mãe do cantor, relata sua versão do acontecido e o sentimento que a perda da figura paterna acarretou na vida da família.

Em contrapartida, Sol de Giz de Cera traz doçura para o álbum, além de mostrar um lado mais emocional e íntimo do cantor. Com as participações da cantora Tulipa Ruiz (Habilidades Extraordinárias) e da filha do artista, Estela Vergílio, a letra fala sobre o dia a dia do pai com a menina. Ao colocar essa música logo após Crisântemo, Emicida expõe dois contrastantes momentos de paternidade ocorridos em sua vida, que são tão comuns na história de milhares de brasileiros.

Imagem de divulgação. Emicida caminha sobre um gramado em uma região periférica. Atrás dele, são vistas no horizonte as casas do morro. O rapper usa roupas sociais, sendo um colete na na cor cinza, uma camisa social branca, calça também na cor cinza e um óculos escuro.
O álbum fez tamanho sucesso que teve a música Zóião compondo a trilha sonora da novela Sangue Bom (Foto: Ênio César)

Após ficar distante dos projetos do Emicida, Felipe Vassão voltou para produzir o primeiro álbum do MC em seu glorioso retorno. Assim como em Avua Besouro (2010) e Triunfo (2009) – antigos trabalhos do produtor com Leandro – ficou sob sua responsabilidade orquestrar o lado musical do disco. Com uma harmoniosa mistura instrumental, o maracatu de Samba do Fim do Mundo e o rap rock de Nóiz se assemelham aos dois singles anteriores da dupla, numa nostálgica lembrança para os fãs que seguiam o rapper desde seus primeiros lançamentos.

Para aqueles que conheceram o Emicida pelas obras mais recentes, parece comum ver seus lançamentos atuais em flerte com a MPB e o samba. Porém, foi em Trepadeira e Hino Vira-Lata que essa mescla aconteceu pela primeira vez. Futuras produções, como Passarinhos (2015), Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo) (2019) e outras feats posteriores, tiveram o pontapé inicial nessas duas faixas, que colocam rimas sobre os divertidos acordes de cavaquinhos e a percussão da roda de samba.

Imagem de divulgação. Na foto, Emicida está sentado, apoiando os braços sobre os joelhos e olhando para frente, em direção à câmera. Ele usa camiseta lisa e um boné com a frase “A rua é noiz”. A imagem está em preto e branco.
Emicida consagrou seu nome na música brasileira e futuramente fez parcerias com artistas como Caetano Veloso, Vanessa da Mata e Zeca Pagodinho (Foto: Fernanda Negrini)

Em um álbum repleto de músicas sensacionais, há aquelas que se destacam, ainda assim. É o caso dos estrondosos sucessos de Levanta e Anda e Hoje Cedo, que continuam figurando entre as canções mais ouvidas do cantor, 10 anos depois de seu lançamento original. Ambas as faixas levaram Emicida para as rádios de todo o país e também para a maioria das pessoas que ainda não conheciam seu trabalho.

Eu sei, sei cansa / Quem morre ao fim do mês / Nossa grana ou nossa esperança

Emicida em Levanta e Anda

Levanta e Anda, parceria com o cantor Rael, abre o álbum e pode parecer suave e tranquila em um primeiro momento, devido a sua melodia. Porém, de maneira incisiva, a letra fala sobre manter a cabeça erguida, mesmo com todas as dificuldades da vida, vindo como fortes socos de motivação. Através da sensibilidade da produção, Emicida convida as pessoas a refletirem sobre si mesmas, acreditarem em seu potencial e perseguirem seus sonhos. Muito mais que um simples som, a música virou um hino de esperança para todos que enfrentam as árduas dificuldades do dia a dia.

Imagem de divulgação. Emicida está sentado em uma poltrona de couro marrom, com um fundo vermelho atrás do cantor. Ele veste calça, camiseta de manga longa, um óculos escuro, boné virado para trás e um relógio, todos na cor preta.
Em 2018, Emicida regravou alguns dos sucessos do Glorioso Retorno no álbum 10 Anos de Triunfo, em comemoração a uma década de carreira (Foto: Daryan Dornelles)

Hoje cedo não era um hit/era um pedido de socorro” é um verso de AmarElo (2019), cantado por Emicida. Com 6 anos de diferença entre os lançamentos das duas músicas, é possível ver a importância dessa faixa para o artista. Em uma letra que fala sobre deixar de lado os próprios princípios para alcançar o sucesso, Hoje Cedo retrata um choque de realidade recorrente na vida daqueles que saem de classes sociais mais baixas e buscam a ascensão econômica. A colaboração com Pitty trouxe uma mistura notável entre a suavidade e a potência vocal da cantora de rock com as rimas densas do rapper. O resultado foi não apenas um sucesso estrondoso, mas também um emocionante desabafo por parte do cantor.

Com o lançamento de seu disco, Emicida firmou-se entre os grandes nomes do rap no Brasil. Com o poder de seus versos, versatilidade de estilos e muita inteligência, o cantor marcou a geração e virou referência, seja para os membros da velha-guarda do rap, como Racionais MC’s, ou para aqueles que firmaram-se posteriormente ao seu lançamento, como BK’, Djonga e tantos outros que foram influenciados por sua obra.

O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui é uma das maiores obras não só do rap nacional, mas da música brasileira. Os números de views das canções, as bilheterias da turnê do projeto ou os prêmios recebidos – como melhor álbum do ano pela revista Rolling Stones e melhor turnê pelo Guia Folha de S.Paulo – não são capazes de mensurar o tamanho e a importância desse álbum. Em seu glorioso retorno, Emicida mostrou que suas músicas devem estar sempre aqui.

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