Andreza Santos
Uma família de surdos onde há apenas uma única ouvinte, a filha mais nova. Essa é a descrição inicial de CODA, que ganhou no Brasil o título No Ritmo do Coração. Ruby – a protagonista – é vivida pela talentosa Emilia Jones (Locke & Key), ela é a CODA (Child of Deaf Adults, filha de adultos surdos) da família. Trabalhando durante a manhã na pescaria, ela interpreta e traduz tudo o que seu pai, mãe e irmão querem dizer para as pessoas não-surdas. Tudo muda quando ela decide entrar para o coral da escola.
O filme de 2021 é inspirado no longa alemão A Música e o Silêncio (1996) da diretora Caroline Link, que por sua vez ganhou uma versão francesa em 2014 com A Família Bélier. Nesta interpretação estadunidense, a diretora Sian Heder (Little America) traz um ponto de vista inovador para uma narrativa convencional de filmes de dramédia, nos fazendo observar como vive uma família de surdos na sociedade, acendendo uma luz sobre o problema de inclusão e a falta de acessibilidade de pessoas com deficiência em todos os lugares.
Na trama, acompanhamos a história através da perspectiva da ouvinte, e a partir dela vemos as inúmeras dificuldades enfrentadas pela família Rossi para se expressarem. No fim, todos acabam dependendo de Ruby, que sempre está na corda bamba segurando as pontas da família, através da maneira hábil de se comunicar e traduzir a linguagem de sinais, que está presente em pelo menos 50% dos acontecimentos.
CODA passou por diversos festivais antes de seu lançamento, incluindo o de Sundance, onde levou 4 prêmios dentre eles Melhor Filme do Júri. A produção de Heder é espontânea, sensível, afetuosa e muito engraçada. A aclamação de público e crítica, fez o longa chegar até o Gotham Awards e ao Globo de Ouro, sendo indicado em duas categorias, Melhor Filme de Drama e em Melhor Ator Coadjuvante com Troy Kotsur (Número 23), pai de Ruby na trama.
No Ritmo do Coração destaca a qualidade de Sian Heder como diretora e roteirista, onde segue ganhando prêmios pela sua genialidade nas duas áreas. A boa fotografia – pelas lentes da brilhante Paula Huidobro –, ótimas sacadas no roteiro e uma bela trilha sonora – assinada por Marius De Vries –, transformam o longa em algo imperdível.
A história que gira em torno de Ruby mostra a adolescência dela, o preconceito de seus colegas perante a família surda e o primeiro amor. Emilia Jones brilha em cena, permitindo que sua família fictícia brilhe junto dela. O longa foi comprado pela Apple TV em Sundance por 25 milhões de dólares, tornando esse o maior valor já pago por um filme no festival. Além disso, a canção original Beyond The Shore, que descreve a vida dupla que Ruby leva entre a família e a Música, está na lista de pré-indicados ao Oscar 2022, e pode surpreender na categoria.
Após se juntar ao coral da escola, Ruby é incentivada por Bernardo Villasboas (Eugenio Derbez) – seu professor de canto – a fazer uma audição para a faculdade de Música de Berklee, o que gira a vida dela e de sua família de cabeça para baixo. Conforme a trama se forma, podemos ver o quão afetuosos e unidos são os Rossi, apesar de todas as adversidades da vida, o amor e a felicidade prevalece entre eles.
O paralelo mais importante do filme se dá quando Ruby informa aos pais que quer sair de casa e ir para uma faculdade de Música. Frank vê a decisão de Ruby como algo trivial. Já Jackie – a matriarca da família – vivida pela vencedora do Oscar Marlee Matlin (The Magicians) não aceita de maneira alguma essa decisão da filha. O filho mais velho, Leo (Daniel Durant), vê a escolha da irmã como uma oportunidade de poder tomar conta da família e não ter que depender da caçula para se comunicar.
Durante o terceiro e último ato do filme, vemos Ruby se apresentar com o coral da escola onde sua família vai assisti-la, mesmo não ouvindo nada do que ela canta. Nesta sequência, experimentamos como seria a cena da perspectiva dos surdos, o que causa um estranhamento pois para nós, os não-surdos, isso é algo incomum. Mas para eles é a forma como eles veem a vida, o que traz uma grande reflexão. O olhar genial de Sian Heder nos permite observar como a família olha para as outras pessoas da plateia, buscando um modo de entender a música e de se encaixar na sociedade, mas sem sucesso.
A fórmula “batida” da narrativa é bem conduzida pela diretora, que explora mais a representação familiar, apresentando um divisor de águas entre o mundo de surdos e não-surdos, onde Ruby se destaca, enquanto se desdobra nesse conflito. É difícil não se apaixonar por CODA, o qual também conta com um elenco primoroso, nos levando do riso às lágrimas sem esforço, em um piscar de olhos, engrandecendo ainda mais a história.
No Ritmo do Coração não precisa se esforçar para ser bom, ele é autêntico e naturalmente envolvente, aquele tipo de filme que vale a pena ser visto. É encantador, divertido e emocionante de uma forma singular. Facilmente se tornou um comfort movie, já que foi uma experiência incrível acompanhar a jornada da família Rossi e o início da independência de Ruby. Original da Apple TV+, o longa está disponível no Brasil pelo Amazon Prime Video.