Em McCartney III, Paul expõe o homem por trás da lenda

Capa do álbum McCartney III. Um fundo preto com um dado ao centro e escrito "McCartney" na parte superior.
Capa de McCartney III (Foto: Divulgação)

Maria Carolina Gonzalez

Junto com a pandemia do novo coronavírus, o ano de 2020 trouxe muita angústia para a maioria de nós. O que começou com uma chance de aproveitar o tempo livre, acabou se transformando em dias longos e repetitivos que parecem não acabar tão cedo. Durante esse período, cada um encontrou a melhor maneira para não se afogar no tormento provocado pelo isolamento. Para Paul McCartney – um senhor extremamente pleno e saudável, mas que não deixa de ser grupo de risco no auge de seus 78 anos – a solução foi passar pela turbulência com a família em sua fazenda em Sussex, na Inglaterra.

Olhando para o gênio, a lenda, o Sir, o beatle, ou qualquer outro nome que lembre de sua grandeza, parece óbvio que sua válvula de escape foi fazer música. E de fato foi. Mas para Paul (e somente Paul, sem o famoso sobrenome) o momento também foi de descobertas, experimentos e aprimoramentos, mesmo para quem dedicou boa parte de sua vida para a música. E o que foi o período de isolamento para ele? A resposta está em McCartney III, novo álbum de estúdio feito em Rockdown que encerra a não planejada trilogia McCartney, iniciada em 1970.

Paul McCartney em estúdio
Escrito, composto e produzido pelo próprio McCartney (Foto: Sonny McCartney)

Se tratando de Paul McCartney, muitos clichês são válidos, principalmente o de encontrar oportunidades em momentos de crise. Sua primeira experiência enquanto “banda de um homem só” surgiu logo após a separação dos Beatles, resultando no romântico McCartney (1970). Já em 1980, com o fim do Wings, McCartney II foi criado como seu trabalho mais experimental e até incompreendido da carreira. Mas apesar da grande oportunidade que a crise mundial de 2020 infelizmente ofereceu, McCartney III foge desse cânone de encerramento de ciclos e mostra que música feita para o próprio aproveitamento também pode ser genial.

Olhar para sua carreira de forma linear nunca funcionou para Macca. McCartney III não possui quase nada em comum com seu último trabalho, Egypt Station (2018) – um álbum colorido, agitado e feito para as multidões que lotam os estádios. Agora vemos um músico mais sossegado e mesmo assim inquieto, mostrando que também é gente como a gente durante esse longo isolamento. Antes de ser um álbum para a crítica, o III é um consolo em tempos terríveis, talvez mais para Paul do que para nós.

Paul McCartney tocando bateria
Paul tocou todos os instrumentos em McCartney III (Foto: Mary McCartney)

McCartney III é um álbum com começo, fim e, principalmente, meios. A vida ocorre entre a primeira faixa, Long Tailed Winter Bird, e a última, Winter Bird / When Winter Comes. Tudo entre elas são devaneios, tanto experimentais quanto pé no chão no melhor estilo McCartney. A música de abertura é uma brincadeira crua entre riffs de violão e guitarra, adicionando em alguns momentos percussão e a voz de seu criador em camadas. A partir desse momento, já estamos imersos na mente de Paul enquanto um artista isolado na natureza. 

O álbum flui muito bem quando é encarado como um Faça-Você-Mesmo totalmente pessoal, e claro que os outros dois trabalhos solos dão essa credibilidade. Há momentos acelerados, como Find My Way e Seize the Day (um grande presente para os entusiastas do Sgt. Pepper’s), e também momentos de angústia no piano, como a bela Women and Wives. E se tratando de Sir Paul McCartney claro que não poderia faltar as partes cômicas, como a faixa Lavatory Lil, que remete a uma das composições de John Lennon presente no Abbey Road (1969): Polythene Pam.

A mente de Paul toma um grande fôlego de 8 minutos durante Deep Deep Feeling, que funciona melhor como uma combinação de ideias do que apenas uma música. Os altos e baixos voltam com as guitarras pesadas em Slidin’ e a balada The Kiss of Venus, relembrando o McCartney romântico que derrete nossos corações desde os tempos de Fab Four.

E, como mencionado anteriormente, o encerramento dessa aventura fica por conta de Winter Bird / When Winter Comes que, apesar de complementar a faixa de abertura,  mostra um corte seco nos pensamentos de Paul que precisa voltar para a “vida normal”. Esse é o fim da viagem na cabeça de um artista brincando de fazer música.

Paul McCartney fala na frente do microfone.
McCartney III obviamente não anuncia o fim do isolamento, mas é uma forma de deixá-lo um pouco mais leve (Foto: Sonny McCartney)

Mesmo com uma bagagem musical invejável e um conhecimento fortalecido por anos, esse novo trabalho deixa tudo isso de lado e é construído com as coisas mais simples que foram redescobertas, como rascunhos, livros infantis e até músicas descartadas de 30 anos atrás. Mesmo sendo um álbum de quarentena, McCartney III não é de forma alguma melancólico. Até durante os momentos desacelerados, há uma pontinha de esperança em cada canção. E quem não alimenta um pouco de esperança atualmente?

Paul McCartney se tornou uma lenda, mas não é um músico que fica preso somente à nostalgia para alcançar suas glórias. Há 15 anos, com o lançamento de Chaos and Creation in the Backyard, vemos um cantor já consolidado, mas que olha para o futuro buscando atualizar seu estilo, mesmo que isso signifique mudar um pouco de sua essência. E é aí que a carreira solo de Paul se diferencia dos colegas.

Atualmente, os irmãos McCartney e McCartney II são redescobertos como obras essenciais dessa longa discografia, mas passaram por muitas críticas um tanto injustas durante cada estreia. Talvez ainda seja cedo para dizer como McCartney III será visto daqui alguns anos, mas com certeza é um material valioso não apenas para compreender 2020, mas também para conhecer Paul sendo apenas Paul.

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